Enquanto as relações são cada vez mais virtuais e a mania de ser aplaudido e curtido só aumenta, proliferam nas redes sociais pessoas que fazem diários abertos de sua vida. Até que ponto isso é saudável?
Por Thayana Nunes para a Revista J.P
Kiuuu! Se você ainda não escutou essa expressão, em breve ela pode fazer parte do seu vocabulário. Tudo porque uma jovem de 23 anos, de São Luís, no Maranhão, a nova queridinha do Snapchat – aplicativo de vídeos e imagens que só podem ser vistos por 24 horas – solta um “Kiu” no fim de cada frase em seu perfil. Por enquanto, sua conta no Instagram é seguida por mais de 70 mil pessoas. Thaynara Oliveira Gomes, a Thaynara OG, não desgruda do celular, se filma e fotografa o dia todo, mostrando cada detalhe de sua rotina, em casa, na academia ou em uma viagem com a família. Na pequena tela do aparelho, ela vê a si própria, mas o que busca mesmo é atrair o olhar do outro.
Thaynara é apenas mais um recente exemplo da sua geração e dos muitos fenômenos que surgem a cada dia no vasto universo virtual. É na internet que ela socializa, faz amizades, paquera e, mais do que tudo, ganha a atenção que tanto procura. Mas por que essa necessidade imensa de aceitação do outro? Por que essa busca constante por uma curtida, um emoji com carinha feliz?
Não que isso seja algo de agora, que fique claro. Se hoje o que te faz ganhar o dia é um “like”, antigamente nossas avós colocavam suas melhores roupas para passear na pracinha no domingo à tarde, para verem e serem vistas. As redes sociais são apenas o novo meio do ser humano de se relacionar e comunicar – e alcançar as tão desejadas “palminhas”. Para a psicóloga Helena Cunha, membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, todo mundo tem essa necessidade de querer saber a opinião do outro. Segundo ela, Sigmund Freud já dizia em seu estudo sobre o narcisismo que o bebê recebe tantas palavras de incentivo, como “que lindinho” e “como você é perfeito”, que o sentimento de querer a aprovação do próximo começa desde cedo. “É algo importante para fundar o sentimento de autoestima. Com o tempo, quando a gente cresce, isso vai passando”, afirma.
A grande questão é quando a gente se vicia em obter esse olhar de fora. Um exemplo simples, mas que todo mundo já deve ter sentido alguma vez: depois de uma selfie no Instagram, quantas vezes você entrou no aplicativo para conferir quem passou por lá para fazer um elogio? Existe uma sensação de estar sendo acompanhado de perto, de que não se está sozinho. “Acredito que o ser humano tem uma dificuldade tremenda de se curtir, ele acha que isso tem de vir de fora. Mas, na verdade, ganhar uma curtida, mais um seguidor, não significa que te amam”, continua Helena.
Podemos ir mais longe para falar sobre o tema. O historiador Leandro Karnal cita o herói Aquiles, que, na mitologia grega, teve a chance de escolher entre uma vida comum e longa ou curta e épica. Preferiu a segunda. “Fama sempre foi uma aspiração. Os meios de comunicação tiraram o herói do poema épico e o trouxeram para o mundo comum. Mas o que vemos hoje é mais passageiro e muito mais vazio e dependente do alheio”, diz ele. Karnal, estudioso que descreve a sociedade contemporânea como líquida (ideia popularizada pelo polonês Zygmunt Bauman) em que não existem certezas e que está em transformação diariamente, afirma que por meio da internet as pessoas podem ser quem elas quiserem, sem padrões de identidade, e que “tornar-se relevante pelas publicações é o primeiro passo para tentar ser alguém”. “As pessoas estão construindo personagens que convençam aos outros e a si próprias que são relevantes. E há que se notar que fama atrai de namoro a negócios.”
Falando em negócios, se as redes sociais surgiram para conectar pessoas, hoje elas são o grande meio de muitas ganharem dinheiro. Não à toa, ter milhões de seguidores virou sinônimo de ser um digital influencer, persona tão procurada pelas marcas para divulgarem seus produtos. Para o publicitário Walter Longo, vivemos em uma era em que ser relevante nesse universo é essencial e que, para atingir esse objetivo, é preciso ter uma alma digital. “Nossa realidade agora é outra. É preciso entender que precisamos ter cabeça de hiperlink, perceber que o cenário competitivo eliminou barreiras e alterou as regras do jogo. Ter uma alma digital é saber que não há mais separação entre o mundo on-line e o off-line, e atuar de maneira equilibrada entre esses dois universos.” Longo diz ainda que usar as redes não é obrigatório profissionalmente, mas importante para compartilhar conhecimento e mostrar que você tem curiosidade diante do mundo. “Essa vontade de dividir o que você vive é intrínseca ao ser humano, seja no trabalho ou na vida pessoal. A rede social otimiza isso.”
HIPOCONDRIA DIGITAL
Mas nem sempre essas relações estão isentas de conflitos. A busca pelo reconhecimento beira a superficialidade e se intensificou tanto que certos valores são deixados de lado para dar lugar apenas à imagem. Quer dizer: preciso estar beirando a perfeição, publicar fotos de paraísos incríveis e registrar que também fui àquele bloquinho supercool de Carnaval que todo mundo estava. Exibindo apenas prazeres momentâneos que não estimulam a reflexão, já que não há tempo, pois é preciso criar novas imagens e vídeos exaustivamente, sem parar. O psicanalista Claudio César Montoto diz que discute em suas aulas de semiótica na Faap, em São Paulo, que os jovens estão cada vez mais angustiados, “existindo unicamente a partir do olhar do outro” e que as pessoas precisam publicar que estão em determinado lugar para se sentir integradas e fazendo parte da vida em sociedade. Mas quanto realmente elas queriam estar nesse lugar? “É uma auto-obrigação. A partir do momento em que a pessoa faz uma escolha diferente, ela escolhe a solidão. Se não fizer tudo igual, é chata, antissocial e chamada de depressiva. O sujeito quer sustentar isso? Ou prefere o caminho mais fácil de viver uma vida para o outro? É uma luta contra si mesmo.”
O que isso gera? Depressões, melancolias, angústias. “Isso só pode trazer alegrias efêmeras, um vazio sustentável e consultórios psiquiátricos lotados”, completa Montoto. Helena Cunha, que vive nas redes para entender como conversar com os pacientes, muitos deles adolescentes, complementa sobre a solidão e brinca: “Tenho a impressão que o Snapchat é uma ótima ferramenta para quem gosta de falar sozinho, se sentir menos maluco, mais acompanhado”. A pergunta que fica é: vale tudo por uma imagem? Ou é melhor sair de casa e ir para a pracinha como nossos avós? O contato humano agradece.