Como se dar bem e passar uma boa imagem no mercado abrindo mão do inglês corporativo e dos excessivos jargões do mundo dos negócios
por Chico Felitti para a PODER
“Teacher”, diz o aluno com a mão levantada numa sala com 12 carteiras ocupadas. “How do I say…”, ele continua, com um inglês falado lentamente e com sotaque: “Brief?”. O analista de RH brasileiro João Mariano, 29 anos, está no meio de uma aula de inglês corporativo em Nova York, perguntando como um americano chamaria a reunião para passar dados e informações de uma tarefa corporativa. “Briefy?”, questiona o professor, colocando um som de ‘i’ no fim da palavra, como fez o aluno. Até que então ele entende o que o pupilo brasileiro queria dizer: “Oh, briefing!”. Aquela é a primeira desilusão de Mariano com o inglês que usa desde que passou por duas multinacionais e uma startup.
“O engraçado é que, pelo que vi até agora, os termos em inglês usados por brasileiros não são os mesmos daqui”, comenta o professor, Joseph Runtal, depois da aula. Um exemplo que ele dá é “call”. A palavra, que ganhou o significado de ligação telefônica, não é uma flexão usada nos Estados Unidos. “A gente fala ‘phone call’, ninguém entenderia ‘call’ como um telefonema aqui nos Estados Unidos.”
A aula descrita acima aconteceu numa noite de sexta-feira no coração da besta do sistema capitalista: uma escola de línguas que ocupa dois andares de um prédio na famosa Wall Street. Das 12 pessoas da turma, três são brasileiros – outros dois não quiseram se identificar à reportagem.
Os cursos de “corporativês” para estrangeiros estão com uma taxa de crescimento chinesa: 16% ao ano nos últimos cinco anos, segundo o grupo Kaplan, um dos maiores do segmento nos Estados Unidos. Há escola de “corporativês” em todo canto. A Cactus atende em Londres e em Paris há a Business Language. São cursos de uma semana até três meses, e seus valores ficam entre US$ 400 e US$ 2 mil.
A procura também é grande no Brasil. A PUC de São Paulo oferece uma pós-graduação na área. Já a Universidade Corporativa Sincor ministra um curso de comunicação corporativa escrita. Um dos módulos oferecidos é: “Gerundismo: como evitar esse erro que se tornou comum nos dias atuais”, com direito a redundância no uso de “dias atuais”.
MOTIVO DE PIADA
O “corporativês” se disseminou com tamanha força que já virou motivo de piada entre os estudantes da língua inglesa. O site Plain English Campaign, uma ONG que luta pela “clareza” do idioma, tem uma ferramenta que cria automaticamente frases pomposas com palavras que os executivos amam. Mas que no fim não querem dizer patavinas.
Um exemplo é “The consultants recommend four-dimensional modular options”. Em português, a groselha viraria algo assim: “Os consultores recomendaram opções quadridimensionais e modulares”. Será que você já ouviu isso num call ou numa reunião de briefing? Entre os linguistas, há hoje grupos que idealizam a montagem de salas de aula dentro das companhias. A missão parece um tanto utópica. Ali, os funcionários aprenderiam a falar inglês claro, ficariam livres dos jargões e se expressariam sem afetação dentro das empresas.
Mas há resistência aos puristas. Tony Thorne, que estudou no King’s College de Londres antes de virar consultor de linguagem corporativa, pondera que o “corporativês” mistura necessidade com futilidade. “Há termos que precisam ser criados com o advento das novas tecnologias.” Ele dá como exemplo a palavra “offshoring”, a prática de levar os negócios para outro país, em que o custo da atividade será menor. “Offshoring” tem uma versão em português, algo como “deslocalização industrial”, que provavelmente esteja ainda por ser usada em salas de reunião brasileiras. “As pessoas no mundo inteiro adotaram o offshoring porque funciona. É um termo exato, preciso.”
Não é o caso da maioria do palavrório usado na firma. “O jargão não existe só para batizar novidades. Tem muita palavra que poderia ser substituída por outras, que já existem e são mais populares, mas o jargão corporativo serve como um código de exclusão. Mostra quem faz parte desse universo e quem não faz.” Craig Snow, que estuda comunicação corporativa na Universidade Cornell, em Ithaca, no Estado de Nova York, descreveu em suas pesquisas duas vantagens que levam empresários a adotar a língua própria. Uma delas é a eficiência. O segundo fator, ele explica, é credibilidade: “Pessoas que usam esses termos com desenvoltura podem parecer mais competentes. E assim ganhar mais dinheiro”.
“Olha, eu admito que sou um pouco viciada em falar em inglês”, diz Mariana Taka, que foi trainee de uma multinacional 15 anos atrás e desde então trabalha em empresas que têm braços por todo o mundo. Ela fez um curso de inglês corporativo e percebeu que poderia reduzir o uso de termos que atrapalhavam na sua comunicação com colegas, chefes e subalternos. “Mas não dá pra eliminar tudo. Ou vou ficar parecendo professora de gramática de cursinho, tentando pescar umas palavras do português antigo que ninguém usa mais”, ela ri. “Tem uma coisa de parecer chic, sim”, admite. “Mas também trabalhamos com gente do mundo todo, o mercado hoje se globalizou.” Ela admite, entretanto, que às vezes se sente um pouco como a apresentadora Luciana Gimenez que, por ter morado muito tempo no exterior, às vezes solta uma palavra em inglês quando está no ar.
João Mariano, o aluno que levantou a mão para perguntar como dizer “briefing”, come um cachorro-quente numa calçada de Wall Street após a aula. Está contente com o que aprendeu. “Quem sabe não volto para o Brasil e consigo um emprego melhor? Falar de uma maneira certa dentro da empresa é uma skill.” Ele encerra usando uma palavra que havia sido ensinada em classe. E que quer dizer habilidade.
VELHILÍNGUA
Cinco jargões do “corporativês” que poderiam tranquilamente ser substituídos por palavras em português
1. Em vez de “job”, use “ trabalho”
2. No lugar de “call”, diga ligação
3. “Deadline” é uma palavra que existe em português há bastante tempo. Significa “prazo”.
4. Experimente usar “crítica” ou “avaliação” no lugar de “ feedback”
5. Para“bugdet”, há a bastante conhecida “orçamento”