Descubra como é a vida boa em Sorriso, capital nacional do agronegócio e reduto de novos ricos

Chamada de capital nacional do agronegócio, Sorriso, cidade do Mato Grosso de apenas 85 mil habitantes, produz, sozinha, R$ 2,5 bilhões anuais em riqueza – e um conjunto considerável de novos milionários

Por Chico Felitti e Aline Vessoni para a Revista Poder de Novembro

Quando a professora de arte Bete Sousa chegou a Sorriso, 25 anos atrás, era tudo mato. “E hoje continua sendo mato, mas agora é soja, um mato que nasce verde e depois vira dinheiro bem verdinho.” Bete é pioneira por lá. A cerca de 400 km de Cuiabá, Sorriso, que fica no coração do Mato Grosso, é a cidade brasileira que mais dedica terras para o plantio: tem 60% de sua área ocupada por lavouras – 5.700 km2 de área cultivada segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se o Ministério da Agricultura projeta que, em 2017, o Brasil vá gerar R$ 365,88 bilhões com produção de grãos, quase 1% desse valor deve vir dessa cidade de apenas 85 mil habitantes, pouco mais que o Maracanã cheio (depois da reforma para a Copa, o estádio passou a acomodar 78.838 pessoas).

Emancipada há cerca de três décadas, Sorriso escoa para o mundo 2 milhões de toneladas de soja por ano. “A gente respira agro, come agro. Tudo o que importa aqui é agro”, diz Luimar Gemi, presidente do Sindicato Rural de Sorriso, que está na cidade desde 1979. “É uma terra de gente que construiu tudo com seu trabalho. Quase todos os produtores têm propriedades de tamanho médio, aqui não é lugar de latifúndio”, afirma.

O engenheiro agrônomo Tiago Stefanello, colega de Gemi no sindicato (é vice-presidente da entidade), chegou à cidade há 17 anos. Natural de Ibirubá, no Rio Grande do Sul, se convenceu que Sorriso era a Canaã, a terra prometida. Para ele é. “Trabalhei vários anos com a venda de soja e de algodão, até que consegui comprar minha terra”, conta ele que é dono de uma propriedade de 1.038 hectares no município. Atualmente, Stefanello se divide entre seus negócios, tomando a dianteira de duas a três safras anuais, e o sindicato. “Sou associado há quatro anos e vice-presidente há dois. Não tenho tarefas específicas [do cargo] porque a diretoria age em conjunto, sempre com o intuito de defender o produtor”, explica.

Esses homens do campo são articulados. Juntos, construíram um hospital e fazem um poderoso lobby junto aos governos estadual e federal para a solução de um problema logístico que, acreditam, impede a região de ganhar ainda mais dinheiro. Só há rodovia pavimentada para as regiões Sul e Sudeste, e a ausência de linhas férreas pesa na planilha, reclamam os produtores agrícolas, que lutam por estradas para os portos da Região Norte.
Sorriso também é terra de alguns gigantes corporativos. A Amaggi, que em 2016 teve faturamento na casa dos US$ 3,44 bilhões, mantém ali armazéns e escritórios de originação [braço do grupo que escolhe quais safras comprar de produtores pequenos e médios]. PODER procurou a empresa, que pertence à família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, para falar da importância do município para seus negócios, mas a companhia declinou da entrevista.

Nos últimos anos, a cidade amealhou um segundo título. É hoje a maior produtora de milho do país: são 414 mil hectares de milharais contra 617 mil de soja. Mas não se deixe enganar. “Quem nos paga é a soja”, diz Gemi. Para se ter uma ideia, se a soja precisar ser armazenada à espera de preços melhores, e com isso ocupar espaço nos silos, a produção de milho será vendida por preços módicos ou até descartada justamente por conta dessa área nos silos. Mas não é só no cultivo de grãos que Sorriso se destaca: em 2014, a cidade liderou o ranking brasileiro de piscicultura e atingiu a marca de 21 mil toneladas de peixe, ou 4,4% do total produzido no país.
O influxo de dinheiro fez do cerrado intocado de três décadas atrás uma terra fértil em luxos. “Hoje tem de tudo. O agricultor estabilizado gosta de coisa boa. As pessoas têm uma casa muito confortável, com coisas modernas para o lazer. Gostam de se vestir bem e de bons restaurantes”, diz o presidente da associação agrícola. Há casas de fazenda que poderiam estar nas páginas de revista de decoração. “Já vi trazerem poltrona Sergio Rodrigues e sofá Karim Rashid”, diz um designer de interiores local. “As pessoas com mais condições financeiras chegam a contratar decorador do Rio, de São Paulo, mas não gastam em Sorriso o dinheiro que ganham em Sorriso”, diz o profissional que pede para ter seu nome preservado.

Aeroporto de Sorriso, lotado de jatinhos particulares

POR TERRA E AR
Mas nem sempre o dinheiro é gasto para fins, digamos, particulares. Em 2016, por exemplo, os agricultores levantaram R$ 2 milhões para finalizar um aeroporto que a prefeitura havia começado a construir anos antes. Compraram equipamentos que hoje permitem voos noturnos e em condições climáticas adversas. “É o segundo melhor aeroporto do estado”, gaba-se o presidente do sindicato agrícola. Segundo ele, Sorriso é uma cidade em que as pessoas viajam muito. E não é para visitar parente, é viagem em nível mundial”, diz Gemi. O hangar do aeroporto tem dúzias de aviões particulares, aliás.

O que coloca o ponto no coração do Mato Grosso na rota de empresas de aviação executiva. “O que a gente mais vende para Sorriso é justamente sair de Sorriso”, diz a funcionária de uma das maiores empresas de aviação privada do Brasil, com sede em São Paulo. “Já me pediram um avião igual ao do cantor sertanejo Gusttavo Lima, um Hawker 800 de R$ 4 milhões. Eu informei ao cliente que ele e a mulher poderiam voar até São Paulo em uma aeronave mais compacta. Mas ele fez questão.” O cliente, na verdade um casal, foi à capital paulista, participou de um jantar do Instituto Neymar e voltou na manhã seguinte.

Essa estrutura não serve apenas aos abonados. Em junho, a companhia aérea Azul começou a voar de São Paulo para Sorriso, com escala em Cuiabá. Até porque “a cidade não tem nada natural para lazer. A maioria tem uma boa área de festa para receber os amigos”, diz o agricultor Gemi, com seu sotaque difícil de identificar.
Não há padronização no sotaque local, aliás. Há quem fale cantado como os gaúchos, vincando os “tês” e “dês”, como é comum no Paraná, e quem abuse dos erres molinhos, como os caipiras do “interiorrr” de São Paulo. A variedade de sons se justifica porque a maioria das pessoas em Sorriso não nasceu lá. “Os movimentos migratórios dessa região se deram em levas. Primeiro, vieram colonos do Sul e, a partir da década de 1990, pessoas do país todo”, diz Carlos Silva, que estuda a formação da cidade no curso de geografia que faz na Universidade Federal do Mato Grosso. A influência sulista é tão pronunciada que o Centro de Tradições Gaúchas local já ganhou de equipes do Rio Grande do Sul em competições de dança. É o que se chama de diversão por ali. No Foursquare, misto de aplicativo de geolocalização com guia turístico, todas as atrações listadas da cidade são restaurantes. Há o Bom Sabor, conhecido pelo pãozinho frito, e a Açafrão Peixaria, famosa por servir bebidas em caneca de barro.

O principal ponto turístico do homem sorrisiense, entretanto, é a concessionária. Há 20 lojas automotivas e garagens de usados na região. Caminhonetes representam 14% da frota de veículos, o dobro da média brasileira, que é de 7%, segundo o IBGE. Na cidade existem mais caminhonetes do que ônibus. “A cada dez carros que eu vendo, nove são caminhonetes”, conta Luciano Faco, da Rodobens Automóveis. E não é qualquer caminhonete. “A Sw4 [da japonesa Toyota, que custa a partir de R$ 152.090] é o maior sucesso”, diz Faco. Mas há lufadas de modernidade ecofriendly no consumo automobilístico dos agroboys: os vendedores contabilizam três carros híbridos, que têm motor a gasolina e elétrico, rodando pela cidade.

A dupla sertaneja Fernando e Sorocaba

CULTURA SERTANEJA
Resolvido os problemas de saúde e de transporte, o governo local agora se volta para a cultura. Este ano foi criado na cidade um polo de teatro tocado por profissionais da SP Escola de Teatro, que vai ministrar cursos regulares nas áreas de atuação, direção, figurino e iluminação a partir do ano que vem. “Tivemos aulas gratuitas de balé, a abertura da turnê da orquestra do Mato Grosso. A cidade está ganhando destaque na área”, diz Luana Castro, diretora do departamento de cultura local. Geralmente utilizado para feiras agrícolas, o auditório do Centro de Eventos Ari José Riedi também pode ser adaptado para receber apresentações com até 300 pessoas sentadas.

A modernidade e a tradição convivem bem nessa seara. A cidade ainda sediou um festival de food trucks, em abril, e um concurso de bandas e fanfarras, que reuniu 30 grupos de cinco estados. Mas o grosso da cultura sorrisiense segue sendo o sertanejo. Só nos últimos meses, a cidade recebeu shows de Gusttavo Lima, Marília Mendonça e Fernando & Sorocaba, que juntaram milhares de pessoas no Clube Sorriso, agremiação da elite local.

“Morar aqui é um saco”, diz uma estudante de 18 anos que estuda no Colégio Vinicius de Moraes, o melhor da cidade, e sonha em ser blogueira de moda no Rio de Janeiro. “É churrasco e sertanejo ou sofá e ser nojento aos olhos dos outros. Eu fico com a segunda opção”, diz ela, para quem o ápice fashion da cidade é a butique da Colcci numa das avenidas. “Não tem nem onde gastar dinheiro aqui”, lamenta, entre suspiros, “então, as pessoas fazem fofoca.”

Rumores de gastanças nababescas não faltam pelas ruas da diminuta área central. Corre à boca miúda que um grande fazendeiro, não contente com o gado que cria em suas terras, manda seu jatinho trazer sanduíches do Burger King de Cuiabá toda semana. “Dizem que, depois do show do Fernando & Sorocaba, eles ficaram hospedados em uma das maiores fazendas da região. E que fizeram um show no aniversário da filha do dono da propriedade, de 14 anos, por mais de R$ 100 mil”, conta Bete, a professora de arte. Ácida, ela brinca que as bocas dos locais só servem para sorrir para turistas: “Essa reportagem vai trazer turista para cá? Tomara que sim! É uma boa terra. É um quadro de Van Gogh. Uma linda paisagem de mato, e mais nada”, diz Bete, e ri.

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