Fernando Haddad para a Revista PODER: “Sei que tomei as decisões certas”

Fernando Haddad em entrevista para a PODER || Créditos: Karime Xavier

No meio de uma crise de (des)confiança sem precedentes enfrentada pelo PT, o prefeito Fernando Haddad defende seu legado à frente da maior cidade do país e diz que São Paulo não pode “optar pelo atraso”.

Por Nataly Costa para a Revista PODER em 16 de setembro
Fotos Karime Xavier

Era outubro de 2012 e a militância do PT lotava a avenida Paulista. “São Paulo! Tem jeito! Haddad é prefeito!”, cantava a multidão. Em cima do trio elétrico, esbaforido, com a camisa vermelha toda amassada, o recém-eleito Fernando Haddad iniciava seu discurso da vitória. Deu boa-noite, fez coro com o “olê, olê, olê, olá, Lu-lá, Lu-lá” e emendou no microfone: “Vocês sabem, eu sou o segundo poste do Lula”. Era uma referência bem-humorada ao comentário geral de que o ex-presidente, com sua popularidade, era capaz de eleger quem quisesse – Dilma Rousseff sendo o poste número 1. Corte rápido para 2016. Com roupa de prisioneiro e em formato de balão inflável, a figura de Lula, digamos, murchou. Dilma, então presidente com 62% de aprovação, sofreu um impeachment. A mesma avenida Paulista onde o prefeito viveu seu dia de glória abrigou milhares em manifestações antipetistas. E, por fim, quatro anos depois, temos um Haddad bem menos eufórico que outrora, agora com a difícil missão de defender seu legado em meio a uma derrocada histórica do PT no Brasil. O poste ainda dá luz, mas não se sabe se consegue se manter aceso por mais uma – e ainda mais nebulosa – eleição.

O ex-desconhecido, pelo menos, já pode dizer que saiu do nível dos iniciantes. Afinal, foram dois anos como subsecretário de Finanças de Marta Suplicy na prefeitura, um no Ministério do Planejamento, sete como ministro da Educação e quatro como prefeito da maior cidade do Brasil. Se para um político é bastante, para o PT, aparentemente, ainda é pouco. Haddad vive sendo alfinetado pelos companheiros de partido, que o acusam de não ter o physique du rôle do petista tradicional. Seria um sujeito de pouca paciência para a pequena política (não que ele não tenha costurado com aliados nem trocado cargos por apoio), fraco de marketing (não que ele não se renda ao autoelogio sempre que pode), enfim, com a estrela vermelha meio desbotada. “Até entendo a crítica, de fato nunca participei da vida interna do partido. Entrei na política pelas mãos do (economista) João Sayad, que nem petista é”, diz. “Mas isso não me faz menos aderente a ideias que abraço até hoje, como o combate à desigualdade.”

Se evita fazer uma defesa contundente do partido, Haddad também critica quem acha o esfacelamento da legenda uma boa coisa. “O país é muito desigual e não vai ser o fim do PT que vai melhorar isso, ao contrário. Todos deviam lamentar que um partido construído a partir da base esteja sofrendo esse constrangimento. Por culpa interna também, não desconsidero os erros. Chances foram perdidas, a reforma política não foi feita. E o fato é que o problema maior sobreviveu. Apesar dos avanços com o Lula, a espinha dorsal da desigualdade não foi quebrada.”

O momento de desconfiança geral em relação à política, sobretudo em relação ao PT e mais ainda em São Paulo, não deixa o ambiente favorável para o prefeito, que tem 52% de rejeição de acordo com o Ibope de agosto. Os números em relação a ele, aliás, são curiosos. Em junho, o mesmo Ibope mediu a aceitação de suas principais bandeiras. As ciclovias e a redução de velocidade, que renderam polêmica a rodo, são elogiadas por 51% da população; as faixas de ônibus, por 91%. No entanto, quando perguntados se aprovam a administração Haddad, os mesmos entrevistados dizem que não (76%). “A rejeição ao PT fala bastante, mas não só. Saúde, por exemplo, é uma área mal avaliada e talvez pese mais na vida das pessoas do que ciclovia”, explica o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), de São Paulo. Haddad, por sua vez, credita a discrepância dos números a uma falha de comunicação do seu governo – uma das únicas autocríticas que consegue fazer desses quatro anos. Ainda assim, dá um jeito de dividir a culpa. Diz ter sofrido por parte da imprensa uma “oposição sistemática”, maior “do que qualquer prefeito já enfrentou”. “Pegue a questão da mobilidade. Todo mundo sabe o escândalo que é ônibus em congestionamento. Que precisa de faixa, de segurança para o ciclista. Reduzir as mortes no trânsito é recomendação da OMS, eu não inventei. Mas como o cidadão que acorda cedo e dorme tarde vai discernir isso, se não é exposto a uma variedade de opiniões?”

Fernando Haddad em entrevista para a PODER || Créditos: Karime Xavier

EU ME AMO

Além de não ter conseguido, em quatro anos, fazer as pessoas ligarem o milagre ao santo, Haddad usou mais seus espaços de fala para se colocar no papel do injustiçado, o sujeito que faz muito e é compreendido por poucos – somente pela parcela iluminada do eleitorado. “A juventude bacana, o pessoal mais moderno, já comprou a ideia de que a cidade pode ser diferente”, diz, sobre quem concorda com ele. “Ninguém está olhando para frente a não ser a atual administração. Representamos um outro paradigma na cidade de São Paulo. Nós somos os portadores do futuro, eles (os adversários) são o passado”, continua, desenrolando um pergaminho de jactâncias que lembra o ex-presidente Lula da fase “nunca antes na história deste país”. De fato, Haddad mostra uma visão ampla de cidade, que opera menos no imediatismo e flerta com um modelo de urbanização já consolidado nas cidades mais avançadas do mundo (prioridade para o transporte público, abertura de ruas para pedestres etc.). A fleuma do discurso, porém, acaba virando pregação para convertido e não faz a conversa avançar nem com os setores mais à esquerda – que o chamam de “prefeito gourmet”, mais dado a grafitar Pato Donald na Consolação do que gastar sapato na favela –, tampouco com a ala menos progressista. “As forças conservadoras jogam na despolitização. Colocam os políticos no mesmo saco, dizem que não há diferença. É o papel deles, e isso atinge também a periferia, hoje não só vermelha. O fenômeno (Celso) Russomanno, já enfrentado em 2012, é fruto disso”, diz, referindo-se ao adversário líder nas primeiras pesquisas. Haddad aparece com mais intenções de voto entre o eleitorado mais rico (divide com o tucano João Doria a preferência daqueles que ganham mais de dez salários mínimos) e, para o desespero do PT, não vai tão bem quanto Russomanno nas franjas da capital. Tanto que, na campanha, sua principal estratégia é mostrar que não negligenciou essa parte da cidade, citando feitos como duplicação de vias da periferia e iluminação de LED nos postes. Também rebate a crítica pela esquerda de que não dialogou o suficiente com os movimentos sociais. “Saindo dessa entrevista vou receber o movimento de moradia, muito mais ativo que qualquer outro na cidade, porque é mobilizado o tempo todo”, conta, em crítica ao Movimento Passe Livre (MPL). “Acho incrível que um prefeito tenha feito o esforço para que 700 mil pessoas, estudantes e idosos, andassem de ônibus de graça e ainda assim…”, alfineta.

Fernando Haddad em entrevista para a PODER || Créditos: Karime Xavier

NÓS E ELES

Haddad não dá bola para pesquisas – ou pelo menos é o que diz quando as porcentagens lhe são desfavoráveis. De fato, em 2012, os institutos apontavam para uma vitória de Russomanno, que nem ao segundo turno chegou. Mas, dessa vez, o cenário é mais complicado. O apresentador da Record lidera novamente, seguido pela ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB). Depois dela, as intenções de voto se dividem de maneira equivalente entre o atual prefeito, o tucano João Doria e a também ex-prefeita do PT Luiza Erundina, hoje no PSOL. Com ela, Haddad disputa o chamado voto de opinião, que há quatro anos levava praticamente sozinho (o psolista Carlos Giannazi era bem menos expressivo). Atualização: a pesquisa do Ibope de 27 de setembro coloca João Doria seguido de Russomano na frente. Com Marta, divide o legado petista – ela fez os corredores, ele, as faixas; ela, o Bilhete  Único, ele, o Bilhete Único Mensal; ela construiu os CEUs, ele, três hospitais. “Para muita gente, são três prefeitos do PT competindo entre si. Você chega na periferia e diz que a Marta está com o Temer, as pessoas tomam um susto. Nem sabem o novo número dela, acham que é 13”, conta. Ele critica os rivais por atuarem como “comentaristas de governo”, apresentando poucas propostas. “Aliás, o que eu recebo é elogio dos meus adversários. Falam que a ciclovia veio para ficar, que a Rede Hora Certa (serviço público que garante consultas médicas com hora marcada) precisa ser expandida. Ou seja, nós somos o tema da campanha, os outros estão se resignando a comentar, e não propor uma visão de cidade para o futuro”, diz.  E continua: “Veja um dos meus adversários dizendo que a juventude, os negros e as mulheres não merecem secretaria. O discurso em si já é revelador do descaso com agendas importantíssimas para garantir tolerância e pluralidade”.

Depois de quatro anos jogando na defensiva, seria em um mês que o prefeito conseguiria mudar o rumo dos ventos a seu favor? “Meu pai dizia que marinheiro bom sai na tempestade. Defendo meu legado, sei que tomei as decisões certas para a maioria da população. Se isso vai ser reconhecido agora ou no futuro, não sei. Espero que seja agora.”

 

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