Poucas coisas são tão desonrosas para um “sangue azul” do que ser forçado a abrir mão da realeza à qual pertence. No caso daquela que fascina o mundo desde sempre, a do Reino Unido, tamanha humilhação jamais foi igual àquela que viveu, em 1936, Edward 8º, que foi soberano dos britânicos por apenas 326 dias.
Sucessor de George 5º, seu pai, no trono britânico, o ex-rei – um título peculiar que poucos ostentaram ao longo da história – teve que escolher entre a coroa e uma mulher, a americana Wallis Simpson, quatro vezes divorciada de homens que ainda respiravam. O cúmulo do inaceitável naquela época. Venceu o amor, aquele que se sente por alguém, e não o que o tio de Elizabeth 2ª notoriamente sentia pela monarquia de seu país.
A história de Edward, que em razão de sua abdicação literalmente perdeu a majestade para voltar a ser apenas alteza real, é bem contada na primeira temporada de The Crown. A série foca na ascensão à cadeira de St. Edward da atual chefe da Casa Real de Windsor, efeito direto daquilo que durante anos foi visto como uma “fraqueza” do príncipe charmoso e antecessor de seu irmão, o rei George 6º. Ele era gago e desastrado, mas reconhecido por historiadores como o monarca que estabilizou a família real mais escrutinada de que se tem notícia, abrindo caminho para que sua primogênita recebesse o cetro que ainda detém, mais de sete décadas depois.
Mas, Edward foi mais humilhado nas décadas seguintes, inclusive depois de sua morte, em 1972. Tudo por conta de sua sempre conhecida ligação e simpatia pelo começo do regime de Adolf Hitler na Alemanha. E pelos conchavos que o também ex-imperador da Índia fez com o führer que, aos poucos, foram se desenvolvendo em um plano orquestrado junto com o genocida para destronar George 6º e recolocar no lugar do pai de Elizabeth 2ª seu irmão rebelde, desta vez, com Wallis como sua rainha consorte.
Não deu certo, claro. Hitler perdeu a guerra, tirou a própria vida na iminência da derrota e deixou Edward ainda mais mal visto por seus familiares. Sua traição ao irmão foi um dos segredos mais bem guardados pelos Windsors durante muito tempo, mas os documentos secretos que tratavam o assunto foram publicados nos Estados Unidos.
Os detalhes desse esqueleto no armário real são contados minuciosamente por Andrew Lownie, jornalista britânico e escritor, em Traitor King: The Scandalous Exile of the Duke and Duchess of Windsor (Rei Traidor: O Exílio Escandaloso do Duque e Duquesa de Windsor). Uma saborosa biografia do tipo “tell all”, de 416 páginas, sobre o breve reinado de Edward 8º e seu subsequente exílio na França, sempre com Wallis ao seu lado.
Lownie é um dos maiores especialistas em realezas europeias, sobretudo a de seu país. O canal direto que Edward chegou a ter com os nazistas dá ao livro, ainda sem edição brasileira, o tempero para torná-lo fascinante pelos apreciadores da monarquia. Graças ao acesso que teve aos documentos proibidos sobre essa ligação perigosa, Lownie faz uma análise perfeita sobre o duque proibido de pisar em sua nação natal sem a permissão de Lilibeth, como chamava Elizabeth 2ª, por quem até nutria certo carinho e considerava sobrinha favorita entre todos os filhos de seus irmãos e irmãs.
Traitor King também soa estranhamente atual diante da iminente morte da rainha, já dando os primeiros sinais de que o fardo, que ainda carrega aos 96 anos, começou a ficar pesado demais.
A reportagem completa está na edição 177 da JP, já nas bancas