O sexting, que se tornou a única alternativa para muitos solteiros nesta quarentena, tem servido para aplacar a solidão, aprofundar o autoconhecimento e despertar novos sentidos
por Denise Meira do Amaral para revista Joyce Pascowitch
Vestindo apenas uma lingerie preta de renda e uma correntinha dourada no pescoço, Carolina Costa, de 36 anos, começa um ritual que vem se tornando cada vez mais frequente na vida da engenheira paulistana, que vive hoje na Alemanha. À meia-luz e com o celular apoiado em um suporte na cabeceira, ela solta o sutiã e aperta os seios com as mãos, em uma performance que é assistida em tempo real por seu crush paulista, a quase 10 mil quilômetros de distância. Os dois se conheceram pelo Instagram naquela sequência conhecida de curtição de fotos e papinho nos Stories até engatar uma conversa mais intensa via Direct.
“Já tinha feito sexo virtual alguma vezes, mas acontecia mais quando estava com insônia, conversando com algum contatinho. Na pandemia, como não tive alternativa, comecei a praticar”, diz Carolina. Isolada no período da quarentena europeia e fazendo home office, o meio virtual se tornou o único cenário possível para o sexo. “A parte chata é a técnica. Às vezes, estou no clima, mas preciso ajustar a luz ou fazer testes para checar se estou no meu melhor ângulo”, confessa.
Na opinião da psicóloga e sexóloga Ana Canosa, as formas com que nos relacionamos precisaram se reinventar durante o isolamento. “O sexting, que consiste na troca de mensagens picantes pelo WhatsApp, o envio de nudes e as orgias pelo Zoom acabaram se tornando uma maneira de o ser humano resolver suas limitações. As práticas já faziam parte do mundo, mas foram se intensificado na pandemia”, diz.
No caso da publicitária Maria Clara*, de 33 anos, foguinho e gotinhas d’água na lista de emojis preferidos no WhatsApp simbolizam bem este período. “Funciona assim: você conversa com a pessoa e, se curtir minimamente, faz [sexo virtual]. Começa com uns nudes, engata a primeira foto e vai”, resume. Ela conheceu a maioria dos seus affairs no aplicativo OkCupid, que conecta os candidatos de acordo com estilo de vida, gostos e espectros políticos – a seleção inclui até a pergunta “Bolsonaro sim ou não?”. “Diria que é o meio do caminho entre se masturbar sozinha e trepar com alguém na vida real”, explica. Ela toma o cuidado de não mostrar o rosto nas trocas de vídeos e imagens, mas não esconde as diversas tatuagens espalhadas pelo corpo. “Não tenho vergonha de nada. Quem compartilha é que deve ter.” Os conteúdos prediletos enviados por ela são fotografias dos seios e vídeos em que se masturba, além de áudios gemendo: “Nossa, isso funciona muito, mas já os caras não têm muita criatividade”, ela diz. E confessa que, no mundo virtual, sente-se bem mais à vontade para falar o que presencialmente não teria coragem. “Não sei ser vulgar transando com alguém na vida real.”
A vantagem das relações on-line, segundo a psicóloga Ana Canosa, é poder escolher como se mostrar para o mundo, já que o sexo presencial envolve certo medo do julgamento do outro. Para ela, o fenômeno do slow love, que é a chegada do amor mais tardiamente, faz com que os jovens tenham relacionamentos com menos profundidade no decorrer da vida. “Claro que as pessoas que gostam de envolvimento vão sentir muita falta, mas outras não”, explica.
De acordo com enquete realizada em maio deste ano dentro do aplicativo Happn, 31% dos usuários brasileiros praticaram sexting durante a quarentena – deste total, 16% enviaram mensagens eróticas, 10% compartilharam fotos e 5% trocaram vídeos. A série Emily em Paris, com estreia prevista para este mês na Netflix, promete apimentar ainda mais esse universo. A trama, do mesmo criador de Sex and the City, narra as peripécias sexuais contemporâneas a partir da personagem interpretada por Lily Collins, filha do cantor Phil Collins.
A educadora sexual Gaia Qav, de 38 anos, criadora do perfil Meu Clitóris, Minhas Regras no Instagram (@meuclitorisminhasregras), acredita que o contato virtual traz à tona a forma como você se olha e aceita o seu corpo. “Quando a gente transa presencialmente, não está se vendo, mas sim a outra pessoa. Já no sexo virtual é preciso se confrontar. E como é que você se enxerga? Está gostando do que vê ou escolhe o melhor ângulo e coloca um filtro?”, questiona. Com mais de 120 mil seguidores, Gaia já está na 10ª edição de seu curso on-line de masturbação para mulheres e homens trans. O maior problema, para ela, ainda é a falta de conhecimento próprio. “A grande maioria nunca olhou suas partes íntimas no espelho. A referência que as mulheres têm ainda é a dos filmes pornôs, com vulvas perfeitas, sem pelos encravados e manchas, corrigidas com edição”, diz. Ela ainda lembra que desde pequenas somos proibidas de nos tocar: “Já reparou como chamam nossa vagina? De aranha, perereca, sempre algum animal nojento”. O primeiro exercício proposto nas suas aulas é que os participantes olhem no espelho e teçam cinco elogios a si mesmos. “Muitos não conseguem, mas se você não pode se olhar e lacrar que é foda, como vai aceitar seu corpo e entender que merece sentir um orgasmo?”, pergunta a educadora. A tarefa seguinte é abrir as pernas, também na frente de um espelho, e examinar tudo, identificando cada parte e experimentando o toque sem pudores. Gaia tem uma companheira há mais de dois anos que mora perto de sua casa, em São Paulo, mas elas só se viram presencialmente duas vezes desde o início da quarentena, em março. “Moro sozinha, mas minha namorada tem dois filhos, então, esperamos alguns meses para ver como a situação ia ficar. São muitas fotos, áudios, vídeos e telefonemas, tudo o que a tecnologia proporciona. É uma forma diferente de despertar os sentidos.”
Os encontros virtuais também foram a maneira que a carioca Bruna Lanza, de 22 anos, encontrou para manter seu relacionamento ativo. Estudante de cinema e estagiária de um canal de televisão, ela conheceu seu novo namorado no Carnaval, pouco antes da pandemia se alastrar pelo país. “A irmã dele não queria de jeito nenhum que ninguém entrasse nem saísse de casa, então ficamos um tempão sem nos ver”, conta. O jeito foi intensificar o costume que os dois já tinham de trocar nudes e mensagens picantes, principalmente pelo Direct do Instagram. “Ao vivo, não sou de falar putarias, mas, virtualmente, falo bastante. O legal é que posso assumir um novo papel.” No seu caso, o hábito de se filmar e se ver nas fotografias elevou a autoestima: “A gente não tem o costume de se olhar e, com as imagens e vídeos, acabei me sentindo mais sexy”.
Algo parecido aconteceu com o pesquisador de tendências João Pacca, de 36 anos, que consegue agora expor sua “persona erótica de dentro do quarto e sem correr riscos”. Para ele, que está isolado e trabalhando de casa, o sexo virtual, que antes era coadjuvante, ocupou o protagonismo nesse filme que se chama 2020. As chamadas em vídeo, também, permitiram uma interação em outra camada da realidade, articulando novas representações e fetiches. Ele pondera, no entanto, que os grandes desejos são construídos com a intimidade, o que leva tempo. “Na internet, sinto que os encontros são orgásticos, rápidos e pequenos, mas não sei se estou tendo algum preconceito.”
Para evitar a superficialidade que às vezes parece regra nas redes sociais, o fotógrafo e artista Thiago Castro, de 31 anos, faz questão de ir além do sexo. “Tento mostrar preocupação pela pessoa que está por trás da tela, porque não quero seguir com a normatividade de ‘gozou, acabou o interesse’. Nunca gostei disso nem presencialmente”, explica. Após a separação da mãe de seu filho pequeno, ele ingressou no Tinder para encontrar mulheres fora de sua bolha. “Conheci uma pessoa que despertou um desejo diferente do que estava acostumado – que era basicamente troca de imagens de órgãos sexuais –, e começamos a construir narrativas com a escrita e com a imagem, quase como uma obra de arte”, compara. Thiago também aproveita seu conhecimento artístico para criar, nas fotografias e nos vídeos que compartilha, composições repletas de poesia que brincam, inclusive, com os jogos de luz e sombra. O sexo, assim, passou a ser muito mais prazeroso.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada