Uma das anfitriãs mais ecléticas do Rio, a paulista Ruth Almeida Prado recebia em seu tríplex de Copacabana personagens como o ex-ministro Mario Henrique Simonsen, a cantora Aracy de Almeida e Sabine Cassel, mãe do ator Vincent Cassel. Muito antes da moda da cozinha fusion, ela já servia acarajé com caviar. Quem nos ajuda a reconstituir a personalidade dela é sua neta Alix Duvernoy, apontada como herdeira do temperamento extravagante da avó
Por Paulo Sampaio para a revista J.P
Ah, que calor, ô, ô, ô – ô, ô, ô! Ao se juntar ao grupo de foliões cariocas Carnageralda, criado por jovens colunáveis do Rio que saem pelas ruas da zona sul usando fantasias estilo luxo e riqueza, a empresária jet setter Alix Duvernoy preferiu o velho e bom “menos é mais” – e circulou pra lá e pra cá de topless. Várias milionetes encaloradas fizeram o mesmo, mas os royalties da brejeirice já eram dela. Alix (saiba mais dela aqui) tem em seu sangue o DNA de vovó Ruth Almeida Prado, uma das figuras mais memoráveis da sociedade do Rio. Paulista quatrocentona, Ruth se casou com o pecuarista carioca rico-muito-rico Theodoro Eduardo Duvivier Filho – ex da bombshell Elvira Pagã –, migrou para um triplex atrás do Copacabana Palace e tornou-se uma personagem da cidade. “Muita gente diz que eu tenho o temperamento da minha avó. O (decorador) Chicô Gouvêa, quando me conheceu, ligou para minha mãe para dizer que foi o caso mais rápido de reencarnação que ele tinha visto”, diz Alix, que vive em Londres, e faz curadoria de joias assinadas com a sócia meio argentina, meio francesa Victoria Botana de Beauvau, ex-Dior e ex-Hermès.
Superbem conectada, Alix frequenta o círculo dos príncipes em Saint-Tropez e é íntima das herdeiras Sabine Getty, Noor Fares e Eugenie Niarchos, que se ocupam desenhando joias. Neste ano, no Carnageralda, foi vista beijando ardentemente o cobiçadíssimo modelo francês Baptiste Demay. “Apesar de ter sido criada em São Paulo e de ter muitos amigos aqui, eu me divirto mais no Rio. A elite de SP é muito careta. Se você beija uma mulher, já é sapatão. Recebi e-mails de conhecidos do mercado financeiro me aconselhando a não ficar topless, para não me expor. Davam a entender que, daquele jeito, ninguém me levaria a sério.” Seu último namorado foi um alemão com quem manteve um relacionamento de quatro meses; o anterior, “um árabe bem mais velho”. Diz que já se envolveu com “caras de todas as idades, e de todas as nacionalidades”. Como muitas garotas, ela se queixa do descaso com que os homens tratam as mulheres: “Se eu gostasse de mulher, tudo seria mais fácil. Elas penteiam seu cabelo, amarram seu tênis, servem sua bebida. Mas é que realmente não gosto para sexo”.
ARACY DE ALMEIDA
Convocamos Alix para uma experiência osmótica. Já que, desafortunadamente, sua avó não está mais entre nós, ela “passaria” um pouco da personalidade excêntrica de Ruth para nos auxiliar a escrever um perfil. Logo se percebe que as histórias são almodovarianas. “Minha avó falsificou todos os documentos, da certidão de nascimento ao atestado de óbito, para não descobrirem a idade dela. Colocava sempre dez a menos. Ela nos fez jurar que jamais contaríamos a ninguém com quantos anos morreu.” Pois aí vai, em primeira mão: os 74 anos do atestado são, na verdade, 84. Como a própria Alix está com apenas 30, e conviveu pouco com Ruth, foi preciso recrutar sua mãe, Vera Duvivier, para fazer o registro do factual. Vera, ela mesma, teve três relacionamentos longos. Aos 17, casou-se com o empresário carioca Paulo Sérgio Leme da Fonseca (“não foi pressa de sair de casa, eu realmente me apaixonei”, garante); aos 20 e poucos, já estava com o empresário de TV José Octávio de Castro Neves; o terceiro marido foi o pai de Alix, Jorge Duvernoy, ex-diplomata que se tornou sócio do Banco Multiplic – os dois ficaram juntos 25 anos e tiveram três filhos; no momento, ela namora o ex-playboy Baby Guinle. Vivendo em um amplo apartamento nos Jardins, em São Paulo, Vera recebe J.P com a verve da carioca bem-nascida. Faz o tipo que não emprega artigo antes das palavras “papai” e “mamãe” e usa roupas confortáveis sem perder a elegância. “Você podia até não gostar do que mamãe vestia, mas tinha de reconhecer que ela era dona de uma personalidade forte. Aparecia, por exemplo, com um sapato de cada cor, misturava zebra na estampa da saia com tigre na do casaco e pintava o cabelo com os tons mais insólitos.”
No tríplex da esquina da rua Rodolfo Dantas com avenida Nossa Senhora de Copacabana, Ruth costumava hospedar durante longas temporadas personagens tão díspares quanto a cantora Aracy de Almeida, que gostava de samba e música clássica – mas tornou-se realmente popular como jurada do programa de Silvio Santos –; a socialite Yolanda Figueiredo; o “cantor da noite” Murilinho de Almeida e também um depauperado Jorge Guinle, quando o playboy já estava falido e em fim de carreira. “Qualquer um que ficasse desalojado, ela colocava dentro de casa”, lembra Vera. Entre os frequentadores assíduos estavam o ex-ministro Mario Henrique Simonsen, os compositores Vinicius de Moraes e Baden Powell, e Sabine Cassel, mãe do ator Vincent Cassel. O costureiro Guilherme Guimarães passava praticamente todos os dias na casa de Ruth para tomar café da manhã. Muito antes da moda da culinária fusion, ou contemporânea, Ruth já servia acarajé recheado com caviar. Íntima de todo mundo, a cozinheira Lindaura, que trabalhou 40 anos na casa, morreu de tristeza quatro meses depois que a patroa se foi.
VODCA PURA
O casamento com Eduardo Duvivier durou apenas cinco anos e, segundo Vera, “foi o suficiente para mamãe nunca mais repetir a dose”. “Ela dizia: ‘Uma pessoa muito doida não tem o direito de casar e colocar o parceiro em uma fria’.” Vera diz, muito divertida, que nenhum casamento resistiria àquela quantidade de gays circulando pela casa. Segundo a colunista Hildegard Angel, uma das amigas mais chegadas, “Ruth não tinha preconceito de raça, religião, cor ou orientação sexual, mas era exigente ao eleger as companhias”. “Apesar dos muitos amigos gays, ela não se obrigava a gostar de alguém só porque era gay. Do mesmo jeito, se a manicure fazia uma feijoada ótima, e tinha uma boa conversa, ela ficava amiga e convidava para cozinhar. Ainda juntava a rainha do açúcar nos Estados Unidos e a mãe de santo. E sempre prestigiou os amigos de São Paulo. Foi ela quem apresentou à sociedade carioca o Ciccillo Matarazzo, os d’Orey, os Hafers.” A cartela de cores na decoração do tríplex era sortida, “como uma roupa do Pucci”. Mas Hilde ressalta que, apesar de ser muito autêntica, pouco convencional e extremamente eclética, Ruth não tinha nada de escrachada. “Ela compunha o personagem com muita sofisticação.”
Além de Vera, Ruth teve um filho, Eduardo Neto, que é “bem careta”. Por conta do vestuário extravagante da mãe, e de uma certa intolerância dela aos clichês sociais, ele ficou bastante preocupado quando teve de levá-la para conhecer a família da futura mulher. Além do mais, Ruth era boa de copo. Logo de manhã, bebia uma dose de vodca pura, dizendo que era água de coco. Vera lembra: “O Eduardo pediu a mamãe: ‘Vê se não vai beber e chegar lá de porre. E não me apareça fantasiada de zebra’”. O pior, conta Vera, é que o pai da moça era quase pastor. Ruth respondeu: “Vai começar a me encher o saco, eu nem vou!”. No dia, ela foi a última a chegar. E não dava notícias. Eduardo cada vez mais apreensivo, até que a campainha tocou. Era Ruth, acompanhada de Pompom, “uma bicha muito amiga que morava em Nova York”. “E o pai da Márcia (mulher de Eduardo) beijando a mão de mamãe. Quem assistiu, diz que foi um momento único. Ela até que se comportou muito bem.” Ruth não foi um exemplo de mãe, até porque preferia a ferveção a ter de lidar com criança. “Ela se referia à infância como a idade da gaveta. Você tranca a criança lá dentro e só abre quando ela já estiver apta para ter dor de corno. Inclusive, afirmava sem meias palavras que não fazia a menor questão de ter netos.” Para Vera, que aparentemente não guarda ressentimento, “a grande vantagem de amadurecer (ficar mais velho) é ter a possibilidade de reconciliação”.
LA VIE EN ROSE
Na sala onde Vera e Alix conversam com J.P, uma playlist exclusivíssima compõe o pano de fundo. Mistura mantras indianos, “La Vie en Rose” na versão do cubano Bola de Nieve, “Samba da Bênção” em francês, e Paulinho da Viola, João Gilberto, Alcione (“Sonho Meu”!!): “Gosto de ouvir de tudo, mas especialmente música brasileira, sou apaixonada por samba”, diz Alix, enquanto ajeita o robe indiano de algodão estampado. Para posar para o ensaio de fotos desta edição, escolheu marcas queridinhas como a inglesa Isa Arfen; a francesa Roger Vivier; e brasileiras como Paula Raia. Para prestigiar a mãe, mistura um anel desenhado por Vera Duvivier com um colar de miçangas comprado na Mongólia. Com 1,72 metro e corpão, Alix acreditava estar “gorda” no dia da entrevista, feita em janeiro, um mês antes do Carnaval. Mas não estava, não. Nem mesmo levando em conta as pretensões dela de mostrar-se mais à vontade no Carnageralda. Entretanto, é compreensível que ela houvesse agendado um detox de cinco dias. Agora que Ruth se foi, a neta quer honrar a tradição libertária iniciada pela avó – sem abrir mão da vaidade, exatamente como ela faria.