Por Eloá Orazem para a Revista Poder de Novembro
Em tempo de reação conservadora contra museus e exposições, Márcia Fortes, da Fortes D’Aloia e Gabriel, não se dobra a pressões e abre novo espaço no Rio
Tal qual uma frágil flor é capaz de vencer o mais árido asfalto, também a arte perfura o conservadorismo estéril e as dificuldades econômicas. Márcia Fortes, da galeria Fortes D’Aloia e Gabriel, testemunha em primeira pessoa o desabrochar da nossa arte sem às vezes se dar conta do papel fundamental que desempenha aí.
Com programação definida até 2019, a galerista não repensa suas diretrizes por pressões externas, tanto que algumas das exposições previstas tratam de sexualidade e erotismo. Embora fique enfurecida com os ataques que museus e artistas vêm sofrendo no Brasil, a carioca de 49 anos se mantém positiva. “Inaugurei em novembro um espaço novo [o Carpintaria, no Rio de Janeiro], e isso mostra o meu otimismo”, diz.
Uma das razões que contribuem para o bom astral é a nítida constatação de que, pelo menos para o mundo dos negócios da arte, 2017 foi bem melhor que 2016. Márcia não sabe exatamente quanto, mas afirma que o mercado brasileiro opera com uma margem de lucro reduzida, ainda que vislumbre um “alargamento do interesse pela arte no Brasil”.
Filha de engenheiros, Márcia lembra que cresceu sem referências culturais e artísticas, e que o cenário de pouco envolvimento com o setor é compreensível em um país que carece até de saneamento básico. “Veja você que não existe um museu público de qualidade em Brasília, que é a capital do país. Isso diz muito sobre a nossa relação com a arte.”
Mas se por aqui não se dá o valor devido à cultura, nossos artistas encontram um cenário melhor fora do país. “Curadores internacionais e diretores de museus aclamados mundialmente estão de olho na arte brasileira, que é tratada com respeito e admiração”, comenta.
Ainda de acordo com a galerista, nossa presença no mercado da arte internacional seria ainda maior se tivéssemos o devido apoio. “Nada pode sair do país sem a autorização do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], por exemplo. Enfrentamos morosidade, burocracia e leis arcaicas”, diz. “Aqui tratamos as artes plásticas como commodity, não como bem cultural.”
No front de batalha para as mudanças necessárias no setor, Márcia destaca o trabalho que a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), composta por cerca de 50 galerias, vem fazendo na tentativa de discutir as soluções para o problema – mas nada ainda saiu do papel.
Às margens dos entraves políticos e econômicos que essas decisões envolvem, os artistas brasileiros seguem desempenhando com esmero seu papel de questionar e encantar o público. A galerista se recusa a escolher um ou outro nome de sua predileção, talvez para não ferir suscetibilidades. E usa uma comparação para não revelar suas escolhas. “Não tenho um livro favorito, eu gosto de ler”, despista.
Mesmo assim, é possível prever alguns artistas que podem ser vistos em sua galeria. Adriana Varejão, Ernesto Neto e Gerben Mulder são alguns deles, o que grita, em alto e bom som, aquilo que Márcia tenta silenciar: ela tem, sim, um tipo de arte favorita: a que faz sentir sem necessariamente fazer sentido.