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Por Pedro Henrique França para a Revista J.P

São recorrentes e sonoros os “ohhh” no set das gravações do humorístico Pé na Cova, seriado de Miguel Falabella, quando Marília Pêra está em cena. Muito pela desenvoltura com que arranca risos com sua Darlene, a pinguça maquiadora de defuntos, mas não só. É que quando está cansada de tanto ficar em pé, ela alonga as pernas levando o pé à cabeça, deixando todos boquiabertos. “Todo mundo fica impressionado, querendo tirar fotos”, conta, logo após os “ohhhs” da equipe ao repetir o feito.

O corpo enxuto aos 70 anos sofre uma dieta rigorosa – sem carnes e lactose. “Como pouco”, diz. Já a elasticidade é influência dos muitos anos de balé clássico, reforçado com ioga e pilates. “Faço tudo que aprendi em casa, apenas com espelho e barra.” A casa é o lugar onde Marília se sente mais à vontade. “Se eu pudesse, além do meu tempo de sono, ficaria três a quatro horas por dia isolada, em silêncio.” Quando não está gravando ou ensaiando, ela gosta de ler, escrever e curtir a família. Quando viaja, tem uma regra: só vai para lugares que têm programação de ópera. “Se não tem ópera eu nem vou, não tem graça.” Ao teatro, onde se criou profissionalmente, tem ido pouco. “É muito raro ver um teatro que seja entretenimento. Tá ficando tudo meio chato”, diz ela, que acredita que o público tem sido maltratado. “Outro dia fui ver uma peça, fiquei numa fila meia hora, o banheiro era a um quilômetro de distância. Aí a peça é às 21h, mas a sala abre às 21h. Eu se fosse público não iria mais. Depois não sabem porque o teatro está vazio. Eu sei.”

Definitivamente, ela prefere estar nos tablados. Depois do mais recente musical Alô, Dolly!, em que também contracenava com Falabella, Marília estará envolvida em quatro produções até o fim de 2014. Em janeiro, estreia Callas, sobre Maria Callas, que já viveu no teatro e agora assume a direção. Ainda como diretora, leva aos palcos A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato, que protagonizou nos anos 1970 e na nova versão terá a colega Luma Costa, a Odete Roitman do seriado.

Em A Atriz ela contracenará com Herson Capri e Francisco Cuoco e será dirigida por Bibi Ferreira. Já sua filha, Esperança Mota, assume o papel de conduzir a mãe num outro espetáculo no tempo que sobrar de 2014. “Ela quer mandar em mim, me bater, revidar todos os sopapos que dei”, brinca. Rir é algo que Marília tem feito com mais frequência. “Tenho preferido o humor, ou pelo menos a linha dele, mesmo em situações mais dramáticas.”
É nessa pegada leve e alto-astral que sugerimos o ensaio inspirado na politicamente incorreta Darlene. “O Miguel trabalha com a pesquisa do absurdo”, diz ela, que aponta que nos dias de hoje as pessoas “têm medo de dizer o que pensam”. “É um programa não careta e, ao mesmo tempo, familiar. As pessoas se amam no meio daquela grosseria toda.” Não à toa, o público acolheu Darlene: Marília recebe muitos recados das pessoas que se identificam com ela. Mas não se engane, no figurino da moradora do Irajá reluzem grifes como Dolce & Gabbana. E cores, muitas cores. “Já fui vedete, né? Adoro plumas, paetês, brilho. Adoro!” Marília, que já viveu Mademoiselle Chanel, ícone do luxo e da elegância, diz que a estilista francesa avalizaria o dress code de Darlene. “Aprovaria e usaria”, arrisca.

Em cima de saltos altíssimos, Marília desfila chiquérrima, sem vacilar, pelos ambientes. Acata os pedidos do fotógrafo. Sugere situações e se vê insegura para achar o tom certo com o piano, um dos objetos de cena. Sim, Marília Pêra, a atriz que começou carreira aos 4 anos e completa 65 de trajetória, ainda se vê desafiada. “A experiência me trouxe a consciência do ridículo que é essa posição [de se acomodar]. Todo tempo eu me sinto insegura.”

A insegurança some quando opina sobre a polêmica das biografias que envolveu Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto Carlos e outros. “Embalei minha juventude com as músicas deles. São artistas tão geniais para mim que se saísse uma biografia não autorizada por eles eu não leria mesmo que viesse parar na minha mão.” Ela, por sua vez, pretende escrever sua biografia assim que terminarem seus projetos teatrais. Não por ego, diz, mas para deixar na história sua participação na cultura brasileira. “Venho de uma família de artistas e uma das coisas que me fere muitíssimo é que em muitos livros que falam sobre teatro no Brasil há uma censura. Minha família não aparece ou eu não estou, porque priorizaram outros artistas.”

Para Marília, sua biografia “dá um bom filme”. “De época já, né?” Gargalhadas ecoam. Da vida de artista, ela tenta se despedir “há dez anos”. “Eu já tô pra lá de Marrakesh”, diz. Que seja apenas uma piada de Darlene.

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