Érico Brás defende cotas para seus filhos e dispara: “Não tem negro preso na Lava-Jato. Sabe por quê?”

Erico Bras || Créditos: Divulgação

Erico Bras || Créditos: Reprodução/ Instagram

Érico Brás – no ar no “Zorra” e se preparando para estrear, em novembro, na “Escolinha do Professor Raimundo” interpretando Eustáquio, personagem que foi de Grande Otelo na versão original, coleciona trabalhos de destaque na Globo, como o Jurandir de “Tapas e Beijos”. Outro personagem popular no seu repertório é o taxista Reginaldo de “Ó Paí, Ó”, que vai ganhar continuação em 2019. Engajado, o ator é conselheiro do Fundo de População da ONU e foi considerado um dos 100 negros mais influentes do mundo em uma premiação no início do mês em Nova York. Glamurama foi bater um papo com ele. Dominando a conversa, sua postura de combate ao racismo. Érico contou sobre sua origem muito humilde – “em barraco de madeira na favela” – e defendeu, por exemplo, o sistema de cotas para negros em universidades, inclusive para seus filhos, que estudam em escola particular. E mais: “Música sertaneja é racista”. O assunto vai longe: “Não tem negro preso na Lava-Jato. Sabe por quê?” Vem ler! (por Michelle Licory)

Erico Bras como Eustáquio, personagem que foi de Grande Otelo na “Escolinha do Professor Raimundo” || Créditos: Reprodução/ Instagram

“Abri mão de pouca coisa na vida porque preciso pagar contas”

Érico se considera um ativista. “Faço da minha arte um ato político. A maioria da população negra mora nas comunidades, onde está instaurada a cultura de morte. A morte física, na bala, morte matada, programada pelo estado, que não tem políticas públicas para combater o assassinato de jovens negros e por isso comunga com o plano de extermínio dessa juventude… E a morte simbólica também, já que esses jovens não estão nos espaços públicos. Não podem andar no shopping ou frequentar a praia do Leblon sem se sentirem coagidos. Só fazem parte da sociedade dentro das comunidades”. Perguntamos se ele já abriu mão de trabalhos por não estarem de acordo com essa valorização da identidade negra, postura que Fabricio Boliveira nos contou ter adotado antes de estourar na TV como Roberval de “Segundo Sol”

“Já abri mão de pouca coisa na vida porque preciso pagar contas. Não acredito que um trabalho mal feito, mal escrito, não possa ser melhorado. Aceito o convite, mas tento interferir na forma de abordagem, de que maneira aquilo vai ser falado, como eu quero que aquilo chegue ao público. É difícil recusar trabalho… A não ser que seja mesmo muito ruim. Mas acontece cada coisa… Uma produtora de elenco me convidou para fazer um filme e depois disse que o projeto não vingou porque não havia atores mirins negros no mercado. Isso é uma ignorância absurda”.

“Só tem pessoas não negras com dignidade para vender produtos?”

O racismo existe no mundo todo, mas… “No Brasil está em todos os segmentos. Não tem um negro preso na Lava-Jato. Sabe por quê? Porque quase não tem negro na política… Cada casa, cada família tem um jeito próprio de ser racista. Óbvio que existe racismo na TV. Na publicidade então! Só tem pessoas não negras com dignidade para vender produtos? Tenho um sonho imenso desde criança de ser apresentador. Não tem apresentador negro”.

“Falar que já existe apresentador negro soa estranho”

Agora tem, sim, Lazaro Ramos e Taís Araújo, na Globo… “Só eles. E quantos brancos? Huck, Faustão, Marcio Garcia, Serginho Groisman… São incontáveis. Não estou questionando Taís e Lázaro, mas pra mim falar que já existe apresentador negro soa estranho. Somos mais da metade da população brasileira. Negro consome os produtos da TV. Por mérito, temos que estar representador em percentual significativo. Só tinha um negro em ‘Tapas e Beijos’, eu. Um negro na ‘A Praça é Nossa’, um negro nos Trapalhões. Não é justo”.

“Música sertaneja? É excludente, racista”

E mais: “Os negros americanos comediantes fundaram esse movimento de stand up comedy mundial e no Brasil quem faz é branco. Negro não enche teatro no Brasil com stand up. Mas os brancos são bem sucedidos, e viram apresentadores de TV. Como a gente faz pra derrubar isso? Música sertaneja? É excludente, racista. Não tem negro fazendo sertanejo. Existe segregação”.

“Se respeite”

Érico é baiano. Perguntamos por que, em sua opinião, o Nordeste votou diferente do resto do país no primeiro turno, para presidente. “Posso ser bem sincero? É por conta de um ditado baiano que aprendi desde criança: ‘Se respeite’. A Bahia é um polo responsável pela preservação da cultura afrobrasileira. Ela tem princípios que apenas o Nordeste conserva. Isso influencia no modo de pensar e de viver. Ser artista baiano é completamente diferente, por exemplo. Quando voce vê os baianos que fizeram sucesso no Rio… Wagner Moura, eu, Lazaro… São pessoas que passaram pelo crivo do teatro, que exercitaram e chegaram no cinema e na TV já com bagagem… A minha formação é totalmente afrocentrada. Respeitar o candomblé era necessário como herança ancestral…”

“Sou filho de empregada doméstica com pai alcoólatra, mal tinha o que comer”

Foi difícil vencer na vida? “Sou de uma família negra, nascido na periferia de Salvador, no Curuzu, na Senzala do Barro Preto, onde existe o Ilê Aiyê desde a década de 70. Sou filho de empregada doméstica com pai alcoólatra… Vivi em uma invasão e mal tinha o que comer. Estudei em escola pública precária. Mas muitas pessoas me guiaram ao longo da vida, orientações inclusive religiosas, no candomblé. Sabia que para abrir portas eu precisava estar informado, ser um intelectual… E acreditar que um dia seria, sim, um apresentador de TV. Morava em favela, em um barraco de madeira, mas na TV via Mussum, Tião Macalé. O Estado jogava sempre contra mim. Só me entregava fome, polícia, tráfico de drogas… Ao invés disso, busquei escola, biblioteca, esporte, saúde”.

“Trabalho em uma empresa capitalista. Se você não der retorno financeiro, está fora”

Érico não descansa. “Eu preciso lutar dobrado, remar contra a maré. Trabalho em uma empresa capitalista. Se você não der retorno financeiro, está fora”. E qual o significado de fazer o mesmo personagem que foi de Grande Otelo na “Escolinha”? “É uma honra. E significa recompensa. Eu saía da escola às 17h correndo pra ver a ‘Escolinha’. Meu encontro com Grande Otelo vem de antes. Já o interpretei na cerimônia do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e hoje protagonizo a publicidade de uma empresa da qual ele foi o maior garoto propaganda [Óticas do Povo]”.

“Gente, negro favelado consome margarina”

O ator elogia seu contratante. “O dono dessa empresa é um dos poucos que acredita que negro vende. Teve uma atitude vanguardista ao escalar lá atrás o Grande Otelo, já pagava bem na época e continua pagando. Gente, negro favelado consome margarina, papel higiênico, biscoito, leite. É o que a classe C come no morro! E consome esmalte, batom, calcinha de 1,99. A publicidade brasileira não usa negros porque não quer”.

Grande Otelo e Erico Brás: inspiração || Créditos: Reprodução/ Instagram

“Negro não é ladrão porque quer”

A gente quis saber se Érico acha justo que seus filhos, mesmo matriculados em escola particular e com um bom padrão de vida, usufruam de um sistema de cotas para negros em universidades. “Absolutamente sim. Serei sucinto: o Brasil é um país de herdeiros. Por mais que um branco não seja rico, é herdeiro de algum privilégio, mesmo que não saiba. Nossos políticos são velhos, feios, recalcados, antigos. Cota não é humilhação. É reparação para o povo negro que foi trazido na marra pra cá. Depois da abolição, não deram para o negro nem condições de voltar para a África. Negro não é ladrão porque quer. É porque não tem condições de ser outra coisa. Se você perguntar para um rapaz negro de 18 anos se quer entrar na faculdade, acha que ele não quer? No entanto, se você olhar o percentual de negros que entraram na faculdade… Um garoto da favela não tem como escolher. Quem gosta de pobreza é a elite. Por outro lado, conheço uma gama de não negros da zona sul [carioca] que não leram um livro nos últimos três anos”.

“Se eu passar correndo em Copacabana, assusto”

Ele continua: “Meus filhos estudam em escola particular, eu e a mãe deles somos bem sucedidos, mas isso não conta porque somos exceção, menos de 1 por cento no país. A vantagem social dos meus filhos não conta. Não dá pra colocar isso na balança, comparar. Falar do filho do Pelé, do Lázaro, do Érico… Eu moro em Copacabana e a única família negra do meu prédio é a minha. Se eu passar correndo em Copacabana, assusto. Se é preto, tem desvantagem social e direito à cota. Você quer uma cota na favela, morar no morro? Todo mundo só quer o que é bom”.

“Fomos indenizados e viajamos para Nova York”

Érico foi assunto na mídia ao processar uma companhia aérea por racismo. Sobre isso… “Não gostaria de falar porque está encerrado. Foi um episódio ruim. Com a nossa consciência política, recorremos à Justiça e eles tiveram que pagar por seu erro. Fomos indenizados e viajamos para Nova York com o dinheiro. Problema de quem discriminou… ”

 

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