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Ao contrário do que se vê pela TV, o crack chegou a socialites, médicos, banqueiros e outros expoentes da alta sociedade

Por Chico Felitti para a Revista J.P de Agosto || Ilustrações: Bruna Bertolacini

A apresentadora de um dos programas de maior audiência da TV a cabo está prestes a gravar uma entrevista com um estilista de renome mundial. Já maquiada e na mira das câmeras, recebe uma mensagem no celular, fecha a cara e sai correndo, deixando o entrevistado sozinho sob a luz dos holofotes. Dias depois, a produção do programa ficaria sabendo o que ocorreu: o filho dela havia sido encontrado numa rua do centro de São Paulo, fumando crack. E não era a primeira vez.

Um dos maiores problemas de saúde e de gestão pública no Brasil, o crack está nas camadas mais altas da sociedade, ao contrário do que pode acreditar quem só costuma ver a droga nas áreas degradadas de São Paulo ou do Rio de Janeiro em cenas na televisão.

A advogada Marjorie viu o noticiário passar pelos muros da casa de oito quartos em que mora, no Jardim Europa, quando uma das três empregadas veio mostrar algo que tinha caído da mochila do filho caçula dela, João, então com 21 anos: um cachimbo de aço escovado. “Conversei com João, que reagiu muito calmamente. Disse que era para fumar maconha, de vez em quando, com os amigos”, diz ela, que pediu para ter seu sobrenome preservado.

Ilustração: Bruna Bertolacini

Menos de seis meses depois, o filho confessou que estava com um problema maior do que tinha admitido. “Mãe, eu fumo crack”, contou ele, depois de ter passado uma semana sozinho em casa, enquanto a família viajava. João revelou que seu primeiro contato com a droga foi na casa de um amigo de faculdade e que, desde então, recebia na própria casa as pedras, entregues por um motoboy a qualquer hora do dia ou da noite por R$ 30 – quase dez vezes o preço da mesma dose na cracolândia paulistana, onde uma pedra custa R$ 4. O uso tinha passado de esporádico para diário. Mãe e filho imediatamente procuraram um psiquiatra. Faz seis meses que João está limpo, à base de remédios tarja preta e três sessões de terapia semanal. Ele diz estar bem, “só por hoje”.

O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, que trabalha com dependência química há 30 anos, já atendeu juízes, médicos e socialites. “Eu vejo o uso de crack, em menor proporção, nas classes média e alta. Mas ele está lá, ao contrário do que muitos pensam”, diz Silveira, que é professor da Unifesp. Ele afirma que a incredulidade é um sintoma comum entre as famílias ricas que o procuram logo após descobrir que um dos seus usa crack. “Em alguns países da Europa, a heroína é uma droga de classe baixa. Mas, para você ser dependente de heroína no Brasil, você tem de ser arquimilionário. O fator financeiro conta, é claro. Isso não quer dizer que a pessoa rica não vá usar crack.” Até porque o posto de droga de elite já está ocupado há 30 anos. “A população mais rica tem preferência pela cocaína cheirada. Quem descamba para o crack, que é cocaína de fumar, geralmente é quem já está viciado.”

O tema já virou até assunto de livro, assinado por Isabella Lemos de Moraes. Isabella é filha de João Flávio Lemos de Moraes, que chegou a ter uma das maiores fortunas do país à frente da distribuidora de gás Supergasbras, nos anos 1980. Mas o empresário liquefez as empresas e o patrimônio da família quase todo virou fumaça por causa de seu vício. Desde que publicou Agora É Viver, pela editora Rocco, Isabella conta que é procurada por muita gente da classe AAA que compartilha da sua aflição. “Tive contato com várias pessoas da sociedade em Beverly Hills, onde morávamos. Muitos atores, modelos, empresários.” O pai, ela narra no livro, frequentava a casa de um cantor de fama global, em que sempre havia um estoque de entorpecente. “Essa droga não tem classe social, ela está por todos os lados”, afirma.

Ilustração: Bruna Bertolacini

E cada família lida com o problema do seu jeito. Há cinco anos, uma dermatologista e seu marido empresário descobriram que um dos seus quatro filhos, então com 25 anos, tinha perdido o emprego numa agência de publicidade por causa do vício. Depois de duas internações involuntárias em clínicas de luxo (uma no Paraná e outra no interior de São Paulo), seguidas de duas recaídas, o casal decidiu que era hora de o filho passar uma temporada na casa de campo, com uma cuidadora e visitas quinzenais de um médico local, para ficar longe do que chamam de “más companhias” de São Paulo. Isso já faz dois anos. “Ele mora na casa da família em Campos [do Jordão]. Não é certeza que ele tenha parado [de fumar crack]. Mas pelo menos lá ele está seguro, não vai acabar na cracolândia”, diz a mãe. “Eu nunca mais consegui dormir tranquila desde que isso aconteceu.”

A recomendação de médicos e de quem já passou pelo problema é buscar tratamento, e não só para quem usa a droga. Os parentes de viciados também são aconselhados a buscar apoio para segurar essa barra. Um desses grupos é o Nar-Anon, que tem uma sede nobre em uma mansão em Higienópolis. Em uma noite gelada de segunda-feira, um grupo de dez parentes se reuniu para compartilhar suas aflições. Uma mulher com os dedos congestionados por anéis se emocionou ao contar que a filha está conseguindo se livrar do crack. “Ela completou seis meses limpa na semana passada. É uma batalha”, disse ela, com os olhos cheios d’água. Braços ornamentados por joias e relógios Rolex bateram palma.

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