No Dia da Visibilidade Trans, celebrado nesta sexta-feira, o que as transexuais esperam para o futuro e o que podem comemorar? Foi sobre isso que conversamos com Raquel Virgínia e Assucena Assucena, cantoras trans que junto com Rafael Acerbi, formam o grupo ‘As Baías’, que ganhou o Brasil por sua música, talento e representatividade entre a comunidade LGBTQIA+ e o público em geral.
As duas indicações para o Grammy Latino no currículo do grupo- a última com o EP gravado durante a pandemia – é apenas uma das conquistas dos três artistas, que lutam também pelo reconhecimento, respeito e cada vez mais espaço no cenário musical: “No Dia da Visibilidade Trans é importante reverenciar quem veio antes e abriu caminhos. Às vezes, a gente não sabe o que uma pessoa fez para você estar onde está. Além disso, reconhecer o movimento de trans na política, entretenimento, ciência e mundo corporativo. Reverencio também o fato de estarmos vivas”, conta Raquel para o Glamurama. Além disso, muito ainda precisa ser feito: “Espero dignidade para as pessoas trans, empregabilidade, políticas públicas que se manifestem concretamente no cotidiano e que a nossa existência não venha significar uma ameaça, mas uma normatividade, e que possamos ser amadas”, completa Assucena.
Quando assunto é ter mais espaço e voz, as cantoras contam que esperam ser vistas com normalidade, sem que precisem sempre assumir a responsabilidade de tocar em um assunto que é obrigação de todos: “Se você olhar para o panteão da música popular brasileira, não vai encontrar pessoas trans. Vai encontrar gays, lésbicas e drag queens. Ainda temos um sentido de conquista emergencial de acessar o imaginário popular do Brasil na nossa dignidade artística. A nossa música contribuiu quando ela está na rádio, nossa voz está na TV, nossa imagem está na capa de revista”, explica Assucena, que é complementada pela colega e amiga Raquel: “Sempre se espera das minorias políticas que elas falem sobre temas que envolvem o fato de serem essas minorias. Acho que isso inclusive é mais uma violência que se comete porque acaba nos colocando em um lugar em que precisamos sempre transformar as nossas pautas na matéria da nossa vida integralmente. Homens e mulheres ‘cis’, brancos, têm a oportunidade de mostrar vários prismas da vida deles e eu fico com a sensação que a gente não tem.”
A aceitação dos transexuais é uma luta diária, mas elas admitem que, mesmo com muito a ser feito, algumas evoluções já são perceptíveis: “Não sei se posso dizer que está melhor, acho que está no sentido simbólico, mas muito longe do que a gente precisa. As demandas fundamentais ainda não foram superadas. 90% das mulheres trans são empurradas para a prostituição de forma compulsória. Não temos legislação nas assembleias pelo Brasil e câmaras específicas para trans. Quando colocamos isso no papel, não houve melhora”, lamenta Assucena.
Com esse espaço que está sendo conquistado dia a dia, inclusive no mundo artístico, ‘As Baias’ já emplacaram parcerias musicais com Luísa Sonza, Cleo, Mc Rebecca, entre outros nomes importantes no atual cenário pop brasileiro, e é por esse gênero musical que o grupo se aventura agora: “Artistas que cantam publicamente com a gente passam uma mensagem de que isso é normal, e isso é muito importante para uma pessoa trans. É como se fosse uma legitimação. A sociedade vai desmistificando uma série de tabus, paradigmas, até o momento em que a gente vai poder entrar em casa com namoradas, esposas, amigas, colegas, profissionais e não ficarão criando mil situações em relação a nossa presença”, conta Raquel.
Para a nova fase do ‘As Baías’, os três integrantes decidiram encurtar o nome para dar um ar mais pop ao trabalho. ‘As Bahias e a Cozinha Mineira’ se transformou em ‘As Baias’: “Hoje somos ‘As Baias’, sem ‘H’. A banda surgiu porque meu apelido na faculdade era Bahia e o da Raquel também. O meu por ser de Vitória da Conquista, e a Raquel foi para o estado em 2007 para estudar jornalismo e ser artista, cantora, puxadora de trio. Além de tudo, nos conectamos muito rapidamente, então ficou ‘As Bahias’. O Rafa, por ser mineiro, convidou seus amigos de Minas para assistirem e tocarem os nossos primeiros shows na faculdade. Nesse processo de nos desafiar em uma fase nova, decidimos diminuir o nome para fazer um acordo com a nossa pretensão de sonoridade mais pop. Queríamos chegar nesse lugar e chegamos com esse nome”, conta Assucena.
A experiência no universo pop vai bem, obrigada. Para Raquel Virgínia, o público desse universo anima ainda mais a fase: “O público pop é extremamente engajado e que se envolvem mesmo, se movimentam. É tudo muito mais divertido, dinâmico. A minha sensação é que nesse mundo, as pessoas querem conversar com o artista, se envolver, debater, falar se gostaram ou não e são muito carinhosos. Estamos achando uma linguagem nossa neste universo e a gente experimenta mais, brincar mais, se diverte mais. Só vejo coisa boa nesse caminho que estamos seguindo”. (por Luzara Pinho)