Para Fabricio Bloisi não basta ser o líder da América Latina em aplicativos e conteúdo para smartphones. Com apetite por novidades, ele quer que sua empresa, a Movile, dona de um dos mais bem-sucedidos aplicativos para crianças da história, seja a maior do mundo
Por Paulo Vieira para a revista PODER de outubro
O escritório em L é densamente povoado, com dezenas de mesas ou estações de trabalho exatamente iguais. Sem divisórias, como está na moda. Em um canto, dois violões, pufes e um totem de videogame sugerem que gente criativa trabalha no espaço. Ao lado dos pufes, a geladeira com cerveja e champanhe é menos frequentada que a copa, onde snacks e frutas também são oferecidos de graça aos funcionários.
A unidade paulistana da Movile, uma das 12 espalhadas por seis países, não é a mais inventiva. A maior parte das 100 pessoas que trabalha lá tem funções ligadas a marketing ou TI. Os responsáveis por criar os novos aplicativos que trarão mais dinheiro para a empresa se concentram em Campinas, no interior de São Paulo, e no Vale do Silício, na Califórnia. Esteja onde estiver, o baiano Fabricio Bloisi, de 38 anos, se confunde com seus comandados. Sua mesa é idêntica à dos demais, mesmo sendo ele o fundador da Movile, a maior da América Latina em conteúdo para smartphones e aplicativos. São da Movile sucessos como o PlayKids, app de desenhos animados e de conteúdo educativo para crianças pequenas, que teve 11 milhões de downloads em mais de 100 países; o iFood, principal site de entrega de refeições em domicílio do Brasil; o Maplink, serviço de mapas; e o Apontador, guia de entretenimento e de serviços. A Movile também é dona de marcas vencedoras em outros países, caso da peruana Cinepapaya, de venda de ingressos de cinema e de teatro, que foi comprada em 2014.
Nascido em uma família de classe média de Salvador, filho de pai médico e de mãe arquiteta, Bloisi sonha grande. A liderança continental não o satisfaz. Quer a Movile campeã mundial de seu segmento – e, quem sabe, em poucos anos, ser reconhecido como um novo Mark Zuckerberg, criador do Facebook, ou um novo Jack Ma, o magnata chinês que fundou e é o chairman do Alibaba Group, também da área de tecnologia.
SONHAR NÃO BASTA
Mais do que traço de personalidade, ambição é estratégia de negócio na Movile. Está mais no âmbito da pessoa jurídica do que da física. Um bom exemplo disso é o que ele chama de “future wall”, parede em que os funcionários colam papéis com o que desejam ter na empresa ou mesmo na vida. Mas sonhar apenas não basta. É preciso traçar metas. Foi o que fez Bloisi com seu próprio sonho, lá atrás, de pilotar helicópteros e, mais, de ter seu próprio brinquedo voador. Para isso, precisava se tornar um empresário milionário. A nova meta é fazer um voo pelo espaço.
Bloisi não tirou a ideia do “dreams come true”, para usar um expressão trivial do cinema norte-americano, de sua própria cartola. Sua tese de mestrado para a pós-graduação da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo (FGV-SP), foi sobre startups americanas que viraram potências – por causa dos sonhos. “Vi em diversos documentos que as empresas que declaravam seus sonhos grandes cresciam mais do que as que não os declaravam. Saí da GV certo de que pensar grande e chamar todos na empresa para pensar grande também faz a diferença.”
Depois de abrir um escritório no Vale do Silício, em 2013, e de ter feito uma especialização em Stanford, uma das mais prestigiadas universidades do mundo, Bloisi percebeu que o “ecossistema” ajuda na ambição norte-americana. Na Califórnia estão as sedes das gigantes mundiais de tecnologia, como Google e Facebook, e a mera proximidade com esses potentados faz com que semana após semana apareçam novas startups de “jovens querendo criar a próxima empresa de US$ 100 milhões”, como diz o empresário.
Por outro lado, sonhar grande está longe de ser uma commodity no Brasil. E isso, segundo Bloisi, não tem relação com nossa enésima última crise econômica. “A maior parte dos empresários daqui tem objetivos pequenos ou simplórios. Ninguém diz que vai construir algo realmente grande. Estamos em um momento especial, de enormes mudanças. O que muita gente vê como risco, a Movile enxerga como oportunidade. Devíamos aproveitar a chance para construir empresas maiores e mais legais.”
Para o cenário ficar ainda melhor, o futuro é doce na visão do baiano. “Atualmente, a internet conecta 2 bilhões de pessoas; em até quatro anos, o smartphone vai conectar 6 bilhões, e o e-commerce, que hoje responde por 8% a 10% das transações comerciais, vai se tornar responsável por 30% a 50% disso. Tudo vai ser pago pelo smartphone. É um mercado que vai criar trilhões de dólares de valor, boa parte dele na Califórnia e na China, mas temos condições de trazê-lo para o Brasil também”, entusiasma-se Bloisi.
AMBEVIANISMO
O violão e os pufes da Movile convidam à dispersão, algo aparentemente impróprio para um lugar com metas tão arrojadas, mas a “meritocracia”, esse termo tão em voga – ou tão em desuso, dependendo para qual setor do país se olhe –, está por trás dos sonhos ambiciosos da empresa. Bloisi criou até um acróstico, o F.I.R.M.E., para designar os princípios da Movile. O M é mesmo de meritocracia, e esse conceito é filho legítimo do “ambevianismo”, a religião fundada pelo trio Jorge Paulo Lemann-Marcel Telles-Beto Sicupira, os imparáveis controladores da Ambev (e das Lojas Americanas, Burger King, Heinz etc.), trio muito admirado por Bloisi que também aposta no sonho grande. Entre outras coisas, o ambevianismo prega que quem cumpre metas tem acesso ao reino dos céus, aqui representado por promoções e bônus agressivos. Por outro lado, quem não as atinge é descartado do jogo.
No caso da Movile, cursos subsidiados em universidades reputadas e participação acionária aguardam os vencedores. A serventia da casa, os perdedores. Bloisi quer funcionários virando acionistas, mas, quando questionado sobre quantos têm stock options, negou-se a comentar o assunto, pois o considera informação estratégica. Pode ocorrer também de Bloisi não querer muita gente por perto. O outro sócio-fundador da Movile, o colega da Unicamp Fábio Póvoa, saiu da empresa em 2010 e vendeu as ações que tinha em 2013. Procurado por PODER, disse “estar muito distante da empresa” para falar sobre ela. “A gente se inspirou muito na Ambev, pegamos de lá a gestão disciplinada e o sistema de bônus. O Google também é uma referência: queremos ser uma das melhores empresas para se trabalhar”, diz Bloisi. De Jorge Paulo Lemann, via fundo Innova Capital, veio em agosto do ano passado algo muito concreto: um investimento de US$ 35 milhões.
Com tudo isso, se medida por réguas convencionais como valor de mercado e lucro operacional, a Movile ainda joga o campeonato de aspirantes. O faturamento anual, que consta no balanço publicado em meados do ano passado, mal chega a R$ 180 milhões; o valor da empresa, número que o empresário também não comenta, já foi estimado em R$ 800 milhões. Mais relevante, contudo, é constatar que a Movile opera no azul, algo não muito comum quando se fala da internet brasileira. E que, desde 2008, quando foi fundada, vem crescendo a um ritmo de cerca de 80% ao ano, segundo a publicação especializada TechCrunch. Nos últimos tempos, Bloisi foi diminuindo a dependência da empresa das receitas provenientes do serviço de avisos de SMS – alertas de gol do time, previsões do horóscopo e mensagens bancárias –, serviço que está na gênese da Movile. Está na nova ordem a aquisição de aplicativos já estabelecidos como o iFood, que desde que passou para as mãos da Movile (e também da empresa global Just Eat) cresceu 45 vezes, de acordo com o próprio Bloisi, e o Cinepapaya.
Ficar de olho nas oportunidades e “tomar risco”, expressão que Bloisi gosta de usar, é o que parece ser o grande atributo de sua carreira. Para o brasiliense Marco Gomes, criador do pioneiro Boo-Box, plataforma que ajuda a destinar verbas de mídia de grandes anunciantes para blogs e pequenos sites, Bloisi vem fazendo com as fusões e aquisições um trabalho “admirável e incomum” no Brasil. “Ele extrai o melhor dessas operações sem deixar que os novos projetos entrem em conflito uns com os outros”, comenta. Gomes, que encontra o fundador da Movile em reuniões periódicas de empreendedores digitais, destaca também a “calma absurda” do empresário. Em uma reunião, parece estar dez passos à frente. Em vez de voar a 5 mil pés, voa a 30 mil”. Uma crítica feita a Bloisi por certo segmento do mercado digital, ironicamente, é justamente a fome de adquirir, e deixar de focar na qualidade dos produtos e serviços já existentes.
CAUSA E CONSEQUÊNCIA
Contada pelo viés do sucesso, a história de Bloisi, assim como a de outros jovens empresários digitais, parece uma demonstração cabal da teoria da causalidade, em que determinada causa A leva à inexorável consequência B. Assim, uma linha reta ligaria a década de 1990, quando um bem preparado e jovem Bloisi cultuava a história de Bill Gates e de sua Microsoft, ao ano de 2015, em que, já próspero, passa a comandar 900 funcionários no Brasil, Colômbia, México, Argentina, Peru e Estados Unidos. Mas a vida real é um pouco mais complexa e por pouco seu destino não foi parar longe da garagem onde instalou a nascente startup que fundou com Fábio Póvoa, em 1998. Louco por aviões e helicópteros, Bloisi foi aprovado no vestibular do ITA, o exigente Instituto Tecnológico de Aeronáutica de São José dos Campos, no interior de São Paulo, e chegou mesmo a começar a estudar. Passou um mês “vendo aviões”. Mas o fascínio pelo vestibular – sim, o vestibular – da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, que ele “adorava” por testar como o candidato “conectava coisas no mundo real”, falou mais alto que a paixão por aeronaves. Aprovado em 1994 na Unicamp, logo viu que Bill Gates não estava em seu curso de ciência da computação, mas isso não seria um problema. Desenvolver sua veia empreendedora era questão de tempo. Logo, iria saber como era administrar uma empresa no Núcleo das Empresas Juniores da universidade. Foram três anos em áreas como direção comercial e de projetos de uma companhia real. Por um triz, Bloisi não se tornou engenheiro de aeronaves, mas o mundo digital vem lhe servindo de plataforma para seguir a muitos pés de altitude. Mudar a sede paulistana da Movile para um novo prédio localizado a cerca de 1 quilômetro do anterior, algo que deve acontecer ainda este ano, parece um capricho. Não fosse por um pequeno detalhe: o heliponto.
PARA ACERTAR
Uma estratégia da Movile, em sintonia com o que é feito no Vale do Silício, é errar muito – e rápido – para acertar. Segundo Fabricio Bloisi, para que o PlayKids desse certo, outros “40 apps foram testados”. “Havia um de funk, um educacional e outros que foram deixados de lado”, diz. Segundo o empresário, no mundo digital os projetos têm de estar prontos em no máximo uma semana. E antes de aprovar um produto, ele deve ser testado junto ao consumidor. “Não sou eu nem o cliente que dizemos o que vai funcionar, mas as pessoas comuns. A partir de certo número de interações, a gente já sabe o que dá certo.” Para Romero Rodrigues, criador do site Buscapé e conselheiro da Movile – o Buscapé foi comprado pela Naspers, empresa sul-africana que é a principal acionista da Movile –, Bloisi é um craque por implantar estratégias como essa. “É muito raro uma empresa conseguir executar tantas experiências diferentes em tempo tão curto. Eles aprendem muito rápido.”
GENTE F.I.R.M.E
Fabricio Bloisi aprendeu bem as lições de administração no mestrado da FGV. Termos como “cultura”, “missão” e “valores” parecem sair de sua boca antes mesmo que o entrevistador faça a primeira pergunta. O acróstico F.I.R.M.E., por exemplo, foi criado para que todos tenham na ponta da língua os valores da Movile. Primeiro vem “gente”, já que ele quer “as melhores pessoas” trabalhando na empresa; o F é de foco no cliente, um clássico; I de inovação, fundamental no setor em que a empresa está inserida; R de resultado, em uma demonstração clara de que só com escala e receita se conquista espaço no mundo digital; M é de meritocracia, outra palavra-chave da empresa; e E, de ética, já que Bloisi acha que é preciso “deixar um legado” – e por isso os negócios devem ser conduzidos de forma íntegra.
MILHÕES DE DOWNLOADS
Galinha Pintadinha, Peixonauta, Turma da Mônica, Thomas e seus Amigos. Esses desenhos animados, conhecidissímos no Brasil e em diversos outros países, aparecem em um vagão de trem, o menu ultraintuitivo do PlayKids, o app mais bem-sucedido da Movile. Disponível para iOS e Android, ele já foi baixado 11 milhões de vezes em 106 países, segundo a empresa. Espécie de Netflix para crianças, o Play Kids foi pensado como uma maneira de levar os personagens aos pequenos quando eles estiverem viajando ou longe da TV. A curadoria de atrações é customizada para os mercados onde o produto está disponível, mercados tão diferentes culturalmente como China, México, Estados Unidos e Brasil. O aplicativo tem uma versão gratuita, com todo o conteúdo educacional aberto, e uma versão premium, que custa US$ 6,99 e permite acessar, de acordo com a Movile, 3.500 vídeos, 400 e-books e dez jogos educativos. O app tem ainda funcionalidades de interação e de controle.