Aos 44 anos – e 25 de televisão –, Fábio Assunção volta a protagonizar uma novela depois de se recuperar de problemas com drogas. Nada vaidoso, ele traça um raio X sereno de sua trajetória
Por Fábio Dutra
Fotos Maurício Nahas
Styling Juliano e Zuel
Fábio Assunção parece seguro de si. Veste jeans, camiseta e tênis, óculos escuros de armação vermelha que dificilmente sairiam em um editorial de moda de alguma revista especializada, e cumprimenta todos de forma simpática e natural, sem a timidez inicial que acomete pobres mortais que chegam a um ambiente desconhecido. Ele saca os óculos, fita os repórteres com os magnéticos olhos azuis arregalados e responde tranquilamente a todas as perguntas. A impressão inicial se mantém, mas o clichê se dissipa no ar: ele está, sim, confortável nos próprios sapatos, mas nada a ver com o perfil canastrão de quem se sente deus entre seres humanos. Fábio Assunção tem uma visão bastante sóbria de si, em todos os aspectos, em um grau tal que fica no limiar entre humildade autêntica e melancolia. Ele fala com a mesma tranquilidade sobre a fama e o dinheiro – que não são seus motivadores –; os trabalhos como diretor de teatro (a peça “Dias de Vinho e Rosas” que acaba de sair de cartaz é o mais recente) e a parca formação formal no assunto – foi aprendendo por assimilação depois de muitos anos trabalhando entre feras –; os livros – que adora e dá a maior importância, mas lê muito menos do que gostaria por ser muito agitado e só conseguir se dedicar a isso na hora de deitar –; a pouca referência no cinema – nunca estudou sistemática e linearmente os grandes filmes e vê coisas pontuais aqui e ali como alvos a serem perseguidos, como Marlon Brando ou Jim Carrey –; e drogas – assunto recorrente que ele encara sem moralismo e sem preocupação com a questão da cura. Nem o aparente declínio da televisão e a ascensão dos youtubers, que podem legar às grandes estrelas de hoje o ostracismo, parece preocupá-lo: “Se eu for esquecido vou para uma praia, curtir a vida”, diverte-se.
O paulista Fábio Assunção vez ou outra puxa um s mais arrastado e nunca treme a língua ao pronunciar o r como convém a seus conterrâneos. Tampouco arranha a garganta ou usa gírias e palavrões como no mais popular “carioquês”. “Vivi 29 anos da minha vida em São Paulo e outros 15 no Rio. Por isso, tenho esse sotaque que parece do Acre”, ri. Hoje, ele vive na capital paulista, onde moram seus filhos, e vai ao Rio de Janeiro para gravar para a TV Globo. Ele acaba de entrar no ar na trama das 7, “Totalmente Demais”, como Arthur, o protagonista atleta que é disputado por Marina Ruy Barbosa e Juliana Paes. A novela é a primeira do ator desde que ele se afastou de “Negócio da China”, em 2008, para tratar a dependência química. Nos últimos anos ele viveu Jorge, dono de um inferninho em “Tapas & Beijos”, sitcom global que se passava em Copacabana e em que os personagens levavam a vida entre romances mal resolvidos e pequenas contravenções. Do anti-herói da comédia ao galã atleta, foram-se alguns quilos, perdidos com muito sacrifício pelo autoproclamado preguiçoso, que até gosta de andar de bicicleta, mas quase nunca o faz. Junto com a nova forma, voltou a luz de um artista que já foi capa de caderno escolar e é sempre lembrado na lista dos globais que mais provocam suspiros do público feminino desde que estreou na telinha aos 19 anos.
TOTALMENTE À VONTADE
A televisão, aliás, é seu habitat. Ele descobriu o teatro quando foi levado a uma aula do Centro Cultural São Paulo – “eu logo vi que queria fazer parte daquilo, as pessoas se tocavam muito, se abraçavam, era uma energia muito forte e fui para o teatro pelo afeto” – e se inscreveu em curso de dois anos na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul. No fim do primeiro ano já havia passado em um teste para a novela “Meu Bem, Meu Mal” – sua atuação foi um sucesso estrondoso e ele não voltou mais à escola. Apesar disso, nunca foi contestado como ator, foi muito elogiado pela crítica como diretor das peças que montou e virou até comediante dos melhores, o que nega: “Eu vivia um cara mal-humorado, cheio de problemas familiares, que trabalhava à noite e de dia estava sempre cansado, não era comédia. O grande barato de ‘Tapas & Beijo’s era justamente que os personagens eram reais, estavam na batalha. Estava todo mundo errado, fazendo coisas erradas, mas o público perdoava porque eles claramente fariam de outro jeito se pudessem, se tivessem tido oportunidade. Era luta para fechar a conta do fim do mês. Não era errado porque não era como um cara que teve uma puta educação, todas as condições, e escolhe o malfeito”, reflete. Pensamos que o papo vai entrar em política, mas ele prefere não se engajar: “Eu acho que você tem de falar de política quando você tem muita certeza e convicção do que está falando. Eu não posso defender uma causa que eu não tenha absoluta certeza e, hoje, no Brasil, me sinto tendo certeza de nada politicamente”, afirma, mantendo a postura de quem sabe seus limites.
Apesar de estar há muitos anos sendo extremamente bem remunerado, o ator não é afeito a grandes investimentos ou em fazer as vezes de empresário. Diz que dinheiro nunca foi sua grande motivação e que a vida financeira é saudável, mas não se atém ao assunto. Prefere falar mesmo de atuar. E conta da nova empreitada no cinema, “A Magia do Mundo Quebrado” (a ser lançado em 2016), em que atua ao lado de João, seu filho de 12 anos – de quem fala o tempo inteiro. Com um filho pré-adolescente e o histórico do drama público da dependência química, é de se pensar se o tema drogas é tratado entre pai e filho. Ele diz que João nunca tocou no assunto, mas que falará tranquilamente sobre isso quando ele quiser saber. Se o filho ainda não quis perguntar, nós queremos: “Isso me marca e vai me marcar para sempre, mas começo a pensar que isso até é uma coisa positiva, dá dimensão para a minha vida. Você não está entrevistando um tipo chapa-branca, acho que carrego realmente mais bagagem”, analisa. E segue, deixando claro que a cura não é a questão: “O mundo está doente, tem muita coisa absurda acontecendo. Muita gente fala sobre drogas com hipocrisia, como se fosse uma questão moral. A humanidade nunca vai estar curada, é um processo. E eu estou em processo de aprendizagem, aprendendo todo dia a ser um cidadão melhor, a me cuidar melhor, a curtir mais o presente”, finaliza, contando que é claro que incomoda falar sobre isso quando focam em sua vida e nos fatos concretos que envolvem sua privacidade, mas não para falar do tema em geral e eventualmente ajudar alguém. E já processou algum jornalista? “Cara, eu já processei, mas não estou mais processando. Eu já estou achando divertido. Tem jornalista e tem comediante”, encerra, tranquilo. Ou seja: ele, definitivamente, não está preocupado em construir uma imagem de semideus.
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