Sinais do Mar
A escritora e acadêmica Ana Maria Machado construiu um extenso currículo ao longo dos quarenta anos de carreira que completa este ano. Publicou mais de cem livros no Brasil, muitos deles traduzidos em cerca de vinte países, e ganhou muitos prêmios: o Casa de Las Americas (Cuba, 1980), o Hans Christian Andersen, internacional, pelo conjunto de sua obra infantil (2000), o Machado de Assis, pelo conjunto da obra, da Academia Brasileira de Letras (2001), isso para citar alguns. Como jornalista, trabalhou no “Correio da Manhã”, e colaborou com “Veja” e “O Pasquim”, isso também para citar alguns. Ainda criou e dirigiu por 18 anos a primeira livraria do país especializada em livros infantis, a Malasartes.
Em 1969, depois de ser presa pelo governo militar, partiu para o exílio. Na Europa, trabalhou na revista Elle em Paris e no Serviço Brasileiro da BBC de Londres, foi professora de Língua Portuguesa na Sorbonne, e participou de um seleto grupo de estudantes na École Pratique des Hautes Études cujo mestre era o renomado Roland Barthes – seu orientador na tese de doutorado em Lingüística e Semiologia que deu origem ao livro “Recado do Nome” sobre a obra de Guimarães Rosa.
No meio de tudo isso, Ana Maria também escrevia poesias, que ia guardando numa caixa, mas até hoje não havia publicado um livro individual de literatura poética. “Sinais do Mar”, que será lançado no 11º Salão FNILJ do Livro para Crianças e Jovens, entre os dias 10 e 21 deste mês, no Rio de Janeiro, é sua primeira obra nesse gênero. Ela conversou com o canal Livraria da Vila sobre esta nova experiência, confira:
Por que só agora resolveu publicar um livro de poesias?
Ana Maria – Escrevo poesia desde adolescente. Eventualmente mostrava para algumas pessoas, e uma delas, minha amiga Ruth Rocha (também escritora), certa vez me pediu para separar uns poemas para um livro que estava organizando. A partir daí, volta e meia, me pegava cedendo uma poesia para publicação. Mas só recentemente me dei conta que tinha muito material sobre o mar, na verdade, tinha um livro pronto, só não sabia se era para adulto ou criança, sabia apenas que queria que tivesse um tratamento gráfico especial, foi quando procurei a Cosac Naify. (Realmente, o projeto gráfico é bárbaro: o livro lembra um caderno de viagem, e as cores se assemelham à tinta de caneta esferográfica. A textura da areia pode ser sentida no toque do papel especial).
E por que o mar?
Ana Maria – Talvez porque eu seja carioca. Nasci e fui criada em Santa Teresa. Desde pequena, me mostravam a baía da Guanabara e chamavam minha atenção para o mar e os navios. Depois veio Ipanema, a época da Garota de Ipanema, eu costumava ir para a praia depois do colégio, namorei surfistas. E tem o tempo do mar que é como a vida, tem épocas de maré alta, outras de maré baixa, ondas que vem e vão.
Escrever poesia é muito diferente de escrever prosa?
Ana Maria – Os meios que um artista escolhe para expressar sua arte são vasos comunicantes, o exercício que cada meio exige pode ser diferente, mas todos estão interligados. Eu, por exemplo, escrevo, mas também pinto. O Chico Buarque faz música, e agora escreve. Alguém pode dizer que Racine (Jean, 1639-1699) foi apenas dramaturgo e não poeta? O artista deve sempre buscar áreas de desconforto. A poesia me tira do conforto de escrever prosa para adultos ou crianças.
Há um poeta que possa apontar como referência?
Ana Maria – Gosto muito de Rafael Alberti (espanhol, 1902-1999), mas não posso dizer que seja uma referência, seu estilo surrealista/onírico não tem a ver com o meu. Leio muito e várias vezes Drummond, Bandeira, Lorca, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto. Também gosto de poetas fora de moda como Vinícius.
Mudando de assunto, como integrante da Academia Brasileira de Letras, o que pensa do novo Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa?
Ana Maria – Mudando muito de assunto. Sei que é uma chateação, tem muitos detalhes que nos escapam, mas foi o acordo possível. E isso era necessário. O acordo é importante para os países de língua portuguesa no contexto da geopolítica, pois institui uma única maneira de escrever o português, o que nos dá força em organismos internacionais como a ONU, a UNESCO etc.
Qual é seu personagem preferido na literatura universal? Por quê?
Ana Maria – Ninguém nunca me fez esta pergunta. Gostaria de citar uma mulher, mas o que me ocorre agora é Dom Quixote, que na verdade é uma dupla, não dá para pensar nele sem Sancho Pança. Talvez porque seja uma memória de infância, meu pai tinha uma estatueta de Dom Quixote na escrivaninha. E porque ele me remete à vontade de consertar o mundo, à coragem de enfrentar a vida, apesar das porradas que ela nos dá.
Para escutar Ana Maria Machado declamando um de seus poemas clique aqui.