por Bruna Narcizo para revista PODER de agosto
Foi aos 36 anos, durante um curso de negócios em Harvard, nos Estados Unidos, que Flávio Rocha descobriu seu propósito de vida: democratizar a moda. Graças a esse insight, ele retornou ao Brasil disposto a transformar a Riachuelo – até então, uma empresa de vestuário popular com foco na venda de roupas de baixo custo e com pouca ligação com o mercado da moda – na única fast-fashion nacional. Isso aconteceu em meados dos anos 1990, época que também marca a democratização da informação impulsionada pelo advento da internet. “Com a rede, o mundo restrito e excludente da moda passou a ser desejado por um novo tipo de consumidor: o de baixa renda e com informação. Foi nesse segmento que a Riachuelo se especializou”, conta o empresário, que é presidente da empresa. Hoje, a família de Nevaldo Rocha, pai de Flávio e fundador do Grupo Guararapes, a maior confecção de vestuário da América Latina, tem uma fortuna estimada em R$ 6 bilhões e se tornou a mais poderosa e rica do país a viver da indústria têxtil. O patriarca e sua família aparecem entre os 18 brasileiros mais ricos da revista Forbes e, segundo o FashionUnited, site americano especializado no mercado de moda, eles são os primeiros brasileiros a aparecer no ranking das 200 maiores fortunas do mundo nesse segmento – os Rocha ocupam a 34ª posição, à frente das controladoras da Diesel e da Dolce & Gabbana, por exemplo. Flávio Rocha ainda quer mais: ao aumentar a produção – que está na casa das 200 mil peças por dia – pretende transformar socialmente o Nordeste, principalmente, o Rio Grande do Norte, seu estado natal.
Foi a partir dessa mudança de paradigma que a Riachuelo, braço do Grupo Guararapes, se tornou a grande locomotiva da companhia. Antes, a cadeia era empurrada pela indústria e hoje é puxada pelo varejo, o que só se tornou possível com o plano de integração da cadeia produtiva adaptado por Rocha. Com ele foi possível fugir das armadilhas do que ele chama de ótimos locais individuais. “Decisões que fazem sentido entre as quatro paredes de uma fiação ou de uma empresa de logística podem estar destruindo a eficiência do todo. Nós não temos três negócios no grupo: industrial, varejo e financeiro. Temos um negócio horizontal”, explica. Partindo da premissa de que não importa o faturamento em cada negócio da cadeia, o conceito, chamado margem integral, bonifica todos os elos de acordo com o ganho global, não de cada área. “A Riachuelo é a única empresa do mundo que cuida do fio à décima prestação paga pelo cliente, um processo que dura 400 dias”, afirma.
A cadeia integrada coloca a Riachuelo e o Guararapes em linha com os novos rumos do mercado de moda mundial. O grupo espanhol Inditex – dono da Zara – é o exemplo mais bem-sucedido desse modelo. Com pouco mais de 20 anos de existência, conseguiu ultrapassar o valor de mercado e a hegemonia da americana GAP, que dominou o varejo nas últimas décadas. “Isso não foi uma mudança de ranking, foi uma mudança de paradigma. A GAP hoje vale US$ 7 bilhões, enquanto a Zara vale US$ 50 bilhões. Isso reflete a superioridade do modelo integrado”, comemora Rocha. Ele também não pode reclamar dos resultados do Grupo Guararapes: com um patrimônio líquido de R$ 2,5 bilhões, segundo a edição 2013 do guia Melhores & Maiores da revista Exame, conta com mais de 36 mil funcionários, está entre os 200 maiores do Brasil e cresceu 40% no ano passado.
MODA RÁPIDA
Com o intuito de oferecer design a um preço acessível, as fast-fashion mundo afora são as principais responsáveis por tornar a moda um fenônemo democrático. Além das coleções tradicionais, outra maneira encontrada para conseguir isso é por meio de parcerias com estilistas renomados – que levam suas criações para as araras das grandes varejistas a um valor mais baixo que o praticado em suas lojas. Segundo Rocha, a Riachuelo foi a pioneira a se unir a um grande nome da moda: foi em 1979, com Ney Galvão – estilista baiano conhecido na época. “Depois, nos anos 2000, quando retomamos a ideia e vieram nos perguntar se estávamos fazendo como a H&M (rede de fast-fashion da Suécia) eu disse: ‘Alto lá, a H&M é que está fazendo como a gente!’.” A Riachuelo também já teve coleções assinadas por Oskar Metsavaht, da Osklen, Pedro Lourenço e outros. Cris Barros, que fez parceria em 2011, disse que, no início, teve medo de que suas clientes não gostassem de ver a grife associada a uma marca popular, mas ficou muito satisfeita com o resultado. “Trouxe reconhecimento da imprensa e clientes felizes. Hoje, as pessoas acham mais legal porque as marcas de fora fazem isso também”, comenta ela. Karl Lagerfeld, da Chanel, Stella McCartney e Lanvin são alguns bons exemplos de grifes que se asssociaram a grandes varejistas internacionais.
O crescimento desse modelo de negócio também vem em um momento que respeita a moda, seja qual for sua origem. Que o diga Kate Middleton, mulher do príncipe William, que desfila mundo afora com peças de redes de varejo. “Ninguém precisa estar vestido de alta-costura para ser bacana. Não é preciso gastar milhões em roupas. Isso ficou fora”, diz Cris Barros. Ela acredita, no entanto, que as tendências e criações culturais de cada estação ainda serão de responsabilidade de grandes estilistas. “Essas lojas têm o talento de traduzir a moda das passarelas de um jeito usável. Esse é o grande pulo do gato. Não criam tendência, é repetição”, afirma ela. Rocha, porém, discorda: “É terrível atribuir às lojas que atuam em escala a copistas, violadores de direitos autorais. Moda é um processo evolutivo constante e, atualmente, as grandes cadeias são as que mais contribuem para esse processo”.
LEÃO BRAVO
A virada da Riachuelo aconteceu em um momento crucial para a indústria têxtil brasileira: a briga desleal com a China, que inundou o mercado com produtos de preço baixíssimo. Embora sempre tenha sido a vocação histórica do país, o chamado “custo Brasil” fez a indústria têxtil nacional perder a competitividade em relação à mundial. O governo tem desonerado alguns setores, é verdade, mas Rocha acredita que ainda são iniciativas muito tímidas. Segundo ele, 99% das confecções brasileiras são reféns do Simples Nacional – regime tributário que desonera empresas de pequeno porte com receita bruta anual de até R$ 2,4 milhões. “O Simples liberta da alta cruz tributária, mas impõe uma penalização muito alta: a falta de escala. Produzir em pequena escala é muito mais caro”, explica. E diz que quem produz pouco não consegue acesso a tecnologias fundamentais para baixar o custo da produção.
O que ele sugere? Encarar o custo Brasil como um inimigo a ser realmente combatido. “A maior perversidade da carga tributária brasileira é que os impostos estão sorrateiramente escondidos sob os preços dos produtos”, diz Rocha. Somos o país em que o preço de roupas e eletrônicos está entre os mais altos do mundo. “Em vestuário, entra pelos aeroportos brasileiros o equivalente ao faturamento somado das seis maiores empresas de varejo do país”, diz Rocha. Com os impostos predominantemente taxando bens de consumo, a população de baixa renda é a mais onerada. “Alguém muito rico gasta 1% de sua renda com consumo e quem é muito pobre provavelmente gasta 100%”, afirma. “O mito de que os ricos pagam impostos em benefício dos pobres não existe mais. Os grandes pagadores de impostos são os trabalhadores de baixa renda com carteira assinada.”
Rocha acredita que baixar impostos é uma tarefa simples para o governo, principalmente hoje em dia com o aumento da formalização do varejo nacional. Dois bons exemplos são as bonificações para o consumidor que pede notas fiscais ao efetuar uma compra – a pioneira foi a Nota Fiscal Paulista, mas outros estados têm adotado o sistema – e o aumento de pagamentos realizados com cartão de crédito e de débito. “Só que, infelizmente, em vez de trazer efeitos positivos, isso está se convertendo apenas em mais arrecadação. Era a oportunidade de os governos irem ajustando as alíquotas”, diz Rocha. Procurado por PODER, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, por e-mail, via assessoria de imprensa, que só em 2013 foram desonerados mais de R$ 70 bilhões – inclusive com impacto no varejo, como, por exemplo, na redução tributária da folha de pagamento. No mesmo e-mail, Mantega declarou também que não há outras desonerações previstas para este ano.
Para se manter competitiva no mercado nacional, em que grandes empresas foram à bancarrota nos anos 80 e 90, a Guararapes Têxtil – braço industrial do grupo – abriu mão dos 10 mil clientes ativos que tinha no começo da década e hoje atende apenas à demanda da Riachuelo. “Somos uma das poucas sobreviventes, mas só conseguimos manter as portas abertas por conta do ganho de eficiência criado pela aproximação com a Riachuelo. A Guararapes só é competitiva por causa da simbiose com o varejo”, comenta Rocha.
O CÉU É O LIMITE
Atualmente, o grupo tem três aviões destinados ao deslocamento de executivos pelas 180 lojas do país. O primeiro foi adquirido há 32 anos e, segundo Rocha, essa mobilidade foi fundamental para que a Riachuelo conseguisse se tornar a primeira empresa de varejo do território nacional. De acordo com ele, a estratégia da frota própria também é uma maneira de estimular e até mesmo obrigar os executivos a visitar as lojas. Afinal, trabalho é o que não falta na empresa, considerando que o plano de expansão prevê a criação de mais 170 lojas até o fim de 2016. “O varejo é o setor do futuro no Brasil; cresce anualmente duas a três vezes mais que o PIB nacional e ainda pode duplicar a sua potência”, aposta Rocha.
Para aguentar a dura rotina de trabalho, Rocha não abre mão da prática de atividades físicas e chegou a correr duas vezes a maratona de Nova York. “Hoje, não corro mais maratona, mas meu personal trainer chega em casa todos os dias às 8h. Só depois é que vou para a empresa”, conta. Nem seria necessário fazer isso, já que acompanha as vendas e estatísticas de todas as lojas em um tablet que está sempre com ele. “Acho que perco até mais tempo do que deveria checando tudo. Mas varejo é isso, é muito demandante, não tem horário”, diz.
A ORIGEM
O termo fast-fashion surgiu há uma década em um case apresentado durante as aulas na escola de negócios de Harvard, nos Estados Unidos. Intitulado ‘Zara: Fast Fashion’, o trabalho trata dos feitos da cadeia espanhola Inditex, que controla a Zara, baseando-se principalmente na bem-sucedida experiência da cadeia têxtil integrada – que a Inditex domina da produção ao varejo. “A expressão se disseminou e é mal usada. O título é uma analogia ao fast-food e o case descreve a sinergia entre todos os elos da cadeia têxtil que existe na Zara”, explica Rocha. Se esse conceito for interpretado ao pé da letra, argumenta ele, a Riachuelo pode ser considerada a única rede de fast-fashion do país.
TERCEIRA GERAÇÃO
Composto pela Guararapes Têxtil, Confecções Guararapes, Transportadora Casa Verde, Lojas Riachuelo e a Midway Financeira, o Grupo Guararapes foi fundado em 1956 por Nevaldo Rocha, pai de Flávio. E o DNA de empresa familiar sempre esteve presente. “Eu acho que empresa familiar tem mais vocação para enxergar o longo prazo”, explica. Tanto que o RH criou um projeto chamado G3 que inclui os dez netos de Nevaldo no dia a dia do grupo. Os herdeiros se reúnem trimestralmente para ficar a par do que acontece na companhia”, diz Rocha.
É PERMITIDO USAR
Em tempos de banalização da informação e de uma sociedade ávida por novidades, até os bens de consumo – roupas, incluídas – estão cada vez mais efêmeros. “As redes de fast-fashion têm a capacidade de traduzir rapidamente as tendências das passarelas para as araras”, explica João Braga, professor de história da moda. Na opinião dele, além de democratizar a moda, as peças encontradas nos grandes varejistas funcionam como canal de aproximação entre formadores de opinião e as camadas populares. “Ao se vestir como o povo, Kate Middleton e Michelle Obama se mostram como iguais. A realeza britânica precisa agradar aos súditos e os Obama querem votos”, diz o professor. Segundo ele, com suas atitudes, Kate e Michelle acabam influenciando também a parcela mais abastada da população, que passa a se sentir à vontade para usar peças das redes de fast-fashion.
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