De segunda à sábado grande parte dos brasileiros param para assistir “O Outro Lado do Paraíso”, novela de Walcyr Carrasco que anda arrebatando a audiência no país. E em meio a uma trama tensa, com muita vingança, agressões mortes e revelações, um núcleo em especial tem arrancado boas risadas quando ocupa a telinha. É quando entra em cena o Dr. Samuel (Eriberto Leão), a enfermeira Suzy (Ellen Roche), sua ex-mulher e mãe de seu futuro filho, Cido (Rafael Zulu), seu namorado, e a mãe Adinéia (Ana Lúcia Torre).
Essa parte da história em que o médico austero é forçado a sair do armário, começou tímido mas caiu nas graças dos telespectadores e foi ganhando mais e mais espaço. Eriberto Leão, figurinha carimbada em novelas da Globo, normalmente encarnando galãs, nunca tinha conseguido tanto sucesso como com o papel do filhinho de mamãe enrustido que, depois de muito tempo levando uma vida dupla, pego no flagrante com outro homem. Não é a primeira vez que o ator faz um personagem cômico – já fez em “Guerra dos Sexos” e em “Malhação” -, mas nenhum deles passou perto da repercussão conseguida com o “Tigrão” que virou “Tigrete”. Tudo sobre as delícias de seu personagem e muito mais na entrevista abaixo!
Glamurama: O público está adorando o núcleo do qual você faz parte, em particular sua atuação como doutor Samuel. Você também está curtindo esse papel?
Eriberto Leão: “O ator tem que ter a opinião dele e também ouvir a dos outros – amigos, colegas e o grande público. Acho que aí você chega a uma ideia mais verdadeira do que está sendo apresentado. E o que eu e os outros pensam está batendo. Não tem um dia em que eu não receba um elogio. Acredito que esse pode ser sim o meu melhor trabalho até agora. Creio que, aos 45 anos, ter aceito o convite do Walcyr [Carrasco] e ter abraçado um personagem tão polêmico seja o maior desafio da minha carreira. Tive que me preparar e me jogar de cabeça. Ou fazia muito bem, ou não fazia… Não é um personagem que dá pra fazer mais ou menos. Estou muito satisfeito.”
Glamurama: Como tem sido a resposta do público?
Eriberto Leão:“Recebo mensagem de pessoas que passaram pela mesma coisa. Mensagens que não respondo, porque não seria possível pela quantidade, mas guardo todas pra ler. São pessoas que resolveram abrir isso pra família depois de ver a cena com a Ana Lucia (Torre), em que ela tem uma conversa séria com o filho. Foi uma das cenas em que realmente me emocionei. A resposta que a gente tem das pessoas na rua é impressionante. Somos abordados de uma forma muito calorosa e carinhosa. Pessoas se comunicando por olhares e sorrindo, gente que levanta e vem elogiar de um jeito que nunca aconteceu na minha vida. Já tive grandes personagens, mas esse é o primeiro que cai no gosto popular.”
Glamurama: Pretende aceitar ou procurar papeis mais divertidos?
Eriberto Leão:“Pretendo aceitar desafios, sempre, e penso que um personagem atrai outro. Sou sempre surpreendido, não tem como prever o que vai acontecer. O que posso falar é que estou ficando afiado na comédia, mas gosto de tudo.”
Glamurama: Pode nos adiantar algo do futuro de Samuel na trama?
Eriberto Leão:“Nós, atores, que trabalhamos com o Walcyr [Carrasco], somos como o público: nos surpreendemos de bloco em bloco. Tudo é possível. Quando eu ia imaginar que moraria com o Cido, minha mãe e que depois a Suzy iria voltar? Então não tenho a menor ideia. Tudo pode acontecer.”
Glamurama: Como você gostaria que terminasse a relação do trio?
Eriberto Leão:“O Samuel assumiu sua sexualidade, foi morar com o namorado e agora está descobrindo um novo amor que ele não conhecia, que é o amor de pai. Eu sou pai de dois garotos e sei como é isso, quando uma pessoa ama um filho mais do que a si mesmo. E, por consequência, o amor que eu tinha pela minha esposa aumentou depois que ela gerou nossos filhos. Então, o sentimento que Samuel já tinha pela Suzy pode mudar agora que ela está gerando uma filha dele, que é o que ele tanto queria. Acho que tudo pode acontecer. O Samuel está perdido e encantado, tanto que ele e Cido têm se desentendido. A gravidez veio para bagunçar a cabeça dele. Não consigo nem apostar em um final, tudo é possível.”
Glamurama: Como é a química do seu núcleo nos bastidores?
Eriberto Leão:“É de uma alegria, de uma intimidade e respeito muito grandes, com muita sintonia envolvida. Somos capitaneados pela Ana Lúcia Torre e, a partir da presença dela, fomos chegando a um tom que é único – um dos grandes méritos do nosso núcleo, termos atingido uma unicidade. E a própria Luciana Fernandes (Irene) que chegou agora já está muito conectada. A Ellen [Roche] é de uma generosidade e disciplina absurdas. Sou muito grato a ela, à forma como nós nos conectamos durante a preparação para o papel. Na última gravação tivemos que interromper a cena porque nosso técnico não conseguiu segurar a risada. Esse astral não tem preço.”
Glamurama: Você temia o momento em que Samuel fosse sair do armário? Qual foi a cena mais desafiadora?
Eriberto Leão: “Tiveram muitas cenas desafiadoras, desde as em que ele revelava seus fetiches até quando foi flagrado pela mãe e pela esposa, vestido de mulher dublando uma cantora mexicana – uma cena dramática com referências de David Lynch e elementos cômicos, com a enfermeira correndo pelo quarto. Mas diria que a mais difícil e que me deu maior orgulho foi a cena em que a mãe aceita a homossexualidade do filho.”
Glamurama: Como pai, como você lidaria com o fato de ter um filho homossexual?
Eriberto Leão:“Eu gosto muito do que o Joseph Campbell diz sobre o ser humano, que cada um nasce com uma lenda pessoal e cabe aos pais abrirem o caminho para que seu filho ou filha viva a lenda dele ou dela. Eu tive pais que foram assim comigo e sou um pai que busca isso diariamente. Seja qual for a lenda pessoal dos meus filhos (João, 6 anos, e Gael, 5 meses, frutos do casamento com a atriz Andrea Leal), eles terão meu apoio. O que for verdade pra eles será pra mim.”
Glamurama: É bacana ver um tema delicado sendo tratado com tanta leveza…
Eriberto Leão:“Acho que esse é o grande mérito do Walcyr Carrasco e do Mauro Mendonça Filho, nosso maestros: levar um tema polêmico, um mote tão difícil, com leveza ao público. O resultado é toda essa identificação que a gente vê nas ruas, de pais pedirem pra tirar foto com os filhos no colo com um personagem que vivia uma grande mentira, um homossexual enrustido que se travestia, que traiu a mulher e que agora não tem mais esse fetiche porque tá numa relação estável. Foi justamente essa libertação dele o divisor de águas para o público ‘abraçar’ o Samuel. Se eu pudesse falar para as pessoas o que eu sinto é carinho e alegria. Algo que não podia imaginar.”
Glamurama: Você acha que esse tipo de relação a três pode rolar na vida real?
Eriberto Leão:“Sou um outsider – 45 anos, casado há 9… O que posso dizer é que na época de alguns dos meus maiores ídolos, a Tropicália e o movimento hippie, nos anos 1970, isso existia. Aí John Lennon anuncia que “o sonho acabou” e a gente segue em constante transformação. Acho importante o Walcyr levantar isso. É contraditório ser fã desses artistas e ter preconceito, né?”
Glamurama: Já era esperado o sucesso desse núcleo e o rumo que tomou?
Eriberto Leão:“Não digo por mim, mas por ter Ana Lúcia Torres e Ellen Roche, acho que já tinha essa ideia sim. Desde minha primeira cena, quando Samuel está conquistando a enfermeira, já tinha esse mood divertido, que foi crescendo e conquistando o público. Ainda assim não imaginei que seria dessa maneira. As pessoas vêm falar comigo dando risada.”
Glamurama: Planos futuros no teatro, TV ou cinema?
Eriberto Leão:“Eu vou pra música… Meu último espetáculo foi um musical sobre Jim Morrison, que ficou em cartaz por três anos e foi muito gratificante pra mim. Emendei várias novelas nos últimos anos. Posso dizer que gosto muito de trazer grandes nomes de volta, de ‘subir nos ombros dos gigantes’. Penso que praticamente tudo o que deveria ser dito já foi dito pelos grandes mestres, e na música penso da mesma forma: as músicas capazes de salvar e mudar o dia e o humor de alguém, já foram criadas. Então meu próximo projeto com certeza será mais voltado para música do que pra dramaturgia.” (por Julia Moura)