João Doria tem técnica inusitada para punir quem fala bobagem nas reuniões

João Doria || Créditos: Karime Xavier

Com cerca de 70% de aprovação dos paulistanos, o prefeito João Doria diz que é enaltecedor ver seu nome cogitado para a Presidência depois de tão pouco tempo no comando da maior cidade do país. Não nega a possibilidade, mas reforça que tentar ser um bom prefeito é sua maior contribuição para a democracia e para seu padrinho político – e amigo de longa data – Geraldo Alckmin

Por Márcia Rocha para a Revista PODER de abril
Fotos: Karime Xavier

Com lugares marcados, o almoço correu num clima de informalidade. Em um bem cortado costume azul-marinho e camisa branca sem gravata – seu irmão, o publicitário Raul, brinca que ele “já nasceu de terno ” –, Doria não aparenta os 59 anos que tem. Delicada, mas firmemente, recusou qualquer registro de seu gabinete. “Estou morto se fizer isso, já me pediram várias vezes e neguei”, esquivou-se, sugerindo, em seguida, possíveis cenários para as fotos. Logo daria também palpites na matéria. Ao dizer que se considera um zelador, um síndico da cidade, comentou: “Acho até que isso serve de inspiração para o abre do texto”. Outra prova de sua meticulosidade foi quando chamou o garçom de lado, discretamente: “Esse guardanapo está soltando muitos fiapinhos. O de ontem não estava assim. Depois, você precisa ver isso”. Exagero? Na hora, pareceu que sim. Mas fato é que, ao fim do almoço, nossas roupas estavam cheias de pontos brancos.Em uma terça-feira de março, o prefeito de São Paulo, João Doria, recebeu Joyce Pascowitch, diretora do Grupo Glamurama, e Márcia Rocha, editora-executiva da revista PODER, para um almoço em seu QG no quinto andar do Edifício Matarazzo, sede da prefeitura no centro. Ali ficam sua sala, a de reuniões e as do staff, composto por 45 pessoas, entre secretárias, cerimonial, seguranças etc.

Aqui os melhores trechos da conversa em que Doria deu detalhes de sua rotina espartana como prefeito, falou de FHC, de política e da possibilidade de se candidatar à Presidência. Sobre a eleição em primeiro turno em São Paulo, revelou. “Não entrei para perder”.

FHC, UM GRANDE ESTADISTA…

Não há como falar em democracia no Brasil sem ouvir o Fernando Henrique. Em momentos de crise, principalmente, figuras com essa dimensão ajudam a reposicionar e a manter a estabilidade do país. Gosto muito dele, é um ativo da vida pública nacional, homem de uma sabedoria extraordinária, um dos maiores estadistas que já conheci.

… MAS RUIM DE PROGNÓSTICO

Depois daquela entrevista que Fernando Henrique deu para o Estadão [em 24 de março], fui procurá-lo. Ao jornal, ele disse que um gestor não é necessariamente um líder, desmereceu um pouquinho o conceito do que é ser um administrador. Embora eu não concorde, continuo a manter a mesma admiração e o mesmo respeito por ele. Tenho motivos de sobra para isso, mesmo quando ele não se pronuncia a meu favor. Ele não trabalhou pela minha eleição. Na campanha, só me ligou depois das prévias e me prestou apoio na última semana, quando nossa vitória era virtualmente certa. Mas é uma figura admirável, sempre repito isso. Porém, quando ele prevê que vou para um lado, vou para o outro. Então, eu brinco que, se dependesse de seus prognósticos para ganhar na loteria, o Fernando Henrique estaria pobre. O que não tira seus méritos e suas qualidades, mas prognóstico não é o forte de FHC, a força dele está em outras áreas.

GERALDO ALCKMIN: PAULISTA MINEIRO

Coloco o Geraldo Alckmin no mesmo patamar de Fernando Henrique. Não possui a mesma experiência, já que FHC acumula dois mandatos como presidente, mas tem sabedoria política, uma biografia bem-sucedida e uma característica curiosa: é um interiorano metropolitano, um paulista mineiro (os Alckmin vêm de Minas). Isso dá a ele um blend muito interessante. Geraldo é um líder, um homem do bem, de bem, correto, honesto e modesto, característica muito rara na política ultimamente. Uma pessoa que trabalha com o mesmo afinco na cautela e no avanço.

VITÓRIA CERTA

Não entrei na campanha para perder. Só não imaginava que seria no primeiro turno. Mas tinha absoluta certeza de que ia ganhar e falava isso para a equipe o tempo todo. Só nos últimos dias é que a vitória no primeiro turno se configurou. Ganhamos em 56 distritos eleitorais – só perdemos em Grajaú e Parelheiros, e por muito pouco. E não foi para o [Fernando] Haddad, mas para a Marta [Suplicy].

João Doria || Créditos: Karime Xavier

OLHO NO OLHO

Quando cheguei no estúdio para gravar os filmes da campanha, disse para o Lula [o jornalista Luiz Flávio Guimarães, marqueteiro de Doria]: “Vocês sabem como fazer uma campanha. Eu, não. Quero ser o mais simples possível”. Ia de tênis e de camiseta para as gravações.  Aliás, usei o mesmo par de tênis e dois pares de jeans durante a campanha inteira. A câmera ficava no fundo do estúdio. Aí, o Lula a trouxe mais para perto e eu pedi para aproximá-la ainda mais. Disse: “Quero que as pessoas leiam os meus olhos e sintam exatamente o que estou expressando’’.  Isso foi no início e fez uma diferença brutal: comecei com 2% de intenções de votos e fui aumentando, tanto que a Marta [Suplicy] mudou a campanha dela.

ÔNUS E BÔNUS

O lado bom de ser prefeito é o carinho da população, maior do que eu imaginava. Tem muitas demandas e problemas, mas já sabia que ia ser difícil. Então, nada foi surpresa. Antes, minha válvula de escape era o fim  de semana. Agora, não tenho mais sábado, domingo, feriado, nada.  Aliás, esse é um lado de ser prefeito, uma mudança que não me deixou feliz. Eu amo meus filhos, gosto demais da Bia e essa contingência de ficar longe de casa, da minha família ­– e também do Raul, meu irmão, que eu adoro –, me machuca um pouco. Mas faz parte. Estou consciente e agradeço a compreensão deles. [A assessora Leticia Bragaglia comenta que, desde que assumiu, Doria só folgou na terça de Carnaval, e ainda depois do almoço.]
HOMEM DE ESPARTA

Costumava dormir quatro horas. Agora, durmo menos. Chego à prefeitura às 7h30 e saio 0h30, uma da manhã. Faço exercícios todos os dias. Às terças e quintas, com uma fisioterapeuta do doutor Moises Cohen [ortopedista]. Operei os dois joelhos e ela está comigo há sete anos. Nos outros dias, faço 12 minutos de manhã e 12 minutos à noite de aeróbica e de musculação. É pouco, mas constante. Além de manter o corpo ativo, deixa a cabeça focada na disciplina, ajuda a não entregar os pontos. 

Joao Doria || Créditos: Karime Xavier

OLHOS DE ÁGUIA

Os prefeitos regionais morrem de medo cada vez que temos de sair.  No caminho vou vendo os problemas e começo a ligar: “Aqui tem um jardim que precisa ser melhorado, a placa está torta, tem pichação, a pedrinha precisa ser colocada porque o sujeito está pisando no barro…”. E tem de fazer, não é só falar “tá bom, tá bom”.

CHAMA O SÍNDICO

Não vejo São Paulo como província, mas como cidade do mundo. É preciso pensar globalmente, ousar globalmente. Tenho dito isso para os empresários daqui: vocês perderam a ousadia, a coragem de fazer as coisas. Como statement – acho que serve de inspiração para o abre da reportagem – sou um grande zelador, um grande CEO, um grande síndico da cidade. Quase todos os problemas têm algum envolvimento com a prefeitura. Logo, você tem de estar presente, trabalhar muito, ser rápido nas respostas. E faço isso com o maior prazer!

GUARANÁ QUENTE

Faço reuniões com o secretariado dois sábados por mês, das 8h às 13h30. Nessas reuniões, sempre tem uma garrafa de 1 litro de guaraná quente. Quando alguém fala bobagem, tem de tomar um gole. Fica todo mundo rindo e gritando “bebe, bebe, bebe!”. Trabalhamos muito, mas o clima é divertido. No fim da reunião, a garrafa geralmente está pela metade.  [Leticia comenta que, geralmente, a troca de mensagens na equipe começa às 6 da manhã.]

É ISSO OU ISSO

Nós vamos fazer o mais ousado programa de desestatização que uma metrópole já fez no Brasil, vai se tornar um legado para a cidade. O objetivo é reduzir custos, melhorar serviços e trazer recursos para a educação e para a saúde. Sempre digo à equipe que nada vai nos inibir, não tem manifestação, ameaça ou qualquer coisa que nos impeça de fazer o que precisa ser feito. Não sou candidato a governador, não sou candidato a presidente – embora sempre fique muito honrado com as manifestações em meu favor.  Então, não preciso fazer concessões de ordem política. Digo aos secretários: tenho certeza que vocês que estão aqui querem olhar nos olhos dos seus filhos, maridos e esposas e dizer que estão fazendo o melhor para a cidade.

BOCA DE TÚMULO

Incomodar, não incomoda [sobre ser apontado como candidato em 2018]. É obviamente enaltecedor, não se tem notícia na história política de São Paulo de alguém que tenha seu nome insistentemente lembrado para a Presidência com 100 dias de mandato. Nem com o Jânio [Quadros] foi assim. As pessoas não se enganam, mas não existe nenhuma intenção. A melhor contribuição que posso dar à democracia, à minha lealdade com o Geraldo [Alckmin] e à população de São Paulo é tentar ser um bom prefeito. Aqui, conversa de governador e de presidente é proibida. Não dá tempo e, se tivéssemos tempo, também não iríamos tratar desse assunto porque desvia a atenção.

PARA ONTEM

Eu gosto de mim com meus defeitos e minhas qualidades. Sou um pouco impaciente. Como tenho o raciocínio muito rápido, tudo o que me atrasa, me incomoda. Aí, preciso me policiar para não colocar o tom um pouquinho acima e machucar as pessoas. Sou muito respeitoso e supercuidadoso no trato, não falo palavrão, não grito, não bato na mesa. Sou impulsivo em alguns momentos e, quando percebo que vou me descontrolar, penso: “Não posso fazer isso. Senão, vai destruir o meu dia”. Aí, procuro um lugar isolado (pode ser o banheiro) e faço três minutos de exercícios respiratórios de ioga.

ÍDOLOS

Admiro a Angela Merkel [chanceler da Alemanha]. Estive duas vezes com ela. É uma mulher equilibrada, firmíssima em suas posições e, graças à liderança dela, a Alemanha equilibrou a Europa. É um benchmark para mim – como estadista e administradora. Outro é o Michael Bloomberg,  prefeito de Nova York por três mandatos. Brilhante, competente, sério e transformador. O que ele fez foi gestão. Aliás, minha decisão de abrir mão do meu salário foi inspirada nele [o salário líquido do prefeito é de R$ 17.948].

ESQUERDA, DIREITA, VOLVER

Não acho que o mundo esteja dando uma guinada à direita. Sinto isso mais como um movimento pontual. Onde as esquerdas foram muito incompetentes, insensíveis,
ideológicas demais, sindicalizadas em excesso, protecionistas no plano do abuso, houve uma reação popular natural – aí, o discurso mais à direita sensibiliza. Onde a esquerda teve a capacidade de ser mais social-democrata, mais permeável, ainda que tendo como princípio proteger os mais pobres e os mais humildes, ela se consolidou. A própria Angela Merkel não é de direita, é social-democrata, e consegue estabelecer equilíbrio entre o setor produtivo, a classe trabalhadora e os sindicalistas. Havendo equilíbrio, esse convívio é perfeitamente possível. Ela não deixou acontecer o que houve na França, por exemplo. Lá, você concede, concede, concede e – pum! – crise, crise, crise. Aí, a Marine Le Pen acaba tendo chance de se eleger agora.

SOLIDÃO DO PODER

É igual a de um CEO de uma grande empresa,  que precisa tomar decisões amparadas em sua própria condição e no diálogo que tem consigo mesmo. Ainda que você tenha um board, há decisões que é preciso ter coragem de tomar e de assumir integralmente. Isso se você for um líder.   n

MÉTODO DORIA

“Ele nasceu assim. Nosso pai não era desse jeito – muito menos nossa mãe.” É dessa maneira que o publicitário Raul explica a obsessão de ver tudo no lugar do irmão mais velho, João Doria. “Se ele vier aqui [na produtora Cine, em São Paulo, da qual Raul é sócio] ou em casa, por exemplo, dá uma arrumada. É natural e espontâneo. A Andrea, minha mulher, e eu achamos ótimo, aliás!” Seis anos mais novo, Raul conta que João teve uma forte influência em sua educação. Segundo ele, por causa da morte precoce da mãe e do exílio do pai, João se tornou uma mistura de irmão mais velho e tutor.
“Somos muito próximos. Achei a candidatura dele uma loucura. Eu falava:  ‘Agora que podemos relaxar, você vai entrar na política? ’” Mas não teve jeito. “Hoje, vejo que errei.
Acho que nunca vi meu irmão tão feliz”

 

PONTA DA LÍNGUA

Apesar de polido nas críticas – “com todo respeito” e “admiro muito, mas…” geralmente iniciam frases mais azedas –, Doria vê sua calculada persona se desmontar quando o interlocutor é alguém do PT, ou que ele minimamente identifique como petista. Recentemente, mandou o cientista político André Singer “passear em Curitiba” e chamou de “Lula” um rapaz que o vaiou na rua. “Não sei o que nele é natural ou o que é construído, mas não aprecio esse estilo agressivo, que não ajuda na construção do diálogo e só põe gasolina na fogueira”, aponta o filósofo Renato Janine Ribeiro. Também reserva críticas à presença, digamos, ostensiva da iniciativa privada no governo. “Eticamente, existe um corte muito claro entre público e privado. O imposto, que ninguém gosta de pagar, serve para isso: para a sociedade não dever a um megaempresário. Porque se dever, uma hora vai pagar.” Para Janine, Doria tem um talento inegável na comunicação. “Sem dúvida ele é hoje o nome com mais chances [para 2018] dentro do PSDB. Mas isso acontece por um esvaziamento geral dos quadros tanto do partido dele quanto da oposição. Os nomes vão se enfraquecendo e ele é o que mais se beneficia disso”, finaliza.

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