João Santana enfrenta prova de fogo: melhorar a imagem de Dilma

 

Homem de confiança de Dilma Rousseff, João Santana é dono de personalidade polêmica  || Crédito| FolhaPress

Por Bruna Narcizo, da Revista PODER

Um dos primeiros trunfos que o marqueteiro João Santana utilizou, ainda na juventude, mostrava que ele já carregava o que seria sua marca registrada profissional: ser um ótimo estrategista. Foi com os versos “Índia seus cabelos nos ombros caídos”, sucesso nas vozes da dupla Cascatinha & Inhana na década de 1950 e regravado depois por vários artistas, que Santana evitou que um delegado de sua cidade acabasse com uma festa organizada por ele e seus amigos. A tal canção era a preferida do policial e Santana, sabendo disso, pediu aos amigos que a tocassem no violão assim que percebeu a aproximação do oficial. Ao ouvir os primeiros acordes, o delegado ficou emocionado e não só se juntou à molecada como também cantou o refrão. Ao fim, pediu para o pessoal maneirar no volume e saiu, desejando boa-noite. Apesar de antiga, a história, que está no livro João Santana – Um Marqueteiro no Poder (Ed. Record), do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, mostra a rapidez de raciocínio e a astúcia daquele que se tornaria um dos principais marqueteiros do país.

Amostras da capacidade de contornar situações aparentemente incontornáveis é que não faltam na trajetória profissional de Santana. Com a proximidade do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, por exemplo, quando ele ainda orquestrava os momentos finais do duelo PT x PSDB em uma das mais difíceis campanhas eleitorais de sua carreira, Dilma Rousseff e Aécio Neves não paravam de trocar ofensas e acusações no limite do aceitável. A situação chegou a tal ponto que os dois partidos se viram obrigados a baixar o tom, principalmente depois que Antonio Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse à imprensa que considerava os programas das campanhas de baixíssimo nível. “Havia cerca de 30 processos de cada lado. Então, com medo de ver suas peças publicitárias embargadas, os partidos propuseram uma trégua”, conta um advogado que trabalhava para um dos candidatos.

Assim que o acordo conciliatório entrou em pauta, Santana foi o primeiro consultado – e o aceitou na hora. Segundo o mesmo advogado, na reta final, qualquer segundo é valioso, e perder tempo de propaganda é o pior que pode acontecer.  O marqueteiro ainda tinha várias cartas na manga, mas, astuto como ele só, preferiu não arriscar. Afinal, apesar de ter começado a campanha de Dilma com a certeza de vitória no primeiro turno, ele enfrentou um verdadeiro tsunami eleitoral com a reviravolta causada pela morte do candidato à Presidência pelo PSB Eduardo Campos, em 13 de agosto do ano passado. “Antes da morte de Campos, o cenário realmente era mais favorável. O João imaginava que os votos de oposição ao governo se dividiriam entre Aécio e Eduardo e que Dilma conseguiria a maioria”, justifica um marqueteiro político. Agora, a habilidade de Santana em administrar crises está sendo posta à prova de novo,  já que a presidente Dilma Rousseff enfrenta o mais alto índice de rejeição desde o início de seu governo em 2011. Segundo a pesquisa CNI-Ibope, que analisa trimestralmente a opinião pública sobre a administração federal,  a má avaliação do governo Dilma disparou mês passado e chegou a 64%. Procurado pela reportagem, Santana chegou a pedir o envio prévio das perguntas por e-mail, mas não mandou as respostas de volta.

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NINHO DE TUCANOS

Parece ironia do destino, mas o fato é que o principal marqueteiro do PT e homem de confiança da presidente é natural da cidade de Tucano, no nordeste da Bahia. João Cerqueira de Santana Filho, de 62 anos, faz o estilo ame-o ou deixe-o. Sério, exigente, arrogante, genial, competente, centralizador, fechado, estrategista… são características que podem ser atribuídas a ele. Figura folclórica na política nacional, ele ganhou status e reconhecimento quando passou a trabalhar ao lado do publicitário Duda Mendonça, seu conterrâneo e outro marqueteiro de renome. “O João veio trabalhar com a gente no fim da década de 1990 e fez a campanha de Garibaldi Alves, no Rio Grande do Norte, e depois a de Antonio Britto, no Rio Grande do Sul”, lembra Zilmar Fernandes, sócia de Mendonça até 2005.

Mas a relação com o publicitário baiano já existia há tempos, desde o fim da década de 1980, quando Santana foi secretário de Comunicação de Mário Kertész na prefeitura de Salvador e a agência de Mendonça prestava serviços para o governo municipal. Santana, que começara a carreira como jornalista, ainda voltou às redações e conquistou um Prêmio Esso com a matéria “Testemunha-chave” na revista IstoÉ. Publicada em julho de  1992, a reportagem trazia uma entrevista exclusiva com o motorista Eriberto França, que comprovou que Paulo Cesar Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello, pagava as despesas particulares do então presidente. A informação foi crucial para o processo de impeachment de Collor, dois meses depois.

De volta ao marketing político, depois da campanha de Britto para o governo do Rio Grande do Sul, Santana passou o ano de 1999 em Buenos Aires, na Argentina, trabalhando com Eduardo Duhalde – que não foi eleito na ocasião, mas acabou se tornando presidente dois anos depois com a queda de Fernando De La Rúa, o vencedor, que renunciou, em 2001, após um levante popular contra a grave crise econômica que havia se instalado no país.

PARA O ALTO E AVANTE

“João Santana é alguém sem igual no mercado. Ele alia invejável capacidade criativa, boa leitura política e competência como publicitário”, Flávio Caetano, coordenador jurídico das campanhas de Dilma Rousseff

Com personalidades que se completavam, Santana e Mendonça – o estrategista e o criativo –, se tornaram sócios e viraram uma máquina de fazer boas campanhas. Até que, em 2001, o PT encomendou um diagnóstico para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva no ano seguinte. A sugestão partiu de Ricardo Kotscho, jornalista e amigo do ex-presidente. Algumas pessoas do PT ainda preferiam que o marqueteiro fosse Paulo de Tarso, que havia comandado as campanhas de 1989 e 1994. Mas Lula queria mudar. “Lula chamou Duda para jantar e lá isso ficou mais ou menos acertado”, diz Zilmar, sócia do publicitário na ocasião. A agência realizou o diagnóstico e, em maio de 2001, fez a primeira apresentação. Dias depois, porém, Santana avisou que queria sair da sociedade. “Eles sempre foram muito diferentes e batiam de frente vez ou outra. Depois de tantos anos, a relação já estava desgastada”, comenta um amigo. A notícia caiu como uma bomba. Para Mendonça era como perder o braço direito. Na época, a história oficial era que Santana tinha se sentido desprestigiado por não ter sido creditado em algumas histórias de campanha que Mendonça contou no livro Casos & Coisas (Ed. Globo), escrito em 2001. “Foi uma excelente desculpa para o rompimento dos dois, mas a verdade é que eles nunca se deram bem”, revela outro marqueteiro.

Ainda tentando se recuperar do baque, Mendonça foi procurar Lula para contar sobre a baixa que acabara de sofrer na equipe e perguntar se o então candidato iria continuar com ele assim mesmo. “Era Duda que Lula queria. Por isso, perder o João não teve impacto algum”, conta Zilmar. Tudo andou às mil maravilhas até que, em 2005, estourou o escândalo do mensalão. Duda Mendonça foi um dos indiciados pela Polícia Federal e resolveu contar sobre os R$ 10 milhões recebidos como forma de pagamento pelos serviços prestados ao PT e depositados em uma conta bancária nas Bahamas. “Isso deixou Lula muito chateado e eles cortaram relações”, afirma um amigo dos dois. Foi aí que Antonio Palocci – nome forte no partido e para quem Santana já havia trabalhado em uma campanha para a prefeitura de Ribeirão Preto na década de 1990 – levantou o nome do marqueteiro. “No dia 7 de setembro de 2005, Lula foi escrever o primeiro discurso depois que o escândalo estourou. Foi aí que João se aproximou, ajudando na redação do texto. Com isso, acabou sendo escolhido”, afirma um marqueteiro presente na ocasião. Além de ótimo redator, Santana também é conhecido por ser um excelente compositor de jingles.

Depois de uma bem-sucedida campanha em 2006, Santana passou a colher os frutos de seu trabalho. Foi nessa época também que, segundo amigos, começou o deslumbramento. “Ele passou a apreciar vinhos caros e a usar termos técnicos para descrever as bebidas. Chegou a dizer que já não se sentia mais como turista acidental em Paris ou Nova York”, cutuca um conhecido.

BATALHA NAVAL

Depois de Lula, Santana conquistou a confiança na alta cúpula do Partido dos Trabalhadores. A fama de fazer o tipo “yes man”, que dança conforme a música e agrada quem está no poder certamente contribuiu para isso. E foi graças à chancela do ex-presidente que Santana começou a galgar espaço em eleições presidenciais na América Latina. A primeira foi a de Mauricio Funes, em El Salvador, em 2009. “Lula chegou a ligar para o banqueiro mexicano Ricardo Salinas a fim de arrecadar dinheiro”, diz um marqueteiro experiente em campanhas no exterior. Em 2012, Santana ainda elegeu os presidentes Danilo Medina, na República Dominicana, José Eduardo dos Santos, em Angola, e Nicolás Maduro, na Venezuela. Somadas às duas vitórias de Dilma Rousseff, tornou-se o marqueteiro que mais ganhou campanhas presidenciais no mundo. “João Santana é alguém sem igual no mercado. Ele alia invejável capacidade criativa, boa leitura política e competência como publicitário. Além disso, é muito disciplinado no processo de criação e se baseia na análise de dados”, pontua Flávio Caetano, coordenador jurídico das duas campanhas de Dilma.

Por outro lado, Santana também traz em seu currículo derrotas emblemáticas e erros crassos. “Ele perdeu a eleição de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, em 2008,  quando fez insinuações sobre a orientação sexual de (Gilberto) Kassab”, diz o responsável pela campanha de um dos candidatos da oposição em 2014. “Ele mais perdeu do que ganhou”, completa o mesmo marqueteiro. O que só reforça a ideia corrente de que João Santana é muito bom para ganhar campanhas com muito dinheiro e em que o candidato é o favorito ou o de situação – comentário feito por mais de um dos entrevistados ouvidos nesta reportagem.

MAQUIAVEL E CONSELHEIRO-MOR

Muitos também atribuem a Santana a declaração de que “feio é perder”. Segundo conhecidos, tal afirmativa é usada por ele para justificar atos desesperados de algumas peças publicitárias e estratégias de campanha mais agressivas. Mesmo polêmico, ele conquistou a confiança irrestrita de Dilma Rousseff. É uma das pessoas que a presidente mais escuta no dia a dia e tem papel fundamental na redação de seus discursos. “Durante a última campanha, tive a oportunidade de ver os dois juntos em mais de uma ocasião. É incrível a maneira como se comunicam, muitas vezes só com o olhar. Certamente, ele foi o grande maestro da performance de Dilma durante os debates”, argumenta o marqueteiro que atuou em uma das campanhas de oposição. As pessoas costumam dizer que os dois são extremamente parecidos, da arrogância à dureza no trato com as pessoas. E é exatamente esse o calcanhar de Aquiles da comunicação oficial do governo atual. “Os erros cometidos têm mais a ver com a postura da presidente em relação a João. Na época de Lula, ele dava os mesmos conselhos, mas Lula não acatava todos como verdade absoluta”, avalia um importante advogado ligado ao PT. Essa é uma das questões que mais desagradam os petistas: apesar de não ser ligado ao partido ou alinhado aos enfrentamentos que a esquerda quer promover, Santana é quem dita as regras da comunicação “apolítica” do governo. Paulo Teixeira, deputado federal do PT de São Paulo, discorda: “O João Santana é um dos mais competentes comunicadores, detém um conhecimento sobre pesquisas e estatísticas fora do comum e sua empresa cuida muito bem da comunicação oficial. Mas não é o principal conselheiro de Dilma, esse na verdade se chama Luiz Inácio Lula da Silva”, esclarece, aproveitando para negar o clima de guerra entre os dois mandatários petistas alardeado diariamente na imprensa brasileira – e admitido até por muitos aliados. Sobre o PT de São Paulo, conta-se que na reta final da campanha que elegeu Fernando Haddad prefeito da cidade em 2012, Santana insistia em falar com todos, enquanto a cúpula do partido queria focar na periferia. A uma semana da eleição, com Celso Russomanno na frente nas pesquisas, a ala política venceu: a comunicação voltada aos pobres foi o diferencial que levou Haddad ao segundo turno com José Serra.

DUELO DE TITÃS

Foi durante a campanha de reeleição no ano passado que Santana e o jornalista Franklin Martins, que também trabalhava na equipe, travaram os mais duros embates. É sabido que Santana preferia disputar o segundo turno com Marina Silva, enquanto Martins achava que seria mais fácil se o adversário fosse Aécio Neves. Santana usava três argumentos para defender sua ideia: Marina vinha em uma curva descendente, dados mostravam que a maioria do eleitorado não acreditava que ela poderia governar o país e, por fim, ela não possuía liderança organizada nos estados. Procurado por PODER para comentar o assunto, Franklin Martins declarou não ter nenhuma “contribuição jornalística” a fazer. Duda Mendonça alegou a amizade antiga para não se pronunciar. Vale lembrar, porém, que Marcelo Kertész, filho de Mário, ex-prefeito de Salvador, é o atual sócio de Santana – e é também genro de Mendonça, com quem nunca teve bom relacionamento.   n

A TEIA 

Vem de El Salvador o primeiro escândalo envolvendo o nome de Santana. Em 2009, apenas um mês depois que Mauricio Funes foi eleito, o marqueteiro abriu a Polistepeque, empresa que passou a ser responsável por boa parte da propaganda oficial do país. Cerca de um ano depois, a imprensa local começou a publicar reportagens sobre o monopólio de Santana na propaganda oficial do governo. Tratado por lá como escândalo, o assunto não ganhou status de polêmica por aqui. Tanto que a produtora de Mônica Moura, sétima mulher de Santana, cuida das gravações dos pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff. Além da Polistepeque, em El Salvador, e da Polis Propaganda e Marketing, no Brasil, Santana também abriu a Polis Argentina, Polis América, no Panamá, e a Polis Caribe, na República Dominicana.

 

 

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