‘Gilda, Lúcia e o Bode’ vai ao ar nesta sexta e terá “resista” como mensagem. À entrevista com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro

Estamos em clima de contagem regressiva para o especial de Natal da Globo, ‘Gilda, Lúcia e o Bode’, que vai ao ar nesta noite de Natal. Criado por Jorge Furtado e produzido pela Conspiração Filmes, tem roteiro de Jorge Furtado, Fernanda Torres e Antônio Prata, direção de Pedro e Andrucha Waddington. Protagonizado por Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Joaquim Waddington, filho de Fernanda e Andrucha, tem participações especialíssimas de Arlete Salles e Fabiula Nascimento, além de Muse Maya, Kelzy Ecard, Thelmo Fernandes, Cibele Santa Cruz e Fernando Pestana no elenco.  Confira o que essas duas Fernandas têm a dizer sobre o trabalho e sobre o ano de 2020:

Fernanda Montenegro

Na sua opinião, quais as principais mensagens que o ‘Gilda, Lúcia e o Bode’ vai passar? 
Fernanda Montenegro: A mensagem é: resista. Busque aquilo que você acha justo, busque a comunhão humana, estenda a mão. Precisamos disso no mundo contemporâneo. Acho que sempre precisamos disso, no passado, no presente e no futuro. E alinhe fronteira. Acho que é isso. E é isso que a nossa história conta. Terminamos com ‘Feliz Ano Novo’, estamos juntos, apesar de, durante possivelmente os cerca de 40 minutos da história, a gente tenha lutado para chegar a isso. Mas chegamos. Essa é a mensagem do nosso trabalho, de toda a equipe.

2020 foi um ano que ‘deu bode’. Quais reflexões você acha que Gilda faria sobre o ano que passou? 
FM: Tem uma coisa muito bonita na nossa história. O bode não é ‘o’ bode. É um bode. Ele une as personagens, é através dele que tudo vai se completando dentro da história. E tem uma hora em que a Gilda fica na absoluta solidão e tem o bode com ela. O bode é o grande amigo dela. Não vamos pensar com medo, receio e desprezo desse animal tão bonito e tão fundamental para a procriação das cabras e dos cabritinhos. É um animal maravilhoso. E, na minha origem, lá dos italianos, era o grande prato do Natal e da Páscoa. Tenho uma grande ligação com o bode. E, por acaso, a minha personagem também. Ela é socorrida pelo bode. Então, ‘Feliz Bode’ para o nosso ano que vem.

Na trama, as personagens têm suas superstições de fim de ano e acreditam, em um determinado momento, que a quebra desses rituais possa ter contribuído para o ano ruim. Você tem rituais de fim de ano? 
FM: Acho que é o abraço do fim do ano. Esquecer o que houve de podre e ter esperança para o outro ano. Se abraçar, se comunicar, se olhar, sair dessa solidão que a quarentena, na qual, desgraçadamente, esse vírus nos pôs. O que eu posso desejar é que essa vacina exista e que a gente possa voltar a se reunir fisicamente, a se abraçar. É uma hora complicada em que estamos vivendo. Mas, no desejo, na mente, vamos viver isso, mesmo que seja no imaginário. Eu acho que os que estão na quarentena, que ainda estão livres dessa desgraça, tem que se abraçar em louvor aos que não estão podendo se abraçar.

Fernanda Torres

Depois de uma convivência forçada na Serra, Gilda e Lúcia encaram uma nova realidade em suas vidas. Na sua opinião, de que forma a união entre elas pode fazer diferença para encarar as adversidades do cotidiano?
Fernanda Torres: Gilda e Lúcia representam um pouco a polarização do mundo hoje em dia. Uma é a liberada e a outra é a liberal. E é muito interessante a possibilidade de convivência dessas duas crenças de vida… a Lúcia é a filha careta de uma mãe maluca. Pais malucos, filhos caretas. Pais caretas, filhos malucos. Eu acho que a grande surpresa desse episódio é propor, através do afeto, das relações familiares ou das relações de amizade uma possibilidade de existir um campo comum de interesses onde as polarizações, as radicalidades possam se encontrar, conversar e resolver seus problemas. Em ‘Amor e Sorte’, uma chamava a outra de ‘Direita Guilhotina’ e de ‘Esquerda Carnívora’. Uma demitia, mas era vegetariana. A outra era liberal, mas era louca por um paio, uma linguiça. Então, dentro dessas radicalidades e dessas polarizações, ninguém é ‘nem tanto ao mar, nem tanto à terra’. Ninguém é totalmente uma coisa só. E a Gilda e a Lúcia são isso. E a relação de afeto e amizade, a relação familiar, é o que resolve o problema delas. A gente veio de um ano em que muitas famílias racharam por questões ideológicas, pararam de conversar uns com os outros. E a Gilda e a Lúcia são um pouco isso: vamos, através do afeto, nos encontrar aí em algum campo comum de convicção, desarmar um pouco a guarda da sua trincheira ideológica e sentar à mesa para conversar, passar o Natal e desejar um Feliz Ano Novo.

2020 foi um ano que ‘deu bode’. Quais reflexões você acha que Lúcia faria sobre o ano que passou?
FT: Acho que a Lúcia estava muito feliz com o mundo como ele se encaminhava. Um mercado soberano, uma ideia de que tudo se resume à economia, aos números. Grande parte é verdade. A economia rege muito as nossas vidas. Mas eu sinto que a Lúcia estava feliz com a Bolsa de Valores acima de 100 mil pontos, com reformas passando e, de repente, veio o inimaginável, que foi essa pandemia. E ela, primeiro, se coloca do lado da empresa em que ela trabalha, é a favor de demitir as pessoas para salvar a empresa e salvar empregos. Por outro lado, é terrível, cruel essa questão. E agora, para a surpresa dela, ela é incluída na lista das demissões da Covid. Ou seja, essa pandemia, de certa forma, desestrutura o mundo que, para Lúcia, estava bem encaminhado. E ela é obrigada a viver fora da caixinha, a se reinventar e vira uma franco-atiradora do mercado financeiro alavancando operação para ver se faz o dinheiro dela render mais. Acaba perdendo, ganhando… ela está na corda bamba.

O Especial de Natal reúne três gerações da família: avó, mãe e filho. Dessa vez, com uma troca profissional ainda maior. Como você vê essa experiência?
FT: Eu sou de uma família de circo. A gente vai para o set e nem pensa mais nisso, o problema é a cena. Quando estou trabalhando com minha mãe, ela é uma colega de trabalho. E o Joaquim (Waddington) entrou numa ponta em ‘Amor e Sorte’, e ele fez uma coisa ótima, um interiorano, que compôs sutilmente um personagem e acabou que vingou. O Jorge (Furtado) e o (Antônio) Prata adoraram e falaram: ‘vamos colocar o Dimas’. Aí, o Joaquim virou para mim e disse: ‘agora eu vou ter que sustentar esse interiorano que eu fiz’. E ele fez muito bem. É engraçado ficar olhando o Joaquim interpretar. Não só o Joaquim, como também o Pedro (Waddington), meu enteado, que já está trabalhando com o Andrucha (Waddington) em ‘Sob Pressão’ e já dirige. E mesmo a própria equipe, que dessa vez só tinha atirador de elite, que é toda a equipe que trabalha no ‘Sob Pressão’. São uma família estendida minha. Tem horas que eu não vejo diferença entre minha mãe, o Joaquim, o Andrucha, o Pedro e o restante da equipe.

Na sua opinião, quais as principais mensagens que esse episódio especial de Natal vai passar? 
FT: Acho que o que o público pode esperar é, mais uma vez, a discussão entre extremos ideológicos que a vida força a chegar a um acordo comum. Mais uma vez, é um episódio que reúne comédia com drama. Esse episódio tem um roteiro com um maior número de cenas. Tem mais cenas, mais diálogos e a gente tinha uma equipe maior também para conseguir dar conta disso. Eu acho que o público pode esperar essa mistura de comédia com afeto, de comédia com drama, uma certa reflexão sobre o mundo em que a gente está, mas com humor e afeto.

Na trama do episódio, as personagens têm suas superstições de fim de ano e acreditam, em um determinado momento, que a quebra desses rituais possa ter contribuído para o ano ruim. Você tem rituais de fim de ano? 
FT: A Olga, que é feita pela Arlete Salles, é um personagem que acredita piamente nisso e tem um diálogo maravilhoso em que a Gilda (Fernanda Montenegro) diz: “Você acha sinceramente, Olga, que a porcaria da sua vida contribuiu para o destino da humanidade? Além de dedo-duro, você tem mania de grandeza. Então, essa ideia de que o que você fez mudará o destino do mundo é um pouco delírio, né?”. Acho que no fim do ano, perto do Natal, o que todo mundo sente é um certo funil. Mesmo que você se negue a lidar com o Natal, o fim do ano, o mundo força você a sentir isso. Tem o 13º salário, as cestas de Natal… para quem tem família, é difícil não reuni-la e comemorar de alguma maneira. Negar o fim do ano é uma maneira de lidar com ele. É inevitável. Não curto grandes festas. Prefiro estar afastada, num lugar de natureza, calmo. Na hora, penso coisas boas, mas não chega a ser superstição, não pulo ondinha. E, quando estou no mar, costumo fazer um barquinho de barbante. Geralmente faço um barquinho e quem quiser escreve um desejo, e a gente põe no mar. Ano passado, por exemplo, eu fiz um dos melhores barquinhos, a gente estava em Ilha Grande. Coloquei a quilha, ficou lindo. Colocamos no mar meia-noite. Ele foi, ele venceu a arrebentação, saiu da baía… e, nesse ano, veio a pandemia (risos).

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