“Ela ama aquele dinheiro todo entrando, diz que finalmente tem um homem de fibra em casa, e começa a gastar como se não houvesse amanhã. E é engraçado porque ela vai abraçar o capeta. Não se importa com o fato de ser errado”, disse Fernanda Torres sobre sua personagem, Maria Teresa, em “Filhos da Pátria”, série da Globo que estreia em setembro, ambientada em 1822, mas com um tema completamente atual. “É um espelho de hoje em dia”. Geraldo [Alexandre Nero] é um funcionário público do Paço Imperial, honesto, que se deixa corromper, começa a dar o tal “jeitinho” brasileiro, fraudar concorrências de licitação. E com isso, ao invés de ser punido, é promovido. Não dá pra chamar de trama de época, né, glamurette? Tanto que Fernanda logo fez a identificação de Maria Teresa com… Claudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha. Vem ler! (por Michelle Licory)
Nome aos bois
“Aquela declaração da Claudia Cruz dizendo que ela era uma mulher do lar, que não tinha a menor ideia e jamais perguntou a origem do dinheiro do marido…Meu Deus… Maria Teresa! Aqueles gastos… Aulas de tênis com o treinador do campeão… Um gasto dessa maneira tão novo rico. Igual ao da Maria Teresa, que compra carruagem, faisão de prata, coisas que não precisa, so pelo prazer do gastar. O marido era honesto, e isso eu adoro na série: o sistema vai corrompendo ele. Ele não é isso, sofre muito até queimar aquela carta e pegar aquele dinheiro. Tem consciência daquilo. Mas depois esquece. Por quê? Porque passa a ser respeitado na casa dele, que é uma outra questão interessante. A gente é um país patriarcal, paternalista, então a figura do homem… Ele passa a ser um provedor. Você vê como a Claudia fala do Eduardo… Um grande corrupto é um grande provedor. O Geraldo passa a ser mais amado pela mulher, reconhecido. Como homem, ele vai ganhando, embora esteja se corrompendo e se perdendo como pessoa”.
Maria Teresa e Claudia Cruz: cúmplices ou inocentes?
“A gente tem no Brasil casos de corrupção em que o casal era uma sociedade, outras em que a mulher era a recatada do lar que usufrui. A Maria Teresa não trabalha, acha até um palavrão. Ela não é bem uma sócia do marido no malfeito, mas não tem nenhuma restrição daquilo tudo vir do malfeito. Pelo contrário, acha prova de virilidade do marido o fato de ter coragem de roubar”.
“Patológico, como o caso do ex-governador do Rio”
E o Geraldo: é vítima do sistema que corrompe? “Tem muitas vezes em que o modus operandi é assim e parece que aquilo não é errado. Você perde o parâmetro. Vi uma discussão sobre a diferença de caixa dois para enriquecer e o para financiar campanha. O problema é que esse caixa dois da campanha também vem da obra superfaturada, do hospital que não é construído, da estrada que não termina. Claro que o cara que usa para enriquecer é patológico, como o caso do ex-governador do Rio, mas o que financiou campanha também pegou dinheiro do povo. O sistema é assim, está errado, mas não se consegue reforma porque é o próprio político que vota… Muita gente até é honesta e bem intencionada e se valeu de caixa 2 porque é como se faz política, mas…”
Dessa água não beberei
Muita polêmica já rondou a lei Rouanet e ligou artistas a casos de desvio. Será que Fernanda já deu de cara com a corrupção e precisou desviar? “Tem a questão do patrocínio cultural, sim, mas pra mim é muito claro: não fazer. Se for assim, melhor não fazer a peça, o filme. Não uso lei Rouanet há 10 anos, mas sei que houve muitos avanços na fiscalização. Se alguém não foi fiscalizado, deve ter um cacife muito alto. As pessoas que eu conheço foram”.
Forças retrógradas e violentas
Tem jeito para a corrupção no Brasil? “Não tenho bola de cristal. Até porque nunca é um movimento só na sociedade. Neste momento, agora, tem gente sendo punida por agir errado e gente sendo liberada porque agiu do mesmo modo [por conta das delações]. Dois pesos e duas medidas tanto com grupos políticos quanto com grupos do mercado. Gente presa e gente no Senado, na Presidência… Me sinto extremamente ingênua, mas ao mesmo tempo às vezes acho que faz diferença, sim [a Lava Jato]… Estamos em uma hora de incógnita. Vejo que hoje coisas que estavam em banho maria não estão mais. A desigualdade social, por exemplo, está se revertendo em uma violência que ninguém mais suporta. Estamos no meio de uma tormenta e não sei como resolver, nem sei se forças retrógradas e violentas vão subir ao poder em 2018”.
“Mais do que uma mala de dinheiro numerado é difícil”
Perguntamos o sentimento da atriz em relação à votação da Câmara que rejeitou a denúncia contra Michel Temer, nessa quarta-feira. “Já estava precificado, como diz o mercado. Eu achava que era isso que ia acontecer. Tem muita gente que pensa que deve ficar como está porque estamos na lama e não se deve fazer marola. Não foi surpresa pra mim e acho que esse é o jogo das forças econômicas e politicas. Não estou defendendo isso, mas sei que há um empurrar com a barriga em nome de qualquer estabilidade. Não sei qual vai ser a próxima denúncia do [Rodrigo] Janot, mas mais do que uma mala de dinheiro numerado é difícil aparecer”.