Ex-governador de São Paulo se lança outra vez na corrida presidencial envergando valores muito paulistas: trabalho, autoridade, eficiência, assertividade, pressa e uma certa teimosia
Por Fábio Dutra e Paulo Vieira
Fotos: Roberto Setton
Ao trocar o Palácio dos Bandeirantes por seu apartamento de cerca de 100 metros quadrados na zona sul de São Paulo, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin deixa para trás a mobília pesada e o conjunto algo irregular de quadros acadêmicos e modernistas, parte de um acervo de arte de que foi íntimo.
Mas se sai do Bandeirantes, o Bandeirantes não sai de Alckmin. Inquilino mais longevo da história do palácio, onde ficou por mais de 12 anos em quatro mandatos – fora os quase sete em que ali deu expediente como vice de Mário Covas –, o ex-governador ostenta valores que se confundem com a mitologia paulista: responsabilidade, autoridade, trabalho, pujança, efici-ência, assertividade, pressa – e um orgulho quase infantil de se considerar portador de tudo isso.
O mundo de Alckmin é 100% São Paulo, mas para ter chances de vitória na eleição presidencial, pleito em que se lança pela segunda vez na vida, é provável que precise incorporar novos ativos ao portfólio. Seu governo é avaliado pelos paulistas de maneira apenas regular, um downgrade em relação à média dos últimos sete anos, e nas pesquisas patina hoje com cerca de 7% das intenções de voto, bem atrás do deputado Jair Bolsonaro. Para piorar, o campo político em que Alckmin se situa, de centro, está congestionado. É verdade que as candidaturas só serão oficializadas no começo de agosto e até lá seu principal oponente, o ex-presidente Lula, deverá ter, preso ou não, limitada sua capacidade de transferir votos.
Foi contra Lula, aliás, que Alckmin disputou o segundo turno da eleição presidencial de 2006. Criticado por esconder na propaganda política o principal nome de seu partido à época, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e lutando para apagar a imagem que lhe foi pespegada na campanha, a de privatista – ou entreguista –, Alckmin naufragou, alcançando o prodígio inédito na história eleitoral brasileira de ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.
Considerado por seu “inner circle” como detalhista, a ponto de muitas vezes “enxergar a árvore, não a floresta”, o político recebeu a PODER na sala em que sempre despachou no Bandeirantes um dia após ter seu nome referendado pela Executiva Nacional do PSDB como candidato presidencial. À reportagem repetiu os números preocupantes do desemprego para marcar posição crítica em relação ao governo Temer – que seu partido apoia – e mostrou os mesmos gráficos que vem exibindo a outros jornalistas em inaugurações de fim de mandato. Nos diagramas, compara o desempenho de São Paulo com o Brasil em vetores como taxa de homicídios e responsabilidade fiscal. Também classificou de “fake news” discrepância apontada pelo jornal Folha de S.Paulo em seu discurso sobre a universalização das redes de esgoto nas cidades paulistas. Pelo andar da carruagem, irá usar a expressão da moda muitas vezes até outubro. A PODER ainda externou o desejo de, caso eleito, fazer logo em seu primeiro ano de mandato não uma, mas três reformas estruturantes: política (“a mãe de todas as reformas”), tributária e previdenciária.
Vê-se que Alckmin tem pressa, algo que nem mesmo o voraz bandeirante Raposo Tavares, mito fundador do paulistanismo, parece ter na cena retratada pelo pintor acadêmico Theodoro Braga no gigantesco tríptico que orna a sala de despachos do governador de São Paulo. No rumoroso atentado à caravana de Lula no Paraná, o ex-governador foi excessivamente veloz ao dizer que o petista “colhia o que plantava”. Não demorou um dia para emendar o soneto, tuitando que “toda forma de violência tem que ser condenada”.
O mundo de Alckmin é feito também de certa teimosia, em que as perguntas dos jornalistas são respondidas de maneira repetitiva, como se não passassem de mote para que o candidato possa declinar seu diagnóstico certeiro para o Brasil. Às vezes refuta, ou usa o expediente de chamar de fake news informações que embasam questões embaraçosas. Foi assim no Sábado de Aleluia, quando, ao inaugurar o ramal do trem que leva ao aeroporto de Cumbica, o político negou que a obra tivesse demorado 14 anos para ficar pronta, como apontaram os jornalistas presentes à cerimônia. Veja os principais trechos da entrevista.
A hora é essa
“É um momento excepcional este que estamos vivendo, porque o PIB mundial deve crescer [em 2018] 3,9%, e o PIB dos países em desenvolvimento, de 6% a 7%. É um momento de grande liquidez internacional, e o país tem que crescer com sustentabilidade, não aquele crescimento cíclico, que você cai, cai, cai e daí dá uma subidinha.”
O legado e o diagnóstico
“A questão fiscal ainda não está resolvida, teve um déficit primário no ano passado de R$ 120 bilhões, em São Paulo tem 3 milhões de jovens na fila para aprendiz ou estagiário. O desemprego para o jovem é mais alto, então eu acho que se o país fizer as reformas, se tiver uma agenda de produtividade, de inserção internacional, dá para ter crescimento econômico sustentável. Mas há um grande risco de cairmos no populismo inconsequente. Quem paga a conta da irresponsabilidade fiscal não é o governante, é o povo, chegamos aí a mais de 12 milhões de desempregados.”
Reforma, reforma, reforma
Quem for eleito vai ter mais de 60 milhões de votos, a legitimidade é muito grande. O início de um novo governo é a hora de aprovar as medidas que demandam emendas constitucionais [que são aprovadas com três quintos da Câmara]. Pretendemos logo no início apresentar a reforma política, que é a mãe das reformas, a reforma tributária [em que vamos] transformar cinco tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) num único IVA (Imposto de Valor Agregado). Só a reforma tributária pode, em dez, 12 anos, gerar 1,5% do PIB; e [também vamos apresentar] a reforma previdenciária, para fazer justiça com o trabalhador de menor renda, que é quem, por meio dos impostos indiretos, financia os altos salários do setor público. Nosso tempo é o da mudança.”
Candidato da paz
“Queremos o apoio de toda a população, eu não vou fazer campanha contra A, B ou C, eu me inspiro no [ex-presidente] Juscelino Kubitschek quando ele dizia: ‘Percorrerei o Brasil de norte a sul pregando nas praças públicas a união nacional’. O povo está um pouco cansado de briga, quer que as coisas se resolvam, quer que o país avance.”
O apoio do PSDB a Temer
“O PSDB participou do processo dentro das normas constitucionais do impeachment [de Dilma], portanto tinha responsabilidade com o governo Temer, apoiou e continuará apoiando todas as medidas de interesse do Brasil. Eu fui contrário à indicação de ministros, achei que nós deveríamos dar apoio parlamentar, hoje é comum nos temas parlamentaristas você apoiar um novo governo. Vemos de forma recorrente, na Espanha e agora na Alemanha, a dificuldade de formar gabinete. Não precisávamos indicar ministros, mas a posição do partido foi indicar, não tem problema. Acho que houve avanços, você tem um quadro melhor, a inflação reduziu, a economia começou a dar sinais de recuperação. Agora os grandes desafios vão ser feitos pelo novo governo, você precisa ter responsabilidade fiscal, tem de fazer o Brasil crescer, não é voluntarismo, é trabalho e perseverança, [precisamos] melhorar políticas públicas, segurança, saúde, educação e diminuir a desigualdade.”
A diferença de 2006
“Acho que estou mais preparado, mais amadurecido. Quando eu era estudante de medicina fui fazer o Projeto Rondon, em Goiás, e num domingo eu e meus colegas fomos visitar Cora Coralina em Goiás Velho [hoje cidade de Goiás], tomamos um café com a poetisa e, no fim, na hora de ir embora, ela falou: ‘Meninos, guardem: todos nós estamos matriculados na escola da vida, onde o professor é o tempo. O tempo ensina’. Eu estou muito mais preparado hoje do que há 12 anos, as realidades brasileiras são muito distintas, o quadro hoje é mais grave, tem déficit primário. Gostei muito daquela eleição porque eu fiz pós-graduação em Brasil, percorri o país inteiro.”
Defeitos e virtudes
“[Uma virtude é que] Eu gosto de trabalhar, para mim não é sacrifício. Defeito? Às vezes sou meio impulsivo, você sempre deve respirar duas vezes, mas tem coisas na política que irritam. Tinha dias que eu achava que o [ex-governador] Mário Covas ia enfartar aqui.”
Minas Gerais
Minas é o segundo colégio eleitoral do Brasil, e nós tivemos uma grande notícia lá, o [Antonio] Anastasia, que eu chamaria de candidato natural, um dos melhores quadros que conheci, de formação técnica e espírito público, uma figura excepcional, acabou atendendo a convocação e vai ser candidato a governador [pelo PSDB] mesmo no meio de seu mandato de senador. Acho que é uma eleição muito provável. Sobre o Aécio [Neves], ele fez o que tinha que fazer, se afastou da presidência do PSDB, vai se defender, vai decidir se vai ser candidato ou não, eu diria que ele tem um serviço prestado a Minas Gerais. Se ele quiser participar [da minha campanha], poderá participar sem nenhum problema.”
Polícia
“A OMS [Organização Mundial da Saúde] diz que acima de dez [vítimas de homicídios por 100 mil habitantes] é epidemia. Fechamos no ano passado com 8,02 e no mês de janeiro 7,0. É a menor taxa do país. Nós temos 118 mil policiais, mais que as Forças Armadas da Argentina, e numa instituição desse tamanho você pode ter desvios, você tem que ter uma corregedoria duríssima, é impressionante o número de policiais demitidos a bem do serviço público. Temos uma corregedoria rigorosa, se tem algum desvio, pune, ela é conhecida no Brasil inteiro. O caso de Barueri [em que 17 pessoas foram mortas em 2015 numa ação da PM e de guardas civis municipais] não é regra, é exceção da exceção.”
Narcos
“O grande problema hoje é o tráfico de drogas e de armas. Um dia uma senhora foi presa, ela estava grávida e deu à luz no hospital, ela não tinha antecedentes criminais, foi pega com 19 gramas de maconha e um papelote de cocaína. O que temos que fazer é combater o narcotraficante, e o contrabando também, junto com ele vem arma ou droga. O Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteira seca com os principais produtores de droga no mundo. Por isso propus uma agência unindo inteligência, polícias Federal e Rodoviária, Forças Armadas, Abin [Agência Brasileira de Inteligência] e inteligência dos estados. Vamos chamar os países vi-zinhos, o crime não tem fronteira, não é problema do Rio, é do Brasil inteiro.”
A mudança do palácio
“Mudança é por conta da Lu [Alckmin], no armário não tem mais terno, camisa, já foi tudo embora. Foi um período de trabalho duro, sem sábado, domingo ou feriado. Tem uma vantagem de morar aqui, você atravessa o corredor e está em casa, moro dentro de uma repartição pública. Mas é um período da vida, ninguém é governador, você está [governador].”
Dona Lu
“A Lu trabalha como voluntária há 39 anos, nunca foi funcionária de nada. Lá em Pindamonhangaba [quando Alckmin foi prefeito, entre 1977 e 1982], fez a Feira da Fraternidade, movimentou a área social, sempre ajudou. Ela vai ter todo o papel nesta campanha.”
Paz de cemitério
Um dos índices preferidos de Alckmin em São Paulo é o da redução da taxa de homicídios, que era de 35 por 100 mil habitantes, em 2001, e caiu para menos de um quarto disso, em 2017, segundo dados oficiais. Mas as justificativas de praxe, como o investimento em inteligência policial, o combate sem tréguas às lideranças do crime etc., não são suficientes segundo especialistas. “A explicação para a redução dos homicídios é multifatorial, mas é preciso con-siderar o PCC nisso”, diz Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência, da USP. Para o pesquisador, o PCC, principal organização criminosa do Brasil, que tem em São Paulo seu grande balcão de negócios, é também responsável por uma certa “paz de cemitério” que ajuda a manter a violência em níveis menos escandalosos. A PODER Alckmin falou que facções criminosas formadas nas prisões vêm desde pelo menos os anos 1950 e que uma maneira de tentar resolver o problema é fazer um controle rígido do tráfico de armas e de drogas nas fronteiras.