Do sagrado ao profano: a comida, os agitos e a cultura de Israel

Em sentido horário: o Museu de Arte tem uma arquitetura impactante e seu acervo permanente possui obras de Chagall, Picasso e Kandinsky; o mercado Carmel vende de comida a eletrônicos, a preços sempre negociáveis. O lugar diz muito da essência de Tel-Aviv; acima do Porto da Pesca fica a cidade velha Jaffa. Suas ruas estreitas e casas de pedra datam de 3 mil anos||Créditos: Divulgação/iStock/Paulo Sampaio/Revista J.P

Visita a Israel revela que ali se produz muita alegria. Além da ferveção, J.P registrou a atmosfera animada da cidade, a delícia dos cardápios variados e, claro, a sagrada Jerusalém

Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de janeiro

De perto, Tel-Aviv é um balneário em época de férias. Quando J.P esteve lá, o céu estava azul, com sol de primavera, e soprava uma brisa morna na praia. No calçadão, o povo passava cheio de saúde, rindo, gesticulando. Os israelenses são barulhentos, animados e espaçosos, três predicados bastante familiares para nós brasileiros. Nos cafés, cabeludos tipo hippie vintage, com batas e sandálias de couro, e garotas de vestidão florido e cabelos crespos ao vento curtem uma trilha sonora que inclui versões de músicos locais para canções como “The Long and Winding Road”, dos Beatles, e “Mr. Tambourine Man”, de Bob Dylan. “Aqui, se você não é banqueiro, só veste terno no dia do casamento”, diz um dos guias, Karl Walter. As mulheres e os gays do nosso grupo parecem encantados com o padrão de beleza masculina, alegando que ali eles têm “cara de homem”. Referem-se especialmente aos judeus sefarditas, cujo biótipo moreno, de nariz grande, sobrancelhas grossas e queixo ovalado é festejado por visitantes dos quatro cantos do mundo.

O outro guia, Shai Deutsch, nos leva para um passeio pelo centro. Deutsch, que é militante gay, dá uma parada em uma das esquinas mais movimentadas da cidade, da rua Allenby com Boulevard Rothschild, e diz orgulhoso que “a Madonna comprou os quatro últimos andares desse prédio”, enquanto aponta para o topo do novíssimo Meier Building. Durante a caminhada, passamos por pontos de referência da cidade, como o centro financeiro e o Museu de Arte de Tel-Aviv. No primeiro, estão não só as sedes dos principais bancos e escritórios de investimentos, como as residências dos homens mais ricos do país. Curiosamente, muitas vezes esses financistas moram no mesmo prédio em que trabalham. Por sua vez, a maioria dos profissionais liberais bem-sucedidos vivem em condomínios de edifícios altos, modernos, valorizadíssimos, em uma região distante do centro de Tel-Aviv conhecida como Northern – que lembra a Barra da Tijuca, no Rio. O museu de arte funciona em um prédio impactante, de arquitetura contemporânea, e tem um respeitável acervo. A coleção permanente inclui Chagall, Kandinsky, Picasso, Pollock e Alexander Archipenko. À tarde, o grupo desembarca em Jaffa, a “cidade antiga”, que fica na extremidade sul da orla. Erigida há 3 mil anos, foi reconstruída 18 vezes, em cima dos escombros deixados pelas guerras. Walter nos diz que, se escavarem o solo, vão encontrar vestígios de todas as civilizações anteriores. Cruzamos ruas estreitas com arranjos de plantas, cercadas de casas de pedras, até chegar ao Jardim do Pico, um ponto alto onde há um calçadão com vista para o porto e para Tel-Aviv à distância. Vários casais de noivos aproveitam a prediação de época para posar para fotos, devidamente paramentados.

Em sentido horário: detalhe do restaurante Dr. Shakshuka; ovos pochê com molho de tomate e especiarias, especialidade da casa; Haim Bashuk vende 30 blends de café em sua “tenda” no meião do Carmel||Créditos: Paulo Sampaio/Divulgação/Revista J.P

PASTAS & PÃES

Todos os dias nossos anfitriões nos levam para comer em lugares incríveis. No Dr. Shakshuka, que fica em um galpão grande, de chão de cimento, cadeiras de plástico e panelas e quinquilharias de ferro penduradas em correntes que pendem do teto, o prato que dá nome ao lugar é feito com ovos cozidos e molho de tomate. Assim como o falafel, é considerado “comida de rua”. Nos receberam com um mezé de pastas e pães que levou o grupo a um acesso de compulsão alimentar. Ainda teve ensopado de carneiro. Nesse ponto, os israelenses são como o mineiro ou o baiano: fazem tudo para oferecer o melhor dos pratos típicos, e em grande quantidade. Na noite seguinte, nos levam a algo mais globalizado. O Blue Rooster mistura clássicos da comida israelense com delícias do mundo todo, como t-bone de carneiro tostado em alho e alecrim, almôndegas, amêndoas e pasta de gergelim quente; e miolo de alcatra em uma crosta de semente de girassol, acelga, purê de espinafre e óleo de trufa. Supimpa. No Bindella, que fica no centro badalado de Tel-Aviv, na Montefiore St., eles servem, pra começar, uma baguete “evoluída”, com azeite, alho e mel; carpaccio de lula e salada de anis, menta, basílico, pimenta fresca, limão e azeite; filé de peixe trufado, preparado com cogumelo, vinho tinto, brócolis e alho-poró. A movimentação entre as mesas é grande, um público estiloso, só os lindos, gays a rodo, incluindo o dono, um suíço careca cheio de graça.

Em sentido horário: os quatro últimos andares do Meier Building, no cruzamento do Boulevard Rothschild com Allenby Street, pertencem à cantora Madonna; o Blue Rooster serve um delicioso t-bone de carneiro tostado; quarto de um dos apartamentos do Meier Building. No centro, o chef Shaul Ben Aderet, do Blue Rooster||Créditos: Divulgação/Paulo Sampaio/Revista J.P

No penúltimo dia, nosso grupo embarca cedo para Jerusalém, em ritmo de desaceleração. Lá, em um cenário de pedras e abóbadas, somos envolvidos por um sem-número de histórias sagradas. A luz amarelada do sol nas pedras compõe uma atmosfera repleta de antiguidade. Karl Walter e o guia paraense radicado em Tel-Aviv Samuel Ben Zikri nos avisam que quem se perde ali dificilmente consegue ser encontrado depois: “Portanto, prestem atenção para acompanhar o grupo”. Igreja do Santo Sepulcro, Muro das Lamentações, mercado… Ali, a praxe é dizer “nossa, caríssimo”, logo depois que o vendedor diz o preço. Então ele insiste, baixando o valor. Depois de umas três dessas, o visitante leva o “souvenir” por menos de um terço. A peregrinação continua. À noite, vai todo mundo jantar no Olive & Fish, e tome comida gostosa: abobrinha grelhada, sopa de lentilha vermelha, iscas de peixe fritas, e por aí foi… O calor que fazia durante o dia foi substituído por um vento gelado. O embarque de volta para o Brasil está marcado para 5 da manhã. Os mais ansiosos sofrem por antecipação com a perspectiva de passar 17 horas entre voos e escalas, no extenuante périplo de volta. Mas, como em tantas culturas tão diferentes da nossa, fica a impressão boa de que ninguém viaja meio mundo para voltar na mesma. Isso faz da visita a Israel algo definitivamente extraordinário.

*O jornalista viajou a convite do Ministério do Turismo de Israel

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