Ao mirar no gosto pelo diferente dos zoomers, a Crocs acerta nos lucros e vê sua receita saltar quase 54%. E, com isso, traz à tona outra evidência sobre como essa geração realmente chegou para redefinir conceitos.
No passado relegados aos domínios de enfermeiros, os Crocs hoje em dia são um ícone de estilo que caminha lado a lado com os Louboutins no panteão da alta moda. Tal inesperada volta por cima permitiu ao tamanco de borracha outrora alvo de memes e outras chacotas virtuais “encarar” como um igual o scarpin de sola vermelha. Mais que isso, sua emergência evidencia ainda àquela que deverá ser a maior tendência do novo mercado de consumo global. À primeira vista, esses furos com furos e um design que muitos consideram “de gosto duvidoso”, e que Anna Wintour não calçaria nem se estivesse sozinha em uma banheiro escuro, desafiam qualquer conceito tradicional de elegância. E ainda assim, aí estão eles: uma potência que movimenta cifras bilionárias, devidamente endossada não apenas por celebridades, mas também pela vanguarda estilística da Geração Z.
Nesse cenário frenético, o anúncio recente sobre a mais recente colaboração da calçadista americana Crocs, Inc. abalou as estruturas fashionistas. Com lançamento marcado para essa quarta-feira (13), a coleção “Shrek x Crocs Classic Clog” gerou uma polêmica e causou até repulsa em certos círculos online – sinal de que a empresa acertou em cheio ao mirar no gosto dos zoomers. Um tamanco verde-limão com detalhes que evocam o icônico ogro, com preços entre US$ 45 (R$ 225) e US$ 60 (R$ 300), de fato pode ser a “little black jacket” deles. A abordagem é irreverente, mas autêntica, e toca diretamente na veia da saudade e da estética “Internet Ugly” que eles tanto curtem. Talvez o ponto mais crítico dessa collab seja o humor autoconsciente que acompanha o ato de usar Crocs. Para a Gen Z, que cresceu em um mundo saturado por memes e ironia online, os Crocs não são apenas uma escolha de moda, mas um aceno para uma cultura mais ampla, uma espécie de piada interna materializada. E isso é especialmente verdadeiro em uma realidade em que influenciadores do TikTok têm um papel imenso na definição de tendências.
Afinal de contas, o que os torna um “must have”? A resposta é complexa e multifacetada, assim como a própria geração por trás de seu sucesso. Basicamente, foi a Gen Z que ajudou a redefinir o lugar dos Crocs no atual mood cultural. Para a turma dos nascidos entre meados da década de 1990 e início da década de 2010, a definição de “legal” sofreu uma reformulação que transcende meras tendências superficiais. Uma interseção de conforto, nostalgia e individualismo parece ser a fórmula mágica que está impulsionando esta notável revolução da moda – fazendo desse timing uma mina de ouro para a Crocs.
É crucial observar que quase metade dos jovens adultos da Geração Z já experimentaram Crocs, e outros 27% pretendem fazer o mesmo. Longe de ser trivial, isso é um testemunho do poder de influência deles, nascidos em uma era já profundamente digital. O TikTok, que dita tendências, é o ponto de encontro favorito da Gen Z, e a presença dos Crocs nessa rede social não é nada menos do que estratégica. Celebridades como Justin Bieber e Post Malone, ambos tiktokers assíduos, ajudam a validar a marca com colaborações de alto perfil, enquanto a propensão dos zoomers a manter um estilo de vida mais caseiro amplifica ainda mais o apelo dos tamancos que, ame-os ou odeie-os, são confortáveis e convenientes. E, de quebra, não ficam só em um modelo universal, e frequentemente ganham versões totalmente fora do convencional e personalizáveis. Como o update da Classic Clog inspirada em Shrek com seus pequenos encantos removíveis e moldados no formato das orelhas e do nariz do personagem “diferentão”, bem do jeito que os zoomers gostam.
Isso aponta para um alinhamento quase perfeito entre produto, público e cultura pop. O surpreendente crescimento de 200% nas vendas anuais desde 2019, conforme relatos, é um indicador do ‘efeito Crocs’, um fenômeno que transcende o mero modismo e entra no território da mudança cultural. E essa mudança não se limita apenas a um grupo etário. Ainda que a Geração Z seja a maior consumidora, outros grupos demográficos estão seguindo seus passos. A segmentação demográfica do público do e-commerce da Crocs, aliás, revela uma distribuição quase igual entre homens e mulheres, principalmente entre 25 e 34 anos. A marca, portanto, conseguiu transcender gêneros e idades, e virou um hit cultural enquanto muitos ainda a têm como uma mera moda passageira.
Os números não mentem. Em 2022, a receita da Crocs foi de US$ 3,6 bilhões (R$ 18 bilhões), um aumento de quase 54% em relação ao ano anterior. É outra evidência do fenômeno fundamentado em uma abordagem de marketing de antagonismo para “fisgar” esse consumidor-alvo que entende como um protesto e uma autoexpressão sua busca por ser diferente de todos os outros. Para o zoomer médio, feio de verdade é não ser autêntico ou singular, e nesse aspecto os Crocs são seu véu de ferro da expressão individual. O design básico do calçado serve como uma tela em branco para ele, e graças aos “Jibbitz”, os pequenos enfeites removíveis, cada par pode ser tão único quanto o dono. Neste contexto, a colaboração da Crocs com o herói da DreamWorks é uma belezura só. Aposta na nostalgia da Gen Z pelos primórdios dos anos 2000 e se alinha perfeitamente com o período em que “Shrek” fez sua estreia no cinema.
Pensando mais adiante, a ascensão da “maison Crocs” aponta que os futuros da moda, do comércio e do marketing terão velhos paradigmas sobre o que é cool ou não em ritmo acelerado rumo ao obsoleto. O sucesso dos Crocs no cenário de moda atual não é apenas uma história de um tamanco de borracha subindo ao estrelato. É uma história sobre como a Gen Z está redefinindo o que será “o novo cool”, abraçando a complexidade e a contradição, enquanto descarta as normas tradicionais que já não a servem. O feio é o novo bonito, e o desconfortável é o novo chique. E os Crocs? Por enquanto são uma personificação coletiva do próximo grupo populacional pronto para subverter qualquer expectativa. E diz muito que essa subversão, além da audácia estilística, é fenomenalmente lucrativa.
Além dos tamancos! Abaixo, GLMRM lista 10 itens de moda que já foram “feios” e acabaram se tornando ícones de estilo. Exemplos clássicos de que a moda é fluida e o que é considerado “out” hoje pode ser o “in” de amanhã:
#1 Poás (Polka Dots): Antes vistos como um padrão retrô e até infantil, os poás se tornaram uma das estampas queridinhas nas passarelas e entre as celebridades.
#2 Meião: Uma vez aceitáveis somente em uniformes escolares, as meias até o joelho viraram peça obrigatória no vestuário “street style” chegaram ate às coleções de alta costura.
#3 Birkenstock: As sandálias vistas até como chiques atualmente viveram sua “fase de Crocs” durane muito tempo, quando eram conhecidas mais pela praticidade do que pelo seu estilo. O jogo virou, e agora elas são usadas até por estilistas renomados.
#4 Óculos de sol ‘oversized’: Pode até ser difícil de acreditar, mas houve um tempo em que óculos de sol enormes eram considerados bregas. Hoje, são um item indispensável da moda.
#5 Gola rolê: O clássico das décadas de 1970 e 1990 já foi visto como antiquado, mas retornou com força total, ultimamente sendo incorporado em looks casuais e de alta moda.
#6 Boinas: Quem diria que acessório tipicamente francês já foi considerado cafona? Sua praticidade, logo que descoberta, o levou a conquistar seu lugar na história como um clássico atemporal e sofisticado.
#7 Calças cargo: Conhecidas por seus muitos bolsos e tecido resistente, essas calças eram mais frequentemente associadas a atividades ao ar livre. Hoje, são uma declaração de moda descolada.
#8 Jaqueta jeans ‘oversized’: Nos anos 1990, eram consideradas datadas e desajeitadas. Mas na atualidade são usadas por celebridades e influenciadores como um item de estilo essencial pra se ter no closet.
#9 Mochilas: Reservadas para estudantes e mochileiros e consideradas “bizarras” quando vistas nas outras pessoas, as mochilas agora são tão fashion quanto qualquer outra bolsa de grife.
#10 Tênis ‘chunky’ ou ‘dad sneakers’: No passado ridicularizados por serem “coisa de paizão”, esses tênis robustos são agora adorados tanto por fashionistas quanto por designers.