As reviravoltas envolvendo um colorido biquíni de crochê criado por uma artesã de São Paulo radicada há mais de duas décadas em Trancoso, cujo design foi copiado sem a menor cerimônia por uma imigrante que escolheu morar nos Estados Unidos e acabou resultando em um negócio multimilionário, quem diria foi parar no “New York Times”.
Em matéria assinada pela repórter Katie Rosman, que passou mais de cinco meses investigando a história, a paulista Maria Solange Ferrarini conta que começou a produzir os primeiros modelos do tal biquíni em 1998, logo depois de ter se mudado para o spot baiano, a fim de vendê-los na praia para se manter por lá.
Entenda o caso: vendida no sul da Bahia, a peça logo caiu no gosto das turistas que frequentam o lugar e uma em particular adorou. De férias no Brasil em 2012, a turca naturalizada americana Ipek Irgit baixou em Trancoso e, como lembrança, comprou um biquíni de Solange, sem saber que o souvenir viria a mudar sua vida.
É que meses depois, Irgit se deu conta do potencial da peça e teve a ideia de lançar uma coleção “inspirada” nela, porém em escala industrial, o que acabou virando um negócio multimilionário com a criação da marca Kiini.
Vendido por cerca de US$ 285 (R$ 1.110) nos EUA e fabricado ao custo de ‘meros’ US$ 29 (R$ 113) na China, a versão gringa do biquíni de Solange chegou às prateleiras da Barney’s e hoje movimenta US$ 9 milhões (R$ 35 milhões) por ano em receitas. E, como qualquer item que faz sucesso, foi pirateado aos montes.
Irgit decidiu registrá-lo como uma criação sua há alguns anos e não esperava que a verdade pudesse vir à tona: atualmente vive às turras na justiça com a fabricante chinesa que contratou e que agora apresenta dúvidas sobre a autoria dela. O caso corre nos tribunais americanos e envolve cifras e acusações de cair o queixo.
Em entrevista ao Glamurama em Trancoso, Solange contou que o valor de seu biquíni, inicialmente vendido a R$ 10, agora custa R$ 500, e que desde que a matéria foi publicada pelo jornal americano, a procura pelas peças aumentou muito (seu Whats App não para). Só que tem 15 dias que ela não consegue trabalhar por conta de um problema que desenvolveu nas mãos. Sobre a inflação do valor do biquíni, ela fala: “ninguém reclama”…
Solange não se deslumbrou com o reconhecimento e explica que demorou tanto para recorrer à justiça por não conseguir apoio para isso. A primeira vez que teve conhecimento de uma cópia de sua criação foi em 2009, em solo nacional, quando a Farm fez uma versão. “Nunca corri atrás de nada, sempre deixei a coisa rolar frouxa, porque até então ninguém tinha falado que tinha criado a peça. Dizer que criou a peça é outra coisa, por isso fui para cima”, explica. “Sofri muito, fui muito humilhada por jornalistas e advogados. Os procurei para falar da minha história e ninguém me deu ouvidos, precisou vir uma pessoa lá de fora para me darem atenção.”
Tudo mudou quando apareceu em sua vida o advogado Jason Forge, que está trabalhando na justiça para conseguir o direito autoral da peça. Forge é marido da dona da marca de beachwear PilyQ, que também se inspirou nos biquínis de crochê e procurou Solange para conseguir um contrato de autorização para que a marca da mulher pudesse vender as peças em solo americano, em troca de auxiliá-la na disputa judicial contra a dona da marca Kiini, que registrou a criação como se fosse sua. “A PilyQ vende uma cópia autorizada do biquíni. Assinei em maio esse contrato com eles e ganho um valor por ano, pouquíssima coisa”, conta.
Uma figura super conhecida em Trancoso, Solange conta que passou por poucas e boas desde que teve conhecimento da criação da Kiini. “Desde que vi o site, feito da forma como eu queria ter feito, com fotos de Trancoso, fui atrás de alguém que me ajudasse a provar que a criação é minha. Foram anos de sofrimento, humilhação, choro, decepção… Gastei muito dinheiro com médico, perdi a coordenação motora e até querer morrer eu quis, além de me arrepender de criar os biquínis porque não encontrava ninguém que me ajudasse.” Se ganhar o processo, o que é muito provável já que as acusações contam com provas contundentes cedidas por uma ex-sócia de Irgit, ela Solange ainda não sabe o que fará. “Eu nem acredito que isso esteja acontecendo. Esperei tanto… Mas estou normal, não mudou minha vida. Meu pai sempre dizia, primeiro se ganha, depois se gasta.”