Historiador de Yale ensina como tirar a democracia mundial do sufoco

Timothy Snyder || Créditos: Divulgação

Em seu novo livro, o historiador Timothy Snyder, de Yale, lista aprendizados importantes do século passado para tirar a democracia mundial do sufoco

Por Caroline Mendes para a Revista PODER de maio

Professor da prestigiada Universidade de Yale, o historiador norte-americano Timothy Snyder é um best-seller. Ainda sem tradução para o português, seu novo livro, “On Tyranny – Twenty Lessons from the Twentieth Century” (algo como Sobre a Tirania – Vinte Lições do Século 20) segue nas listas dos mais vendidos dos jornais New York Times e do Washington Post e alcançou o topo do ranking da Amazon. Em sua obra, Snyder aponta semelhanças entre Donald Trump e Adolf Hitler, por exemplo, e, entre outras coisas, deixa claro que, assim como os alemães que votaram no partido nazista em 1932 não imaginavam que as coisas terminariam como terminaram, os norte-americanos que apostaram no slogan “Make America Great Again” podem se arrepender da escolha que fizeram. Pinçando fatos históricos para embasar seus argumentos, fez uma “to do list” para não sucumbir a um regime totalitário.

Há quem diga que ele é sensacionalista por escrever uma obra tão panfletária. Por outro lado, é difícil fechar os olhos para a instabilidade da situação da democracia no mundo contemporâneo: dos Estados Unidos de Donald Trump à Rússia de Vladimir Putin, passando pela Inglaterra do Brexit ou mesmo pelo Brasil, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Aqui, dez lições do livro de Snyder, que traz o dobro disso, por sinal. Se a carapuça servir…

DIGA NÃO À HEGEMONIA PARTIDÁRIA
Quanto mais partidos políticos, melhor para a saúde da democracia. Para se convencer disso, basta resgatar as democracias europeias que surgiram e sucumbiram ao totalitarismo depois da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Isso só aconteceu porque partidos vitoriosos nas eleições transformaram o sistema democrático de dentro para fora, aproveitando-se de espetáculos midiáticos – na época, via rádio – e de repressões de protestos a fim de distrair a população para enfraquecer e eliminar a oposição, propondo “reformas” de todo tipo em benefício próprio. E caso o povo começasse a ser considerado oposição, a ordem era uma só: diminuir os direitos civis, cerceando a liberdade dos cidadãos. Vide o que aconteceu na Rússia.

TOME CUIDADO COM A PÓS-VERDADE
Durante a corrida eleitoral, quase 80% dos fatos citados pelo então candidato Donald Trump eram falsos – mesmo assim, muita gente não se deu conta. Trump seguiu à risca a lição de Joseph Goebbels [político nazista] de que mentiras repetidas à exaustão viram verdades. Elas criam um universo imperfeito e perigoso e, nesse contexto, começa a surgir uma fé inabalável no poder do novo líder de reverter a situação. Não é à toa que a expressão “pós-verdade” está na pauta do dia. Pós-verdade é pré-fascismo. Portanto, mantenha-se informado e atenha-se aos fatos.

NÃO OBEDEÇA CEGAMENTE
Em 1961, o psicólogo norte-americano Stanley Milgram realizou uma série de experimentos na Universidade de Yale para testar até que ponto vai a obediência à autoridade: em um deles, pediu a seus alunos para dar eletrochoques em voluntários reunidos em uma sala com paredes de vidro. Tudo foi previamente combinado com “os eletrocutados”: os choques não eram de verdade, eles apenas fingiam dor e até desfalecimento. Sim, Milgram instruiu os alunos a não interromper os choques, mesmo que isso levasse alguém a perder os sentidos, correndo risco de morte – e houve quem obedecesse. A conclusão é que seres humanos podem reagir de forma surpreendentemente servil a novas organizações de poder e, principalmente, a novas autoridades, especialmente se elas forem eloquentes, persuasivas e apresentarem “motivos convincentes” para seus argumentos, o que não quer dizer que sejam necessariamente justas e honestas.

USE SEU CORPO (POLÍTICO)
O sucesso de qualquer manipulação é diretamente proporcional a quanto o sujeito se deixa manipular. É necessário se manifestar, contestar, protestar, envolver-se, fazer uso do corpo político até nas pequenas decisões do dia a dia. Cuidado ao usar símbolos – eles podem vir a ser a suástica do futuro.

SEJA PATRIOTA, NÃO NACIONALISTA
Um nacionalista encoraja seu povo a ser sua pior versão ao fazê-lo acreditar em sua supremacia. Um patriota, por sua vez, se preocupa com o lugar que seu país ocupa no mundo e julga a própria nação, reconhecendo erros e acertos. Um nacionalista é aquele que diz “isso nunca vai acontecer no meu país”, seja lá o mal que for. O patriota admite que pode acontecer e que vai impedir, caso isso venha a ocorrer.

NUNCA ABANDONE A ÉTICA PROFISSIONAL
Quando líderes políticos dão mau exemplo no exercício de sua profissão, exercer nossas próprias profissões de maneira comprometida com a ética se torna ainda mais importante. Durante o Terceiro Reich – e, para citar uma realidade mais familiar a nós, a ditadura militar de 1964 a 1985 –, se advogados tivessem seguido a lei de não condenação (e execução) sem julgamento, se médicos tivessem seguido a máxima de salvar vidas em vez de ajudar a eliminar muitas delas, se burocratas tivessem se recusado a lidar com papelada falsificada etc., esses e outros regimes totalitários teriam sido muito mais difíceis para seus líderes.

AFASTE-SE DA UNANIMIDADE
Esforce-se para desligar a TV, desconectar-se da internet e de grupos de WhatsApp – poucas coisas são tão perigosas quanto o senso comum. A própria literatura do século 20 dá suas lições: em 1984, de George Orwell, livros são banidos e a televisão é uma via de mão dupla, permitindo que o governo monitore os cidadãos. Quando repetimos o que ouvimos e lemos, aceitamos a ausência de uma estrutura mais elaborada de linguagem. Para criar essa estrutura, é preciso acumular conceitos e para isso é preciso ler. Muito!

APOIE BOAS CAUSAS
Quando tudo parecer perdido e bater aquele sentimento de impotência, lembre-se de que há sempre algo bom a ser feito. ONGs assustam governam autoritários, tanto que os fascistas criaram o chamado “sistema corporativista”, em que toda atividade humanitária, por assim dizer, tinha lugar certo para acontecer e sob a supervisão do Estado. Apoie iniciativas em que você acredita, faça trabalhos voluntários. O amor é revolucionário.

MANTENHA A CALMA QUANDO O IMPENSÁVEL CHEGAR
Tirania moderna é manutenção do sentimento de terror – vide os Estados Unidos. Se e quando ataques terroristas acontecerem, lembre-se de que governos autoritários exploram esses eventos para consolidar e fortalecer seu poder. Então, mantenha a calma. Não saia dizendo sim para qualquer medida contra “o inimigo”, seja ele qual for.

APRENDA COM O MUNDO
Não é só aqui que as coisas estão complicadas. Os EUA têm Trump, a Rússia, Putin, a Inglaterra, o Brexit etc. Nenhuma nação encontra soluções sozinha. Durante a corrida eleitoral do ano passado nos Estados Unidos, por exemplo, os ucranianos perceberam antes dos próprios norte-americanos que uma rede de notícias falsas estava se formando, isso porque já passaram por isso com seus governos e mídia corruptos. Então, interesse-se por outras realidades e culturas. Também não custa nada deixar o passaporte em dia.

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