A atriz Leandra Leal é o espelho destes tempos: na pandemia, se dedicou às relações familiares, gravou documentário em hospital de campanha e segue lutando por um mundo melhor
Por: Nina Rahe / Fotos: Jorge Bispo / Edição de moda: Felipe Veloso / Beleza: Rafael Senna
Leandra Leal se desculpa, mas diz que precisa atender o celular. “É de Aruanas”, justifica a atriz de 38 anos, antes de explicar que interromperá a conversa para realizar um teste de Covid. “Virá uma pessoa aqui, sou testada de 72 em 72 horas”, conta, enquanto afasta a gata que insiste em participar da videochamada e encobre, mais de uma vez, o rosto de Leandra com seu rabo de penugem acinzentada. “O controle é rígido, mas confesso que fiquei feliz de voltar a trabalhar”, completa. Para quem ouve a fala sobre o retorno de Aruanas – série da Globo na qual a atriz interpreta a ativista ambiental e que, por conta da pandemia, teve suas filmagens interrompidas – pode até parecer que as atividades pararam. Mas a verdade é que, no isolamento ao lado da família, a atriz fez do trabalho seu porto seguro.
No início do ano passado, tão logo o distanciamento social se impôs, Leandra viu a oportunidade de atuar com a mãe, Ângela Leal,com quem nunca tinha realizado um projeto de maior fôlego. Isoladas em uma casa no interior do Rio, elas adaptaram a peça Esperando Godot, de Samuel Beckett. “São duas mulheres, de gerações diferentes, que são mãe e filha, e que têm um sentimento de entrega radical com o fazer artístico, pois eu e minha mãe somos definidas por isso”, resume Leandra. Durante as filmagens, antes de renovar o patrocínio do teatro da família, o Rival, no Rio, as duas viveram um período de incertezas em relação ao futuro do espaço e precisaram pensar, juntas, como ele sobreviveria no ambiente virtual. “Minha mãe tem um talento como produtora cultural, ela é a alma do Rival, e eu funciono mais a ajudando a viabilizar ideias”, conta. “Não possuo esse dom de liderança e foi muito sofrido descobrir isso. Acho que tenho mais para oferecer ao mundo em outros campos.”
Mas se o isolamento foi uma possibilidade de se voltar para as relações familiares – e para si mesma –, o movimento não fez com que Leandra se esquecesse dos outros (e do talento que tem, como atriz e diretora, para oferecer ao mundo). No documentário Por Trás da Máscara, ela registrou os últimos 21 dias do hospital de campanha da Lagoa, no Rio. “Saí da investigação sobre a maternidade, o lugar de mulheres artistas, e fui diretamente para o lugar onde estava sendo travada a batalha”, explica. A experiência, com lançamento previsto para este ano, também influenciou a atriz em sua decisão de deixar de fumar. “Depois de ter ficado quase um mês em um ‘covidário’, você entende que ser fumante é uma comorbidade que escolhe. Foi um processo superdifícil parar, mas estou conseguindo”, conta, sem conter a indignação com a situação atual. “A gente tem um governo que escolheu passar esse período da pior maneira possível, negando a ciência, o conhecimento técnico e não pensando na vida das pessoas.”
Sempre engajada, Leandra não se abstém de abordar temas que lhe são caros, como as causas dos movimentos feminista e LGBTQIA+, mas assume outro tom quando o assunto é sua vida pessoal, sobre a qual procura manter discrição. Da relação com a filha Júlia, de 6 anos, durante muito tempo ela pouco falou, mas isso vem mudando cada dia mais – o processo de adoção com o então companheiro Alê Youssef foi concluído em 2018. “É muito importante que essa maternidade se normalize e seja vista com menos preconceito”, explica a atriz, que nesse tempo descobriu que as pessoas podem ser “extremamente preconceituosas e inconvenientes”, tanto que se cansou de ser questionada sobre quando teria o seu. “Tenho pensado muito nisso, mas não quero transformar minha filha numa bandeira, então tomo cuidado”, Leandra continua, sem descartar a ideia de ampliar a família com mais filhos adotivos – e biológicos também. “Sou filha única, gosto dessa ideia de ter uma família grande.
Na pandemia, inclusive, ela resolveu trocar alianças e oficializar o casamento com o fotógrafo baiano Guilherme Burgos. “As pessoas celebram durante guerras, a gente tem essa pulsação de vida e acho que celebrar o amor entre duas pessoas é algo que sempre pode ser feito.” A atriz ainda mantém a vontade de realizar uma cerimônia pós-pandemia, mas enquanto o desejo não se concretiza, vem se dedicando a uma série de atividades para manter a sanidade diante do cenário atual. Começou a nadar no mar, alugou uma bicicleta de spinning, além de estar “fazendo ioga à beça”, dedicando-se cerca de duas horas diárias aos exercícios. Em paralelo a tudo isso, voltou a tricotar, algo que aprendeu com sua avó e havia deixado de lado há mais de 20 anos. “Adoro trabalhos manuais, me acalmam”, explica, contando que a manta que começou a fazer na pandemia deveria ser pequena, mas não para de crescer, assim como tudo a que a atriz se dedica.