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Lilian, Jean e Layane / Crédito: Instagram

“O sentir é universal”. É assim que Lio, vocal da banda Tuyo, explica a recente conquista do trio curitibano, composto também por Lay, irmã de Lio, e Machado. Depois da performance virtual no festival SXSW, eles ganharam destaque no New York Times como uma das melhores apresentações do evento. “Fico feliz que conseguimos representar bem o Brasil lá fora. Espero que as pessoas tenham ficado felizes também, e orgulhosas”, diz ela, animada.

A entrevista para o Glamurama rolou entre muitos sorrisos e em clima super alto astral. Lio explicou que um dos maiores propósitos da banda é se conectar com o público que os ouve, sem colocar barreiras e limites de idioma ou cultura. A apresentação no festival americano aconteceu de maneira inesperada, mas foi fruto de um trabalho constante do grupo, que sempre tocou em eventos desse tipo pelo Brasil. Lio faz questão de ressaltar que a Tuyo atinge patamares que nem eles mesmos imaginavam.

Em meio à produção de um novo álbum, intitulado ‘Chegamos Sozinhos em Casa’, a cantora faz questão de ressaltar que ‘são apenas uma banda independente, pequena’. “Fazemos barulho na internet, mas ainda somos só um trio que conta com muito apoio, amigos e profissionais que acreditam no nosso trabalho. Nem no meu sonho mais ambicioso imaginávamos a possibilidade de construir uma carreira fora”. Sobre o tipo de som que fazem, o trio costuma dizer que ‘toda a vez que um preto, por mais que seja de pele clara, como é o nosso caso, estiver à frente de um som moderno, ele vai estar dentro do macro movimento que é o afrofuturismo. A gente não tem coragem de se comparar com uma Janelle Monaé, uma Tássia Reis, uma Grace Jones, mas entendemos que a gente tá dentro de um campo semântico. Quando éramos mais novos, as pessoas queriam enfiar a gente num vestido florido, botar um laço na cabeça e mandavam cantar um samba. Quando a gente rompe com um estereótipo, a gente já tá no futuro, já tá longe’.

A seguir, o papo com Lilian, um dos vértices da banda que arrasou no último SXSW:

Glamurama: Conta um pouco como foi o início de tudo?
Lio
: É difícil essa pergunta, mas temos uma história muito boa. A base da minha família hoje está em londrina, no norte do Paraná. Meu pai veio do Piauí, minha mãe do Rio e nos estabelecemos lá. A família do Jean também. Então eu e a Lay conhecemos ele com 12 ou 13 anos, se não me engano. Somos amigos há muito tempo, mas nem sonhávamos em trabalhar com música. Então eu prestei vestibular em Curitiba, passei e fui estudar na cidade. Nós sempre cantamos na igreja, desde pequenos. Então foi o seguinte: fiz a cabeça de todos para se mudarem para Curitiba, mas como lá nenhum de nós mais cantava em igreja, e nem tínhamos muito dinheiro, passávamos o dia comendo e tocando violão, em casa mesmo. E foi assim que começamos.

G: A Tuyo é o primeiro projeto de vocês?

L: Antes da Tuyo, montamos a Símonami, que além de mim, da Lay e do Jean, tinha também o Luis e a Shan, que ainda tocam com a gente. A Shan é uma multiartista incrível e a maior parte dos clipes da Tuyo foi ela que produziu. Quando a Símonami se dissolveu, ela foi para o cinema e o Luis, que sempre foi músico de orquestra, seguiu nesse caminho. Hoje estamos nos reencontrando, voltando a fazer coisas juntos. Mas a Tuyo não nasceu pra ser uma banda. Tínhamos várias músicas paradas e a Lay resolveu organizar tudo em um compilado. Então o Jean arrumou todos os arquivos como se fosse um álbum. O nome quem deu foi a Lay, porque ela queria algo simples e fácil de lembrar. E as pessoas começaram a dar play. Por isso consideramos que esse álbum, chamado ‘Tuyo’, é o nosso primeiro.

G: O fato de ser uma banda em família ajuda no entrosamento na hora de escrever músicas e compor melodias?

L: Sempre fomos estimulados a falar o que sentimos, então acredito que me expor assim é mais fácil com eles. O único lugar em que me sinto segura para dividir as coisas que penso é com o Jean e com a Lay. Quando estamos em família, a pessoa já te viu nos piores momentos, com raiva, triste, chorando. E não precisa ser só família de sangue, também estou falando daquela que a gente escolhe. Nosso relacionamento é assim. A Lay é minha irmã, mas não acredito que somos amigas só por isso. Nem sempre nossos irmãos são nossos melhores amigos, mas isso acontece aqui. Claro que existem discussões, mas nada sério. Brigamos e logo depois rimos um da cara do outro. Acho que o fato de termos todos nos mudado para Curitiba, sem muitos recursos, nos aproximou ainda mais.

G: Vocês lançaram, em 2018, o álbum ‘Pra Curar’. Aonde buscam inspiração? Como é o processo criativo de vocês?

L: As músicas do ‘Para Curar’ foram feitas de maneira diferente. Tínhamos muitas coisas guardadas, então despejamos tudo isso. O que aconteceu em 2018, quando esse álbum saiu, foi um acúmulo de experiências que estávamos vivendo desde 2016. Por exemplo, entre 2015 e 2016 eu e a Lay tivemos muitas conversas sobre se sentir insuficiente para viver um amor romântico, e assim surgiu ‘Só Lamento’. Depois, conversamos sobre perdas na família e esse descolamento dos nossos pais, e muito dessas trocas viraram esse disco. Esteticamente, sempre trabalhamos com o que tínhamos nas mãos e o que era possível. Nunca pensamos em um recorte para o nosso disco, ele é fruto do que vivemos, de assuntos políticos, ou sobre corpos negros… temas que fazem parte do que somos.

G: A pandemia fez com que todos os shows presenciais fossem cancelados. Como vocês estão lidando com essa fase?

L: Não foi fácil porque, assim como todas as outras pessoas, estamos trancafiados em casa. Tivemos o benefício de conseguir viver a quarentena da maneira que ela deve ser vivida: sem sair. Mas essa não é a realidade de todo mundo. Algumas pessoas não puderam parar. Antes de tudo começar, a Lay trabalhava em shopping, já foi cabeleireira, eu era de telemarketing, e essas profissões estão correndo risco, eles não tem escolha. A pior parte é ter que processar toda a carga emocional que essa pandemia nos traz, além de atrasar nossos lançamentos. Mas, de qualquer forma, não consigo reclamar, não tenho coragem. Conseguimos viver de música nesse período, apesar dos pesares, tivemos sorte. Meu maior lamento é presenciar a falta de apoio nesse momento, politicamente falando.

G: Como foi se apresentar no SXSW? Como surgiu o convite?

L: Foi tudo bem maluco. Mesmo antes de ter banda, já adorávamos festivais de música e seguimos amando ainda mais com a Tuyo. Acho que festivais são perfeitos para conhecermos o ecossistema que está ao redor do que as bandas fazem. Os grupos musicais vêm e vão, e os festivais permanecem. O SXSW é a menina dos olhos dos festivais. Não por ser fora do Brasil, mas por conta da quantidade de bandas que eles são capazes de abarcar, e a grandeza de possibilidades. É gente do mundo todo. O convite veio de um movimento longo da Tuyo se apresentando em diversas feiras musicais. Isso fez com que as pessoas ficassem curiosas e tentassem entender quem somos. E fico feliz que conseguimos representar bem o Brasil lá fora. Espero que as pessoas tenham ficado felizes, e orgulhosas. O show foi gravado e pensei que não teria muita emoção, mas aqui em casa estávamos suando, com a boca seca, tensos, porque acompanhamos no chat durante a apresentação para saber o que estavam achando.

G: O New York Times elegeu vocês como um dos destaques do SXSW e fez críticas positivas. Vocês esperavam por isso? 

L: A primeira reação que eu tenho quando alguma coisa muito emblemática acontece na vida da Tuyo, é começar a rir, sem acreditar. Lembro da primeira vez que a nossa música foi parar em uma minissérie da Globo. Quando descobrimos, rimos muito, porque é inacreditável. Pra ser bem sincera, não é como se a nossa maior buscar fosse o reconhecimento internacional de um grande crítico. Aconteceu, e foi incrível, mas nosso maior desejo é nos conectarmos, independente das fronteiras. A parte que eu mais me emocionei da resenha do jornalista do New York Times foi ele ter citado trechos de música que são super especiais pra mim, e perceber que ele se conectou. É bom saber que isso aconteceu e entender que nosso sentimento naquela música ultrapassa dialeto, cultura. O sentir é universal.

G: E o próximo álbum, o que pode nos adiantar?

L: O ‘Pra Curar’, como te disse, é uma espécie de desova de músicas e experiências de longa data. A grande diferença é essa. Pela primeira vez, nos reunimos para compor. Normalmente o nosso processo é bem particular, cada um já aparece com uma música pronta. Na música ‘Sem Mentir’, por exemplo, estávamos juntos e começamos a coletar frases, pensamentos, sentimentos. Eu e o Jean nos arriscamos mais também em escrever. Além disso, o Jean canta muito mais, é um disco mais longo. Só espero que as pessoas se cono de nós está ali, a nossa alma pelada. O ‘Chegamos Sozinhos Em Casa’ é um disco mais silencioso.

G: Tem data de lançamento?

L: Para que ele seja veiculado, precisando promover algumas gravações que não temos coragem de fazer agora. Não fizemos nada na pandemia que não fosse remoto, ou com todas as medidas de segurança. E agora está pior do que jamais esteve. Precisamos nos cuidar e não podemos arriscar a equipe. Mas garanto que ainda sai nesse primeiro semestre.

G: Hoje em dia vemos muitos artistas brasileiros fazendo sucesso fora do Brasil. Carreira internacional é algo que está nos planos?

L: Confesso para você que esse movimento internacional não foi algo que pensamos estrategicamente, as coisas foram acontecendo. Somos uma banda independente, pequena. Fazemos barulho na internet, mas ainda somos só um trio que conta com muito apoio, amigos e profissionais que acreditam no nosso trabalho. Nem no meu sonho mais ambicioso imaginei a possibilidade de construir uma carreira fora. O que eu sinto é que quanto mais pessoas se conectarem com a gente, mais nosso anseio artístico vai ser atendido, então, se isso significa ultrapassar as fronteiras do Brasil, que seja. É claro que queremos muito tocar em outros países, mas nossas músiicas, sem precisar fazer um álbum em inglês ou qualquer outro idioma para isso.

 

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G: Falando nisso, vocês foram selecionados para integrar o projeto internacional do produtor musical nigeriano Don Jazzy, a coletânea  ‘Dance (RED) Save Lives III’. Pode nos falar um pouco sobre esse trabalho?

L: Sim, hoje inclusive saiu o primeiro single. Estávamos nós trancafiados, quando recebemos a mensagem de um amigo, o Rafa, do RDD. Já queríamos trabalhar juntos e aí surgiu essa oportunidade, que é quase uma celebração da nossa amizade. É muito bom quando trabalhamos com uma causa que ultrapassa a canção. Os plays desse álbum são para a RED, e acreditamos muito no trabalho deles. Já conhecíamos a organização pelas campanhas da Apple, por exemplo: o iPhone vermelho, que você compra e o dinheiro é revertido para ajudar quem precisa. Então, fazer parte disso e ajudar é incrível.

G: Além disso, vocês estão com o ‘Papo de Poeta’, que traz encontros semanais com escritores do Sudeste, Norte e Nordeste do país através do Instagram. Como idealizaram esse projeto?

L: Eu sempre gostei muito de literatura e me interesso demais pela prática do slam. Por isso, fui me aproximando da Kimani e de outros poetas dessa vertente, tentando entender melhor esse movimento. Fiquei viciada nesse mundo e, enquanto viajávamos para shows, tentávamos entender quem eram os poetas de slam daquela região, em especial nas cidades pequenas do interior. Como tudo parou por conta da pandemia pouco tempo depois, fizemos essa investigação pela internet e criamos o ‘Papo de Poeta’. A pegada da Tuyo como banda, além da parte estética, é pensarmos bastante nas letras, e começamos a entender o poder da palavra dita em voz alta, para além da poesia escrita. Eu não acredito na poesia como algo erudita e inalcançável, mas sim como uma arte que pode e deve ser compreendida por todos, e o slam é essa democracia de linguagem. As conversas com esses poetas são incríveis!

G: Tem muita banda independente por aí, que não consegue o reconhecimento que merece. Quais vocês indicariam para nós?

LS: No momento tenho escutado muito o Joca, que tem um disco bastante especial, chamado ‘A Salvação é pelo Riso”, que, além de moderno, é importante e emblemático. Sou apaixonada pela Jup do Bairro, que é conhecida, mas preciso citar porque pra mim ela é a dona do melhor disco do ano. Também tem a Bruna Mendes, o Rimon, a Mulamba. Eu sempre escuto muitos artista e a Tuyo adora fazer playlist para dar essa visibilidade para outros cantores. É super importante que todos tenham reconhecimento.

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