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Ética e de direitos humanos: tem que aprender || Créditos: Marina Leme
Ética e de direitos humanos: tem que aprender || Créditos: Marina Leme

Escolas de administração e de economia de primeira linha incluem aulas de ética e de direitos humanos em seus cursos de graduação e pós-graduação. Por aqui, as instituições estão começando a rezar pela mesma cartilha

Por Chico Felitti para revista PODER de fevereiro de 2018

Uma sala de aula em uma faculdade de negócios. A balbúrdia dos alunos ces­sa na hora quando o professor dispara: “Quais foram os erros que destruíram Harvey Weinstein [conhecido pro­dutor de cinema norte-americano que, no fim do ano passado, viu sua carreira ruir depois que várias atrizes vieram a público acusando-o de assédio sexual] em Hollywood e podem levar a empresa dele à falência?”. Um aluno levanta a mão antes de dizer: “Ele não con­seguiu fazer todas as mulheres que o acusavam assi­narem um acordo de sigilo”. Uma aluna retruca, sem pedir licença: “O erro dele foi abusar de dezenas de mulheres durante duas décadas”.

A cena é ilustrativa, mas aconteceu, com algumas va­riações, nas salas de aula das melhores escolas de ne­gócios do mundo. Tudo porque em cursos específicos para empresários e executivos, os professores passaram a gastar mais tempo (e saliva) discutindo temas como ética, assédio sexual e paridade salarial, só para citar alguns.“Esses profissionais não lidam apenas com cri­ses financeiras. Também têm de responder por proble­mas éticos ou morais, que são tão importantes quanto qualquer outra questão corporativa”, diz Amy Wrzes­niewski, professora de liderança em Yale, nos Estados Unidos. Amy conta que, à medida em que começaram a ganhar espaço na mídia e passaram a determinar o des­tino das corporações, esses assuntos se infiltraram mais e mais nas aulas. “A gente fazia análise de casos uma vez por mês – agora, tem uma crise por dia”, contou Lyn­ne Andersson, professora de RH da escola de negócios Temple, em uma entrevista ao jornal The Financial Ti­mes. A universidade, que fica na Filadélfia, passou a exi­gir que todos os alunos façam pelo menos uma matéria relacionada à ética durante a formação. Até então, a de­terminação valia apenas para os que buscavam especia­lização em recursos humanos.

Com isso, questões antes relegadas a um punhado de matérias eletivas – caso de sustentabilidade e de res­ponsabilidade social, só para citar duas, passaram a fa­zer parte da grade curricular. Para se ter uma ideia, no fim do ano passado, o New York Times publicou uma re­portagem mostrando o aumento do número de alunos interessados em trabalhar com “compliance”, área que assegura que os negócios são feitos em conformidade com a lei, com a ética e com a transparência. O termo, ouvido à exaustão em delações premiadas e em acor­dos de operações como a Lava Jato, já anda rondando as escolas brasileiras. “Na administração, se estuda o fenômeno que acontece na vida real para gerar teorias. O movimento existe, logo, gerar conhecimento a partir dele é muito importante e as empresas, claro, têm inte­resse nisso”, diz Angela Yojo, da Universidade de São Paulo (USP). É preciso incutir novos valores na cabeça das pessoas que começaram a pensar o mundo dos ne­gócios décadas atrás. A Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, por exemplo, tratou de criar um workshop sobre diversidade para seus professores e funcionários. “Muitos pertencem a outras gerações e sentem dificul­dade em lidar com essa nova dinâmica”, explica Luiz Artur Ledur Brito, diretor da FGV-SP. Grupos de alunos ativistas estão reivindicando que essas aulas sejam es­tendidas aos graduandos.

Em Harvard, os programas passaram a abraçar tam­bém outra causa: o sexismo. No segundo semestre do ano passado, casos de assédio sexual foram debatidos em Stanford. São dois cientistas políticos que ministram as aulas de ética na prestigiada universidade norte-ameri­cana, aliás. Ano que vem, Fern Mandelbaum, que foi exe­cutiva na Hewlett-Packard antes de se tornar uma das consultoras de CEOs mais conhecidas do mundo, vai estrear como professora em Stanford ministrando um curso com o sugestivo nome de O Design da Igualdade, Como Construir uma Organização Diversa e Inclusiva.

Já a escola de administração da Universidade Vander­bilt, no Texas, propôs a Uber como tema de estudo na gra­duação. A empresa, dona do aplicativo de carona, passou “de heroína do Vale do Silício à vilã da era Donald Trump” por ter acobertado casos de assédio e de ter uma cultura corporativa predatória, na avaliação do cientista político brasileiro Mathias Alencastro, de Oxford, autor de um texto sobre o assunto publicado em janeiro.

Por dentro e por fora

Os novos tempos invadiram não apenas o conteúdo dos cursos, mas também o formato do ensino. Sediada

em São Paulo, a escola de negócios Saint Paul está pres­tes a lançar um serviço de assinatura, nos moldes da Netflix, com microaulas de cinco ou dez minutos que garantem certificações importantes para atualizar o currículo. A assinatura mensal do serviço, previsto para começar a funcionar mês que vem, custa R$ 99. Até en­tão, o curso mais barato da escola tinha mensalidades na casa dos R$ 3 mil. “O que a gente propõe hoje em dia é que as pessoas aprendam constantemente, que estejam ‘always on’”, explica José Cláudio Securato, presidente da Saint Paul. “A nova formação funciona como se fosse um Lego. Cada microcertificação vai ser ligada a outras para formar uma maior”, completa.

E as gerações atuais andam se importando cada vez mais com esse mundo, digamos, diferente. Em 2016, a ONU realizou uma pesquisa sobre responsabilidade social corporativa com 1.699 alunos de escolas de ne­gócio ao redor do globo. Metade dos entrevistados afir­mou que abriria mão de 20% do salário para trabalhar em uma empresa preocupada com o bem-estar de seus colaboradores. Um em cada cinco afirmou que toparia deixar de receber 40% da renda mensal para fazer parte do quadro de funcionários de organizações focadas em responsabilidade social.

Há três anos, a Universidade de Columbia, em Nova York, instituiu um curso obrigatório sobre sexo e con­sentimento para graduandos e pós-graduandos não só dos cursos de negócios, mas também para estudantes de outras áreas. Os próprios alunos estão se mobilizando. Futuros homens de negócios de Columbia, Dartmouth e Harvard se juntaram para formar os Manbassadors, fusão das palavras “man” (homem) e “ambassador” (embaixador), grupos de homens que se comprometem a apoiar as mulheres na luta pela igualdade de gênero no mundo corporativo, que se reúnem para discutir ma­neiras de fazer isso. “Gerenciar a desigualdade faz parte do nosso trabalho”, diz Michael Richardson, aluno do quinto semestre de Columbia. O estudante de 20 anos, que sonha ser CEO de uma companhia da área esporti­va, diz sem pensar duas vezes: “Mesmo que a gente seja beneficiado por essa desigualdade, devemos lutar para que ela chegue ao fim”.

 

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