Um garoto criado por babás, de classe média alta, assíduo da praia, campeão de asa delta e frequentador das festinhas mais populares do Rio nos anos 80. Assim foi a juventude de Marco Archer, mais conhecido como Curumim, primeiro brasileiro a ser condenado à pena de morte por tráfico de drogas na Indonésia, que a partir desta quinta-feira terá sua vida conhecida através do documentário de Marcos Prado. “Curumim” estreia hoje nos cinemas e vai revelar uma série de gravações que Archer fazia dele próprio dentro do presídio, no corredor da morte, escondido dos policiais.
Sempre com uma camisa branca bem passada, ele mostra seus companheiros de cela, “terroristas islâmicos muito perigosos”, como ele os definia, a cozinha de sua cela, suas partidas de tênis e as conversas com o diretor Marcos Prado. No filme há também trechos de cartas que sua mãe escreveu para amigos falando sobre ele. Curumim ficou quase 12 anos preso, mas sempre acreditou que seria absolvido. “Ele era o anti-herói perfeito, um garoto que se perdeu no caminho, viveu todas as loucuras que queria. (…) Ele nunca pegou em arma, o único mal que ele fez foi para os consumidores da droga. Mas também é de livro arbítrio de quem consome. Não se resolve o problema da drogas matando o traficante. Ele é só parte da cadeia produtiva”, disse Marcos Prado ao Glamurama.
Por Denise Meira do Amaral
Glamurama – O filme é forte e também incômodo… O que você pretende mostrar com ele?
Marcos Prado – É… é incômodo mesmo. Mas é bom que as pessoas saibam como foi. As pessoas costumar ter uma visão preconceituosa dos traficantes. E o filme mostra a primeira infância do Curumim, como ele sempre foi adotado por diferentes tribos. Primeiro pela do Arpoador, depois pela turma da asa delta. Ele descobre a droga como uma forma de aceitação, que ele precisava tanto, e nunca teve. Ele acha que não estava fazendo mal traficando maconha. Tem toda uma loucura própria também. Ele construiu uma identidade de alguém que ia viver um filme, como se a realidade fosse uma ilusão cinematográfica. A vida dele foi uma aventura só. Ele escapou da polícia no Brasil algumas vezes. Vivia em uma ilusão de um adulto um pouco infantilizado e foi vivendo fora da realidade, até ser pego.
Glamurama – No filme, ele se dirige muitas vezes para você. Começa as gravações inclusive chamando pelo seu nome. Como se conheceram?
Marcos Prado – Eu conhecia o Curumim da praia do Pepê, no Pepino [no Rio de Janeiro], há muitos anos. A gente convivia, éramos da mesma geração, e fomos nos encontrando e nos reencontrando ao longo da vida. Eu sabia que ele já estava traficando maconha, mas não conhecia os detalhes, os riscos que ele corria na Indonésia. Um dia, quando ele já estava no presídio, a gente se falou e ele me disse que um amigo ia escrever um livro e ele queria adaptá-lo para um filme. Isso foi em 2009. O livro acabou nunca saindo. Em 2012 saiu na imprensa que ele seria executado. Eu li aquilo perplexo porque sempre houve uma suspeita no ar de que ele deixaria o presídio. Tanto que a minha ideia inicial era filmar o Curumim saindo do presídio. A relação entre Brasil e Indonésia estava de vento em popa. E ele também vivia na ilusão de que sairia mais cedo ou mais tarde. Eu achava isso interessante pensando na trajetória do filme, ele era o anti-herói perfeito, um garoto que se perdeu no caminho, viveu todas as loucuras que queria. Ele queria esse filme de qualquer maneira, para resgatar aquele momento dele. Ele tinha se arrependido e queria deixar o legado da experiência que ele teve para não repetirem a história. Mas acabou sendo executado, de uma hora para outra. Em três semanas teve o anuncio e a execução foi em 18 de janeiro de 2015.
Glamurama – A execução do Curumim que aparece no filme é ficcional?
Marcos Prado – Sim, foi uma reencenação. Alguns momentos do filme optei por usar atores e reencenar. Queria que as pessoas sentissem o momento da execução. Para que as pessoas de incomodassem ainda mais.
Glamurama – Quantas vezes você visitou o Curumim no processo da filmagem?
Marcos Prado – Estive com ele uma única vez, em 2013. Trabalhamos de 2012 a 2015. Fui sem câmeras, porque não tive o apoio do Governo do Brasil para tentar uma entrevista oficial. O embaixador do Brasil na Indonésia, na época, achava que o documentário poderia atrapalhar as negociações entre os países. Nos falávamos por telefone.
Glamurama – E como foi essa conversa presencial que teve com ele?
Marcos Prado – Achei ele super lúcido. No filme se levanta a discussão se ele estava lúcido ou não. Achei ele super lúcido, otimista. Claro que com aspecto bastante gasto, os dentes tinham caído, mas ele estava saudável. Ele representa bem a loucura que são os presídios na Indonésia. Tem os presídios iguais aos do Brasil, superlotados, e tem aqueles com quadras de tênis, mercado, três igrejas, tudo construído pelos traficantes nigerianos, que era o dele.
Glamurama – Quantas horas de material o Curumim entregou para você?
Marcos Prado – Tem um total de quatro horas dele dentro do presídio. Ele me enviou seis cartões de memória.
Glamurama – Qual foi seu maior dilema ao fazer um filme como esse?
Marcos Prado – Era se a gente conseguiria humanizar o Curumim, transformá-lo em um personagem complexo, interessante, desmistificando o traficante. Ele foi um garoto que nunca pegou em arma, o único mal que ele fez foi para os consumidores da droga. Mas também é de livro arbítrio de quem consome. Não se resolve o problema da drogas matando o traficante. Ele é só parte da cadeia produtiva.
Glamurama – Por outro lado, você temia que ele fosse glorificado, romantizado?
Marcos Prado – No caso dele acho que não. Porque ele próprio fala para os jovens não seguirem os passos dele. Ele morreu executado, solitário, em um lugar estranho… Acho que humanizei sem glorificar.
Glamurama – Quais são seus próximos projetos?
Marcos Prado – Estou preparando o “Estamira 3”, com o material da época que sobrou. Deve ficar pronto no começo do ano que vem.
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Curumim foi flagrado com 13,5 quilos de cocaína escondidos em sua asa delta no Aeroporto Internacional de Jacarta, na Indonésia, em 2003. Ele faz uma fuga espetacular e sai pela porta da frente do aeroporto, ludibriando a polícia local. Depois de se esconder por 16 dias pelas ilhas paradisíacas da Indonésia, Marco é preso e condenado à morte. Doze anos depois, no dia 17 de janeiro de 2015, se tornou o primeiro brasileiro a ser executado por tráfico de drogas no mundo.