2020 foi um ano muito difícil. Primeiro pela pandemia do novo coronavírus sem precedentes na história moderna, além das questões políticas, econômicas e ambientais com enchentes, queimadas, desmatamento, ciclone bomba, nuvem de gafanhoto, animais invasores, temperatura do planeta altíssima e tantos outros problemas. Ao mesmo tempo, tivemos uma diminuição considerável na poluição do ar, já que as pessoas ficaram isoladas em boa parte dos meses. Diante de todos esses paradoxos, quais são as perspectivas para o meio ambiente em 2021? A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), que reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior formada por juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas e professores universitários, traçou algumas perspectivas para este ano nas questões ambientais.
Início da Década do Oceano
Com o fim da Década da Biodiversidade, a ONU dá início em 2021 à Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. O objetivo é unir esforços de todos os setores relacionados ao mar para reverter o ciclo de declínio na saúde do oceano e criar melhores condições para concretizar o desenvolvimento sustentável. No Brasil, foram conduzidas diversas oficinas para a construção do Plano Nacional de Implementação da Década, com participação de diversos atores da sociedade. A criação de um banco de dados on-line, integrado, transparente e acessível a todos, não somente aos espaços de educação formal, foi a principal necessidade identificada para o país.
COP 26 e COP 15
Em 2021, importantes eventos relacionados ao meio ambiente, dentro do âmbito da ONU, ocorrerão como forma de unir os países em torno de um futuro sustentável. “Será um ano crucial para a agenda ambiental global, com o início da Década da ONU de Restauração de Ecossistemas; a realização – em Glasgow, na Escócia – da Conferência das Partes (COP) 26 de Clima para pactuar acordo sobre as regras de implementação do Acordo de Paris; e a realização da COP 15 de Biodiversidade — em Kunming, na China — para adotar a nova Estratégia Global de Biodiversidade para o período de 2021 a 2050. São oportunidades únicas que o Brasil não pode perder para influenciar, fazendo bom uso das lições aprendidas com as ricas experiências desenvolvidas no país”, comenta o membro da RECN e professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, Braulio Dias, que também é ex-secretário executivo da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.
Impacto das eleições nos EUA
A eleição do presidente Joe Biden nos Estados Unidos e o retorno do país ao Acordo de Paris irá fortalecer a política ambiental global e influenciar países como o Brasil. “No governo do presidente Donald Trump foram sistematicamente desmanteladas mais de cem regulações ambientais de grande importância. O presidente-eleito Biden já indicou que vai começar a, paulatinamente, voltar a implantá-las”, detalha Platais. Já para Dias, a política ambiental de Biden irá impactar e influenciar o Brasil, uma vez que ela é “diametralmente oposta” à política de Trump.
Intensificação da recuperação econômica verde
O ano atual foi marcado por posicionamentos cada vez mais enfáticos das empresas na proteção e conservação do meio ambiente e numa crescente conscientização da sociedade sobre os impactos ambientais de negócios econômicos. “O fato de os setores financeiros de grande envergadura estarem prestando muita atenção ao impacto que a mudança climática está causando no lucro das empresas é de suma importância. O resultado esperado é que estejamos cada vez mais descarbonizados”, comenta Platais, ex-economista do Bando Mundial. Outro fator que caminha nessa direção é a adoção e o fortalecimentos de boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) pelas corporações, o que tem levado grandes investidores a levarem isso em conta na hora de escolher os negócios que receberão recursos.
Novos hábitos de consumo
A mudança dos padrões de consumo da sociedade, em especial da juventude, é um importante aspecto a monitorar ao longo do próximo ano e década, indicam os especialistas. Os modelos atuais de crescimento econômico estão sendo questionados e a economia circular ganha cada vez mais tração e relevância nesse novo contexto.
Cidades sustentáveis
A tendência de cidades em todo o mundo de implantar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas deve continuar em 2021. No Brasil, especificamente, essa ação deve ser liderada pelos novos prefeitos e vereadores eleitos em 2020. Exemplos já existem, como o movimento Viva Água, em São José dos Pinhais (PR), que busca contribuir com a segurança hídrica para milhares de famílias e indústrias locais por meio da recuperação do solo e da vegetação da bacia hidrográfica do rio Miringuava. O projeto é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário em parcerias com os governos municipal e estadual, além de empresas e entidades da sociedade civil organizada. “É preciso dar espaço para a natureza, introduzindo tipologias de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) por meio de tetos verdes nas edificações, jardins de chuvas, canteiros fluviais, biovaletas e parques multifuncionais”, explica a membro da RECN e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Cecilia Herzog.
Olhos atentos à Amazônia
Seguindo a pauta dos últimos anos, a política ambiental para proteger a Amazônia continuará a atrair a atenção da população global. A falta de medidas eficazes para combater o desmatamento – que cresceu 9,5% em 12 meses, passando de 11 mil km² devastados – e preservar povos e terras indígenas seguirá desencadeando pressões ao Brasil vindas a partir da perda de investimentos estrangeiros, boicote a produtos nacionais e sanções comerciais de outros países.
*Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.