Kraudinha é a representação da mulher carioca debochada, irônica, empoderada e trabalhadora. Sucesso no Instagram, a personagem criada e interpretada pelo ator Jonathan Azevedo tem chamado a atenção pela maneira como o humor pode e deve ser usado para abordar causas sociais de extrema importância, como a valorização das empregadas domésticas: “Foi preciso uma pandemia para entender o quanto elas são necessárias para fazer a base estrutural de uma casa acontecer”, explica o ator em papo com Glamurama. Cumprindo a quarentena em sua casa no Morro do Vidigal, no Rio, Jonathan fala sobre a relação abusiva entre patroa e empregada, como a personagem também levanta temas relevantes da sociedade, como racismo, privilégios, infra-estrutura e repressão policial, política e social. Além de contar que sua criatividade está a todo vapor e que projetos é o que não faltam para quanto tudo isso passar. (por Fernanda Grilo)
Glamurama: Qual a principal mensagem da Kraudinha?
Jonathan Azevedo: A Kraudinha é um grito para que todo mundo, não só as funcionárias mas as patroas, comecem a valorizar mais esse trabalho, já que foi preciso uma pandemia para entender o quanto as empregadas domésticas são necessárias para que a base estrutural de uma casa aconteça. Agora, muita gente em isolamento está refletindo o quanto é difícil limpar e manter uma casa inteira limpa. Essa moça (Kraudinha) faz isso a vida toda por um salário indigno. O grito é por mais dignidade para essas mulheres.
Glamurama: Como acabar com a relação abusiva de empregada X patroa?
Jonathan Azevedo: As relações abusivas podem acabar com leis que protejam melhor a doméstica. No caso, eu sempre penso que não só as leis, mas pagamento que possa manter a dignidade, não só dela, mas da família e uma boa estrutura educacional. Um reconhecimento trabalhista bem remunerado começa a dar início a um futuro melhor para elas, como um convênio medico. Essa função é muito grande e agrega muitas coisas.
Glamurama: Em um dos vídeos, a Kraudinha afirma: quando a polícia vê um preto, primeiro atira e depois pergunta. Como é conviver com essa realidade? E como mudar isso?
Jonathan Azevedo: Essa frase mostra, mais uma vez, o posicionamento de toda uma estrutura racista que consegue empregar esse pensamento dentro do próprio policial que é negro. É uma questão muito delicada, que deve ser ‘conversada’ com os meritíssimos, já que essa situação virou quase uma lei em várias cidades do Brasil, uma lei em que o primeiro a ser confrontado deve ser quem deixa a ‘frase’ se normalizar. Então, acho que tudo o que a gente está acompanhando não é só uma questão de justiça, mas dos ministérios também. A gente tem que ir lá para saber porque isso toma essa proporção, porque essa frase mata tanto quanto essas balas que pairam pelo morro.
Glamurama: Como tem sido a quarentena nas comunidades cariocas?
Jonathan Azevedo: De muita dificuldade. Uma coisa que o Brasil descobriu agora é que mais da metade da população no país não tem saneamento básico, não tem água potável, dentro do combate pela vida em que você precisa necessariamente de água e sabão para se proteger. Olhar para isso depois de 500 anos retrata muito do que estamos passando e que nada mudou. Vamos ver se esse novo momento e as novas leis de universalização do saneamento consigam trazer mais estrutura para o morro, porque aqui, se não fossem os projetos sociais como o da Roberta Rodrigues (Vidiga na Social) e do Wagner da Silva do Basquete Cruzada, e outros milhões que estão acontecendo Brasil afora seria difícil as comunidades estarem em pé.
Glamurama: Quais outros projetos tem pensado nesta quarentena?
Jonathan Azevedo: Na verdade, já tinha trabalhos programados que foram pausados pela quarentena. Tem o projeto do meu parceiro e amigo Pedro Vasconcelos que é a série “Casais Inteligentes”, no GNT, em que faço um personagem incrível, o Jorginho, que vai quebrar esse esteriótipo que o Brasil tem com ator negro. O isolamento me trouxe a possibilidade de estruturar meus projetos pessoais, não só minha empresa, mas tudo o que queria trabalhar de roteiro. Estou com uma equipe de roteiristas para fazer os pensamentos e sonhos do Jonathan se tornarem realidade. Quero fazer comédia, contar minha história no teatro, palestrar, fazer música e tudo mais que estou produzindo nesse momento.
Glamurama: Qual sua ostentação na quarentena? Tem acompanhado as manifestações contra o racismo. Acredita que essa situação chegou ao limite e que é possível mudar? Como?
Jonathan Azevedo: Ostentação é ler tudo que estou lendo nesse momento. Penso muito na questão racial por que estou estudando a história do Brasil e consigo identificar que vivemos essa situação (de racismo), desde que chegamos aqui. Essa questão é mundial, que se agrava no Brasil por terem conseguido maquiar tão bem o preconceito durante tanto tempo. Há resquícios de tudo isso que aconteceu dentro do sentimento e da mentalidade de cada jovem negro, da mulher preta então… nem se fala. Mas o primeiro passo para mudar já estamos dando, que é falar e refletir sobre a questão e levar aos órgãos competentes que devem e têm que mudar muitas questões, inclusive leis que favorecem de certa forma o privilégio branco e acabam desencadeando mortes de jovens, mulheres e meninos negros a troco de uma necropolítica (política da morte adaptada pelo Estado). Se essa base estrutural da história do país fosse ensinada na escola, talvez eu já estivesse preparado para as dificuldades da vida. A gente só vai partir para uma melhor quando abraçarmos um a história do outro e reconhecermos de fato quem construiu o Brasil.
Os episódios com a rotina de Kraudinha podem ser acompanhados no IGTV de Jonathan. Play para conferir um deles!