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Dinheiro Verde || Créditos: Divulgação
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Setores financeiro e empresarial passam a valorizar companhias que levam em conta os impactos que produzem no planeta e na população. Mas há quem veja pouca sinceridade nesse movimento representado pela sigla em inglês ESG

POR PAULO VIEIRA PARA PODER

Temos de nos adaptar a esse mundo”, disse o vicepresidente H a m i l t o n Mourão numa longa entrevista à GloboNews, numa semana em que bancos, entidades empresariais, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central endereçaram cartas ao governo federal pedindo o controle do desmatamento da Amazônia. “Esse mundo” de que falava Mourão era o que ele mesmo sintetizou na conversa pelo acrônimo inglês “ESG” – de “environmental, social and governance” –, a preocupação dos setores empresarial e financeiro com a preservação ambiental, com clientes e comunidades impactadas e com os processos de governança.

A sigla há alguns anos entrou na agenda de importantes gestores e investidores, especialmente na Europa e Estados Unidos. Estima-se que haja no mundo cerca de US$ 30 trilhões nos fundos ESG, que são compostos por papéis de empresas que se balizam por essa ética. Larry Fink, CEO e chairman da BlackRock, que tem cerca de US$ 7 trilhões sob gestão – quase cinco vezes o PIB brasileiro –, orienta repetidamente seus clientes a investir em companhias que levam em consideração as questões ambientais, e a razão é possivelmente menos altruísta do que pragmática. Dados da gestora indicam que 94% dos produtos de investimento ESG tiveram performance melhor do que os demais no primeiro trimestre deste ano. Em participação virtual há algumas semanas no evento Expert, da corretora XP, Fink mencionou o crescimento das empresas como a Tesla, montadora de carros elétricos, que hoje tem o mesmo valor de mercado do de suas concorrentes tradicionais nos Estados Unidos e na Europa somados. Para ele, “a sociedade vai exigir [das empresas] cada vez mais em questões como mudança climática, sustentabilidade e equidade racial”. “As grandes empresas do amanhã são as que tiverem foco no social, em tecnologia e nas necessidades de seus clientes e colaboradores”, disse.

As palavras de Fink ainda são recebidas com desconfiança por boa parte do mundo empresarial brasileiro, que traduz sustentabilidade socioambiental como custo. Mas não é tão difícil entender que companhias que investem em seus colaboradores, por exemplo, ganham em engajamento e perdem menos com os custos de turning over (demissões e novas admissões). Quanto ao meio ambiente, a adoção de uma postura mais responsável pode gerar considerável diminuição de riscos financeiros, pois leva a economias na aquisição de crédito e em seguros. Nas empresas de capital aberto, a postura ajuda a criar um “hedge” contra perdas em bolsa. Para exemplificar, a Vale perdeu um quarto de seu valor de mercado no primeiro dia de pregão da B3 após a tragédia de Brumadinho.

A presença de Fink no evento da XP não era casual. A corretora acaba de lançar dois fundos de investimento ESG no mercado e criou uma diretoria exclusiva para o assunto. Também anunciou o compromisso de ter equidade de gênero no seu universo de colaboradores até 2025. Marta Pinheiro, designada para liderar a área de ESG, disse a PODER que “não adianta colocar produtos na rua se não houver uma mentalidade ESG, se isso não fizer parte da cultura da XP”. O pressuposto é endossado pela recente contratação de Marina Cançado, que passa a cuidar do setor de “riqueza sustentável” dos clientes mais abonados. A ideia é ajudá-los a investir em portfólios de impacto socioambiental. “Há cada vez mais uma visão ampliada de riqueza”, diz Marina. “Não é só dinheiro, é deixar um legado para além do patrimônio das famílias.”

TSUNAMI
Desde a década de 1990 montando portfólios de investimentos compostos por empresas responsáveis, Fabio Alperowitch, cofundador da Fama, de São Paulo, vê um “tsunami” ESG em curso. Ele, que já foi chamado de “Greto”, em alusão à jovem ativista sueca do clima Greta Thunberg – apelido do qual ele diz se orgulhar –, fala que há empresas “enganando” seus clientes ao apresentarem-se como ESG. Tanto as que recebem os investimentos como as corretoras, que nelas investem. Para ele, “fundo ESG não existe, o que existe é gestora ESG”. A Fama analisa com rigor quem merece estar em seus fundos e desconfia bastante das companhias que, ao produzir seus relatórios de sustentabilidade, omitem dados cruciais, como a gestão de água e resíduos. Para Fabio, “é preciso entender melhor a natureza da empresa” para então discernir se o que ela faz é ação de responsabilidade socioambiental ou greenwashing. “Fazer doação para uma escola pode não atacar o problema central”, exemplifica. As carteiras da Fama valorizaram-se quase cinco vezes mais que a Bolsa de São Paulo, a B3, em mais de 20 anos. Essa, aliás, é outra característica dos fundos ESG. É preciso dar tempo – talvez muito tempo – a eles.

A julgar pelo valor dos produtos ESG disponíveis no mercado brasileiro, o tsunami de Fabio está, quando muito, para temporal. Em junho ele era estimado em R$ 540 milhões, algo como 1% de todo o montante da “indústria” de investimentos. Mas a tendência de crescimento é rampante – em 12 meses, aumentou 29%. Seja como for, o trabalho cresceu no segmento. Victorio Mattarozzi, “scholar” das questões ESG, com livros publicados sobre o assunto, reporta aumento de demanda estes dias em sua consultoria Finanças Sustentáveis. O consultor avalia que o tema ainda “engatinha” no Brasil e que cabe aos bancos a principal responsabilidade por fazer o sistema alçar voo. “Todas as empresas precisam de dinheiro”, diz. Para ele, riscos ambientais e de governança impactam diretamente o fluxo de caixa das empresas, daí a necessidade de se fazer avaliações rigorosas desses aspectos na hora de oferecer crédito.

Os bancos vêm assumindo esse protagonismo reclamado por Mattarozzi. Bradesco, Itaú e Santander divulgaram um compromisso público de dez medidas – número que parece uma fixação bíblica –, entre elas, “atuar pelo desmatamento zero no setor de carnes” e “estimular monoculturas sustentáveis”. Para Karine Bueno, head de sustentabilidade do Santander, ainda que o diálogo com entes governamentais “tenha de existir”, o setor privado pode fazer muito. Segundo Karine, em 2019 o banco alocou R$ 13,6 bilhões para negócios responsáveis, do microcrédito a investimentos na agroindústria e em energias renováveis. Karine, que milita na área há duas décadas, desde o tempo em que trabalhava no banco Real, avalia como positivo o fato de o tema estar na moda. “Demorou, mas que bom que vem para o mainstream.” Por outro lado, reclama atenção para que se “use a metodologia correta” na avaliação das empresas. “Quando a gente faz poucos deals, dá para procurar pelo em ovo. Escalando, fica mais difícil.” Sobre as críticas feitas à avaliação ESG brasileira, menos rigorosa do que a dos europeus, ela rebate: “Desde 2014 o país tem regulação de responsabilidade socioambiental para instituições financeiras, é um dos poucos países que tem isso. Como brasileira, sinto que é uma coisa importante de se dizer”.

ARROZ COM FEIJÃO
Vale, em Minas O engenheiro florestal Tasso Azevedo, responsável por ter estruturado o bilionário Fundo Amazônia, já disse a PODER que não vê o Brasil como potência cultural ou tecnológica, mas como potência ambiental. E, de fato, mesmo com os dramáticos recuos na agenda governamental nos últimos anos, a “economia verde” segue sendo citada como uma das saídas para a crise infinda que turva o país. Um estudo feito em parceria com a Coppe/UFRJ prevê a adição de R$ 2,8 trilhões ao PIB brasileiro e a geração de 2 milhões de empregos caso algumas diretrizes sustentáveis sejam utilizadas. E trata-se de algo bastante arroz com feijão: otimização do uso do solo pela agroindústria, recuperação de pastagens degradadas e aceleração na troca de matriz energética. De quebra, essas medidas ajudariam a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 42% até 2025, se comparadas a 2005. Já no front dos bancos, Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, avançou no detalhamento das “dez medidas” ao dizer ao jornal O Estado de S. Paulo que a prioridade é enquadrar a pecuária. Na reportagem, ainda endossou as crítícas internacionais ao desmaze- lo ambiental brasileiro, mas reve- lou constrangimento no uso desse argumento. “Temos de proteger a Amazônia porque somos habitantes do Brasil e do planeta.”

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