Inaugurada nesse sábado (16), no Victoria & Albert Museum de Londres, a exposição “Gabrielle Chanel: Fashion Manifesto” está mais pra rito de passagem cultural. Aguardado há meses pelos fashionistas e montado com o patrocínio e sob os olhares atentos da Chanel, a maison francesa cofundada pela estilista em 1910, o evento permite um “encontro” entre a ousadia da vanguarda futurista, que então tomava a Europa, com a energia da nova era atual – e aqui simbolizada na persona da cantora e compositora belga Angèle, a mais recente contratação para o seleto time de embaixadores da gigante da moda. Praticamente anônima fora do velho continente, a popstar de 27 anos é como se fosse a mademoiselle da hora.
Exceto pelo detalhe de que sua “little black jacket” é um estilo musical que mistura chanson com pop, electropop e R&B. Mas o que de fato une as duas é que, assim como Chanel foi para a moda de seu tempo, Angèle é para esse, algo fortemente evidenciado na mostra recém-aberta na capital britânica, provando que sua mensagem e seus sinais vão muito além daqueles que começaram a tomar forma há mais de um século no número 31 da rue Cambon de Paris.
Ao examinar as fotos raras em exibição, por exemplo, uma narrativa mais profunda emerge. Roussy Sert, clicada pela lente de André Durst em 1936, surge como visão da elegância em um vestido de lantejoulas Chanel que parece ecoar sua própria trilha sonora. Já Marilyn Monroe, fotografada por Ed Feingersh, é a epítome da sensualidade feminina enquanto aplica suas três gotas de Chanel No. 5, em um clique de 1955. São esses momentos eternizados no tempo que servem como um testamento do poder transformador da marca que aprendeu a se modernizar ao mesmo tempo em que se autovaloriza como guardiã do vanguardismo no qual nasceu.
E é esse poder que mantém a Chanel no topo, e um tipo de poder peculiar que costuma ser mais percebido quando praticamente se “esconde”. Como Angèle, que se tornou um ativo valioso para a empresa dos irmãos Gérard e Alain Wertheimer. Segundo a mídia francesa, a estrela assinou um contrato de cinco anos avaliado em €4 milhões (R$ 20,8 milhões) para emprestar sua imagem estrategicamente pouco conhecida nos mercados além das fronteiras europeias. Não se trata apenas de um investimento financeiro dos Wertheimers, mas sobretudo de uma aposta em uma demografia mais jovem e conectada. A belga do momento, cujo último álbum vendeu mais de 300 mil cópias, traz consigo uma presença forte e significativa em redes sociais, nas quais ostenta 3,7 milhões de seguidores só no Instagram. E, de quebra, é uma típica integrante da Geração Z, justo aquela que nasceu para enterrar o lugar comum.
Angèle também chama a atenção por ser uma artista politicamente engajada, que aborda temas como feminismo e igualdade em sua música e em suas plataformas sociais, mantendo assim a relevância da marca Chanel em discussões sociais contemporâneas. Mesmo com a concorrência acirrada entre as outras embaixadoras da Chanel, cada uma igualmente escolhida a dedo tanto quanto outras são selecionadas para um “au revoir”, como aconteceu recentemente com Margot Robbie, ex-Chanel que, graças à Barbie, logo encontrou uma nova casa na Bottega Veneta, a maison não se desvia jamais do legado estabelecido por Coco.
O que “Gabrielle Chanel: Fashion Manifesto” e a trajetória contínua da Chanel ilustram é a imortalidade do que a musa inspiradora de ambas criou. A exposição, aberta até 24 de fevereiro, é menos um olhar retrospectivo e mais uma profecia autorrealizável. Gabrielle Chanel não apenas desenhou roupas e reinventou conceitos. Bem mais do que isso, ela desenhou o próprio futuro da feminilidade, sendo generosa e humilde para mantê-lo como um croqui permanente que continua a ser desenhado por ícones vanguardistas, um após o outro. E esse futuro ainda está sendo rabiscado, e quem segura o lápis no momento é Angèle.