Um dos traços mais marcantes de Silvio Berlusconi, que morreu nesta segunda-feira, aos 86 anos, era a sua voz de barítono. E foi graças a esse diferencial vocal que o ex-premiê italiano iniciou a carreira que eventualmente o tornaria um dos maiores barões da mídia mundial. Ainda em seus vinte e poucos anos, o italiano mais polêmico das últimas duas décadas, que fez história tanto como político quanto como empresário, ganhava a vida como cantor de clubes dos mais variados tipos na região central de Milão e também nos cruzeiros que partiam do Port Genoa da cidade, que orgulhosamente lembrava sempre que possível ser sua terra natal.
Mas a ascensão de Berlusconi no mundo dos negócios deu-se a partir do fim da década de 1970, quando ele fundou o Fininvest, a princípio uma empresa de investimentos variados que eventualmene se tornou um dos maiores conglomerados empresariais da Europa, com forte presença no setor de mídia italiano. Atualmente a principal empresa do grupo, com receitas anuais na casa dos € 4 bilhões, é a rede de televisão Mediaset, que explodiu em audiência no começo dos anos 1980 por conta da admiração de seu dono pela beleza feminina: ao assistir um episódio da série americana “Baywatch”, Berlusconi imediatamente comprou os direitos da produção para exibi-la na Itália com exclusividade, certo de que seria um sucesso. E foi.
O crescimento em ritmo acelerado da Mediaset foi tão grande que, ao longo dos anos seguintes, levantou suspeitas a respeito de ligações entre os dirigentes do canal com políticos do alto governo italiano que possivelmente facilitaram sua expansão, porém nunca comprovadas. A partir da Mediaset, outras empresas de mídia, como editoras de livros e revistas ao exemplo da Mondadori, a maior da Itália, além de uma joint-venture com a Sky para o uso da marca de Rupert Murdoch em solo italiano, garantiram uma confortável liderança do mercado de comunicação da bota ao Fininvest. Ideal, portanto, para Berlusconi, que há tempos sonhava com uma carreira política, e de fato se aventurou no novo ramo em meados dos anos 1990.
Além dos canais de TV e editoras, o Fininvest também possui bancos – o Banca Mediolanum e o Mediobanca – e ainda aquele que possivelmente foi seu ativo mais famoso internacionalmente durante 31 anos: o time de futebol AC Milan, vendido em 2017 por € 740 milhões. O patrimônio dele inclui ainda imóveis de alto padrão espalhados pela Itália, e em cidades como Nova York e Paris, uma vasta coleção de obras de arte e uma soma considerável de investimentos líquidos, ou seja, tudo aquilo que pode ser facilmente conversível em dinheiro. Como qualquqer milanês nato, Berlusconi acreditava que uma reserva razoável em dinheiro era fundamental.
E tanto quanto qualquer outro milanês, Berlusconi não admitia ter o que considerava ser seu território invadido por estrangeiros. Nesse aspecto, um dos casos mais notórios de sua vida empresarial foi ter atuado pessoalmente para que a Telemontecarlo (TMC), emissora de televisão fundada em Roma em 1974 e que pertenceu ao Grupo Globo entre 1985 e 1994, não prosperasse sob a gestão dos brasileiros. O magnata italiano fez de tudo para evitar isso, temendo que a TMC se tornasse uma versão local da gigante brasileira àquela altura já líder mundial na produção de novelas. E esse esforço gerou o resultado esperado, com a Globo optando por deixar o mercado de mídia italiano devido às constantes pressões que sofria de todos os lados, eventualmente assumindo um prejuízo de US$ 250 milhões (ou US$ 512 milhões considerando a inflação dos últimos 29 anos). Até hoje, esse é o maior fiasco da vênus platinada fora do país.
Berlusconi foi diagnosticado em abril com um tipo raro de câncer, conhecido como leucemia mielomonocítica crônica. A doença atinge células do sangue, mais especificamente os glóbulos brancos, com origem na medula óssea. Bem antes disso, no entanto, o octogenário ex-líder italiano em três gestões (1994-1995, 2001-2006 e 2008 e 2011) já tinha ordenado o planejamento de sua herança. Dono de uma fortuna estimada em US$ 6,8 bilhões, que deverá ser dividida entre seus cinco filhos, seus inúmeros negócios, muitos dos quais ainda envoltos em polêmicas que incluem desde supostos esquemas arrojados de pagamento de propinas e até mesmo ligações com a máfia, deverão ser tocados daqui pra frente por sua primogênita, Marina Berlusconi, cuja personalidade parecida com a do pai tem tudo para torná-la uma das executivas mais comentadas da Itália daqui pra frente.