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Ivone Kassu: ícone dentro das assessorias de imprensa de cultura

Morreu nesta terça-feira Ivone Kassu, assessora de Roberto Carlos. Confira, na íntegra, a entrevista que ela concedeu à Revista Joyce Pascowitch.

Ela dizia que inaugurou a profissão de assessor de imprensa no Brasil. Aos 66 anos – 40 deles cuidando da imagem de grandes nomes da MPB, como Roberto Carlos e Tim Maia – Ivone Kassu pretendia escrever um livro de memórias.

Por Junior de Paula

Ivone Kassu não canta, não compõe e não tem nenhum grande dom artístico. Mesmo assim, a mulher é um ícone da cultura brasileira – pelo menos no que diz respeito aos bastidores. Ela, tal e qual um Forrest Gump tupiniquim – aquele personagem vivido por Tom Hanks que está presente em todos os grandes eventos históricos do século 20 – foi testemunha ocular das principais reviravoltas musicais, políticas e pessoais dos maiores nomes da música popular brasileira no período e ajudou a criar, definir e consolidar o ofício do assessor de imprensa no Brasil. Sob os seus cuidados já estiveram Tom Jobim, Maria Bethânia, Tim Maia, Caetano Veloso, Alcione, Wilson Simonal, Chico Buarque, Ney Matogrosso e Roberto Carlos, só para citar alguns.

O rei, aliás, confia no trabalho de Ivone há mais de 30 anos. “Foi uma vida em silêncio, por trás dos panos, fazendo conexões e possibilitando encontros. Mas tenho muito orgulho dos meus quase 40 anos de assessoria de imprensa, em uma época que esse nome ainda nem existia”, afirma. A paulista de Itu, que começou sua trajetória ainda em São Paulo, contratada para ser secretária de Roberto Colossi, famoso empresário de artistas no fim da década de 60, rapidinho enturmou-se e encontrou seu caminho. “Eu ia aos estúdios e shows acompanhando os artistas e passei a registrar tudo o que poderia gerar notícia, além do trabalho deles. Fui a primeira a passar notas para a imprensa e a criar esse nicho que, hoje, é enorme”, conta.

E será que a menina do interior não se deslumbrou ao circular em meio a tantos nomes que, durante toda a vida, ela só tinha visto em revistas e ouvido no rádio? “Claro! Lembro quando fui chamada pelo Tom Jobim para cuidar da sua relação com a imprensa. Nosso primeiro encontro foi na casa dele, no Rio, e quando entrei na sala, aquele homem lindo sentado ao piano, tocando… Era quase um cenário de sonho. Fiquei petrificada na porta. Ele, sempre muito gentil, viu o meu estado e me levou para a varanda, me segurando pelo ombro, para me mostrar os passarinhos. Quase morri!”, relembra, em meio a muitas gargalhadas.

Bom humor, aliás, aqui não falta. Mesmo quando teve de lidar com situações complicadas, como cuidar dos quatro últimos anos da carreira de Tim Maia, incluindo a fatídica apresentação no Teatro Municipal de Niterói, em 1998, que seria registrada para o Multishow. Como todo mundo sabe, Tim entrou no palco e, quando se preparava para soltar os primeiros versos de “Não Quero Dinheiro”, não resistiu e saiu dali direto para o hospital, no qual morreria uma semana depois. “Era a redenção dele, depois de um tempo envolvido em problemas. Ele estava animado, feliz… Durante a tarde, tinha feito um ensaio memorável, a banda dizia que havia sido a melhor apresentação da vida dele, mas, infelizmente, nada foi registrado. Quando ele saiu do palco, no começo da apresentação, meio cambaleando, tentei me aproximar, mas não podia fazer muita coisa”, recorda. Entretanto, antes do triste fim, Tim deu muitas alegrias a Kassu, além de ótimas histórias.

“Lembro de um dia que ele me ligou, de madrugada, pedindo para cancelar todas as entrevistas do dia seguinte, aí respondi, meio sonolenta, que não tinha nada agendado. Ele retrucou: ‘Mas cancela mesmo assim’.” Sem contar a vez em que Tim encasquetou que queria visitar Roberto Carlos. Ela, claro, com toda a paciência do mundo, tentou demovê-lo da ideia. Sem sucesso. Tim pegou o carro, estacionou na porta do prédio de Roberto, na Urca, e começou a gritar o nome do amigo – eles chegaram a ter uma banda juntos, a Sputnik, bem antes do sucesso. “Roberto o deixou subir, mas nunca descobri o teor da conversa. Só sei que, no dia seguinte, Tim me ligou para contar da aventura, morrendo de rir, e disse: ‘Ficam falando que eu sou louco, mas louco é o Roberto Carlos, que conversa com samambaia. Ninguém me contou isso não, eu vi’.”

Roberto, aliás, merece um capítulo à parte na biografia de Ivone Kassu. A relação dos dois começou em 1978, quando a CBS convocou a assessora para cuidar do lançamento do disco do cantor naquele ano. A empatia foi imediata e, dois anos depois, ela seria contratada pelo próprio para cuidar de todas as suas relações com a imprensa. E isso prossegue até hoje. “Já passei por muita coisa ao lado dele, momentos bons, ruins, perdas, sucesso, muito sucesso. Ele é um grande amigo. Uma coisa, aliás, que vou sempre oferecer a ele é a minha amizade e lealdade”, emociona-se. Sem perder o trocadilho, foram mesmo muitas emoções nessa relação, já que ela passou, segurando na mão do rei, por momentos fortes como a morte de Nice Braga, a primeira mulher de Roberto, “ela que me ajudava a convencê-lo de algumas coisas”; Maria Rita, “o grande amor da vida do Roberto”; da mãe dele, Lady Laura, “a melhor mulher que já conheci na vida”; além do Projeto Emoções, de 1983, que fez Roberto Carlos atravessar o país se apresentando em cerca de 18 cidades, em um avião customizado da Vasp, para um público estimado em 600 mil pessoas, em 40 dias.

“Foi o momento mais bonito da carreira de Roberto que vivenciei. Era a primeira vez que se apresentava em algumas cidades do país e, a cada noite, era uma emoção maior que a outra. Ele, várias vezes, chorou depois dos shows.” Sobre o período no qual o cantor enfrentou o TOC, a reclusão e a dor da perda de Maria Rita, ela prefere não se estender muito. “Roberto nunca foi de sair muito de casa, com exceção da época que ele era casado com Myrian Rios, que adorava circular. Portanto, a doença e a consequente reclusão não mudaram muito a rotina. Só descobrimos do que se tratava, ele, inclusive, depois da morte de Maria Rita, quando ele começou a se cuidar. Roberto é muito caseiro, só abre mão de ficar em casa por poucos amigos, como foi no lançamento do livro de Boni, em novembro do ano passado. Às vezes ele vai ao [restaurante] Antiquarius ou à [pizzaria] Capricciosa, que adora. Roberto Carlos, aliás, é o maior cliente do delivery de Ipanema.”

A lealdade ao rei é, como pode se perceber, um ponto crucial na vida da assessora, o que motiva até crises de ciúmes em seus outros clientes e amigos. “Ney [Matogrosso] sempre retruca: ‘Você pode até gostar de mim, mas ama mesmo Roberto’”, diverte-se. Mas onde começa e onde termina a vida pessoal de alguém que vive seu trabalho quase 24 horas por dia? “Fiz tudo o que podia para ser uma boa mãe para o meu filho, André, que hoje é publicitário e me enche de orgulho. Tenho certeza que deixei um legado muito importante para ele: a cultura. Vinicius [de Moraes], por exemplo, quando André nasceu, escreveu um cartão que dizia: ‘Saiba que você tem três pais, o Arthur, Deus e Vinicius’. É ou não é para se sentir especial?”, pergunta Kassu, com os olhos brilhando ao falar de sua família, principalmente das duas netas. “Atualmente, tudo o que faço é por elas. Antes de morrer, vou deixar todas as minhas memórias, as histórias mais escondidas e cabeludas, registradas em uma gravação. Aí elas decidem o que vão fazer com isso”, adianta.

Mas um aperitivo, antes do grande banquete, já está no forno: Ivone Kassu escreve um livro no qual, em cada capítulo, fala sobre as figuras com quem trabalhou e, em contrapartida, cada uma delas escreve um texto falando sobre a assessora. Uma espécie de cara a cara, que deve chegar às livrarias do país ainda este ano. “Os segredos, contudo, só depois que eu morrer!”, finaliza.

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