Rei do bang-bang italiano, o ator Celso Faria morreu na segunda-feira no Rio de Janeiro. A causa da morte foi um enfisema pulmonar e o corpo foi cremado nessa terça. Apesar de ser paulistano, Celso conquistou a fama no cinema italiano onde participou de diversos filmes de faroeste, ou “western spaghetti”, sob o pseudônimo de Tony Andrews. De volta ao Brasil, ele participou da era das pornochanchadas. Confira abaixo uma das últimas entrevistas do ator concedida à 82ª edição da revista J.P, em maio de 2013.
Bang-Bang à brasileira
Por Renato Fernandes
No início da década de 60, a indústria cinematográfica italiana resolveu investir em um gênero bastante consagrado mundialmente: o faroeste. Estúdios como os da Cinecittà apostaram firme nos filmes que ficaram popularmente conhecidos como western spaghetti ou bang-bang à italiana. Neles, atuavam atores como Giuliano Gemma, Franco Nero e até Clint Eastwood, importado da América. Foram, porém, os brasileiros que mais fizeram filmes desse estilo. O paulistano Celso Faria era um deles. Nascido no Jardim América, em São Paulo, em 1932, e criado num sítio na rua Estados Unidos, o menino José Celso Góes de Faria sempre gostou de se fantasiar de caubói para ir aos bailes de carnaval.
Na juventude, sua beleza e seu porte físico o levaram para os filmes da Vera Cruz. O cinema sempre foi sua meta, apesar de ter atuado como corretor de imóveis e colunista social noturno. Rodava pelas ruas de São Paulo com um Jaguar cinza, quatro portas, cobrindo eventos. Mas com a escassez de trabalho no cinema brasileiro, se mandou para Itália. Por lá, destruiu corações, foi galã de fotonovelas – as famosas fumetti –, teve programas na RAI e participou de mais de 15 produções de bang-bang. Hoje, aos 81 anos, vive em Maricá, 60 km do Rio. J.P foi até ele. A seguir, os melhores momentos do nosso papo.
J.P: Como o senhor foi parar na Itália?
Celso Faria: Depois da participação de Norma Bengell em O Pagador de Promessas, que ganhou a Palma de Ouro, ela foi para lá e fez filmes importantes, como Mafioso, em 1962. Resolvi escrever para ela, que me respondeu que era muito difícil, mas não impossível entrar para o cinema italiano. Sempre fui ousado, não tive dúvidas, fui.
J.P: E como foi esse recomeço de carreira?
Celso Faria: Foi difícil. Quando cheguei, tinha algum dinheiro, então resolvi ficar em Roma, num hotel caro, o Hotel de la Ville. Norma Bengell chegou a me apresesentar a seu agente, mas nada aconteceu. Eu ia às produtoras com minhas fotos debaixo do braço e nada. O dinheiro foi acabando e fui convidado a me retirar do hotel. Aluguei um apartamento simples, com outro brasileiro, mas nada de arrumar trabalho. Nessa época cheguei a ver a cara da fome. Acabamos sendo despejados.
J.P: E o que aconteceu?
Celso Faria: Fui morar numa pensão barata na qual vivia também a atriz brasileira Marilía Blanco [morta em 1985], que fez alguns filmes por lá. Chegamos a ter uma relação amorosa, mas broxei de tantos problemas financeiros que eu tinha na época.
J.P: E a sua carreira nessa altura?
Celso Faria: Não acontecia nada. Até que um dia resolvi tomar um café em um dos muitos da Via Veneto. Percebi uma coroa ruiva me olhando e senti que ela era rica. Ela era elegante, usava muitos anéis. Ela perguntou o que eu fazia, respondi que estava tentando a carreira no cinema, e me convidou para jantar. O porteiro da pensão me emprestou dinheiro para pegar o ônibus para jantar na residência dela, na Via Cassia Antica. Era um apartamento térreo e ela estava me esperando de négligé preto. Jantamos e fomos para a cama. Ela perguntou minha situação e eu disse: “I’m completly broken”. Ela pegou o Porsche dela, me levou para pagar a conta da pensão e me convidou para morar em seu apartamento. Ela me deu uma vida boa. Ficamos percorrendo a Itália de carro e com o tempo fui me apaixonando.
J.P: Sempre mantido por ela?
Celso Faria: Ela que me manteve, mas sempre joguei limpo. Eu tinha passagem de volta. Minha situação no Brasil era outra, tanto é que a convidei para vir para o Brasil e passar um carnaval no Rio comigo. Eu convidando, proporcionando a ela tudo o que me dava na Itália. Ela veio, mas teve de voltar. E eu fiquei para filmar com Dionísio Azevedo O Anjo Assassino, em 1967.
J.P: E depois não se viram mais?
Celso Faria: Sim, depois voltei para a Itália. Mas durou pouco, houve um episódio que não gostei. Durante um chá com as amigas, ela disse que eu vivia à custa dela. Sempre fui bem transparente, nunca fui cafetão. Dizia que se ela não quisesse que eu ficasse, iria embora. Depois desse episódio, fui mesmo.
J.P: E foi morar onde?
Celso Faria: Com uma puta que encontrei na Via Veneto também. Graças a Via Veneto encontrei tudo. Da madame à puta.
J.P: E qual a diferença entre a madame e a puta?
Celso Faria: Essa mulher me deu sorte. Começaram a surgir fotonovelas para mim e comecei a ganhar dinheiro. Tanto que aluguei um bom apartamento na Piazza del Popolo.
J.P: E o cinema?
Celso Faria: Comecei a ir atrás novamente, fui nas produtoras de western cowboy. Foi quando conheci o diretor e produtor Vincenzo Musolino, que me convidou para meu primeiro filme na Itália, Django Não Espera… Mata, de 1967. Foi aí que comecei a filmar os bang-bangs. E continuei nas fotonovelas que eram publicada na Grande Hotel e Sonho.
J.P: Você fez um filme com Klaus Kinski, ator famoso por ter um gênio forte. Teve trabalho ao contracenar com ele?
Celso Faria: Fizemos juntos Sono Sartana, il Vostro Becchino, em 1969, rodado na Cinecittà. Ele tinha essa fama de dar trabalho, mas comigo foi tudo bem, ficou manso.
J.P: Você filmou e contracenou com várias musas do cinema italiano, como Femi Benussi, em Quintana (1969). Chegaram a ter algum caso?
Celso Faria: Não, ela era um mulher belíssima e até se insinuou, mas eu estava exausto das filmagens. Não tinha como.
J.P: E a atriz Florinda Bolkan?
Celso Faria: Fomos vizinhos de camarim em Cinecittà. Lá eram vários prédios, um só de camarim. Florinda estava em um filme e não tive dúvidas: vestido de caubói bati na porta dela e pedi se era possível ela me apresentar a sua amiga, Condessa, que produzia muitos filmes. Ela chegou a marcar um encontro nosso, mas não rolou nada.
J.P: E Pier Angeli?
Celso Faria: O caso da Pier Angeli é triste, foi uma atriz de renome internacional. Foi para a América, fez filmes lá e voltou para a Itália para acabar em filmes B. Ela era muito famosa e, um dia nos estúdios, a vi me olhando. Estávamos em produções diferentes e eu a convidei para tomar uma banho de mar. Armei com um paparazzo amigo de fotografar o nosso encontro – para mim era importante, ela era famosíssima. Por coincidência, estávamos no mesmo hotel e ela me convidou para subir no apartamento dela para colocar o maiô. Não me esqueço, ela pediu champanhe com laranja. Ficamos nus, mas, sinceramente, o porre foi tanto que não me lembro de nada.
J.P: E depois?
Celso Faria: Lembro bem dela na janela do hotel berrando: “Eu sou Pier Angeli, fiz filmes com Kirk Douglas, Paul Newman e agora estou aqui em Livorno”. Aquilo me chocou, pensei que podia não acabar bem. De volta a Roma, liguei para ela diversas vezes e nada. Até que um dia abro o jornal e está na capa: Pier Angeli morreu em Los Angeles de overdoose de barbitúricos. Em 1971.
J.P: E a brasileira Esmeralda Barros?
Celso Faria: Um dia bate na minha porta Esmeralda Barros dizendo: “Quero fazer cinema”. Eu disse que ela tinha um bom tipo de índia e a apresentei ao Musolino, que se apaixonou. Ele foi um grande incentivador da carreira dela lá.
J.P: Além de ator, você também tinha fama de bon vivant, é verdade?
Celso Faria: Essa é uma das principais razões de nunca ter feito novela. Não gosto de ficar preso num contrato longo. No cinema, você faz um filme e depois pode curtir a vida. Gostava da noite italiana, frequentava muito a Jackie O., na época uma das boates mais badaladas de Roma.
J.P: E drogas, você usou?
Celso Faria: Sim, mas socialmente. Foi a convite de um ator que comecei a cheirar. Sempre socialmente, nas festas, de graça, nunca como vício. Até que um dia passei mal – depois de uma noitada, cheguei em casa e começei a ter uma taquicardia. Resolvi parar.
J.P: Você não se casou por lá?
Celso Faria: Nunca, sempre fui freelancer. Fiquei com as mulheres mais lindas, mas não casei.
J.P: Qual a diferença entre filmar lá e aqui?
Celso Faria: Nenhuma, tudo igual. Quando o cinema italiano entrou em crise, acabei voltando para o Rio e ainda filmei muito.
J.P: Depois de filmar Vai Trabalhar, Vagabundo 2, em 1991, voltou à sua profisão de origem, corretor. Tem saudade do glamour e do sucesso?
Celso Faria: Estou casado há 25 anos com a mulher da minha vida, Simone. Optamos por não ter filhos. Atualmente, se me convidarem, não quero mais nada e minha saúde, tenho enfisema, não permite. Mas tenho muita saudade do passado. Vivo do passado.
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