De ator discreto a representante badalado da comunidade LGBT+: a trajetória de Carmo Dalla Vecchia talvez tenha surpreendido muita gente. Após tornar pública sua orientação sexual, o ator mergulhou no mundo das redes sociais produzindo divertidos vídeos curtos com temática da diversidade. E… aconteceu!
Há quem o reconheça pelos vídeos e nem sabe ainda que trata-se um bem-sucedido ator de novelas. Para ele, “está valendo a pena”. O ator diz curtir muito criar conteúdos cheios de convidados e amigos famosos e que gere representatividade. Em entrevista ao GLMRM, Vecchia falou sobre o novo lado da carreira e a chegada do filho Pedro.
GLMRM: De ator reservado a assumir publicamente sua sexualidade, como aconteceu esse processo todo?
Carmo Dalla Vecchia – Acredito que por uma necessidade de pertencimento. Acho que apenas tive a coragem de manifestar aquilo que sempre fui. Claro, anos de psicanálise ajudaram meu amadurecimento. A própria pandemia também e a vinda do meu filho. Tudo isso me trouxe ao que mais de real poderia importar na minha vida. Também acho que uma visão humanista que a minha prática budista me deu para eu ser um elemento de representatividade para outras pessoas. Pessoas, assim como eu sou, sabe?
Quando surgiu essa vontade de você e João (Emanuel Carneiro, roteirista e diretor) terem um filho?
A gente já estava casado há muitos anos, né? Aí viu a possibilidade se tornando cada vez mais concreta. Pelo tempo que a gente estava casado, pela segurança e por achar que a gente poderia trazer uma criança e dividir nosso amor com ela. Eu gostaria ter mais, mas João, não. E filho deve ser uma decisão tomada a dois. Quando você fala de um casal, os dois têm que ir.
A chegada do Pedro deve ter mudado bastante a dinâmica da casa. Como é seu dia a dia?
Acho que trouxe mais alegria. Uma criança dentro de uma casa ilumina tudo. Ainda mais uma criança como o Pedro, que foi tão desejada e tão programada e com uma estrutura da casa tão organizada.
Você já disse que é o que tradicionalmente chamariam de mãe e que o João é tradicionalmente o que chamariam de pai. Como é ser “mãe”?
Falei isso mesmo. Ser mãe é uma delícia. Quando um casal gay decide ter um filho, geralmente é uma decisão discutida, rediscutida muitas vezes. Justamente por não ser uma maneira fácil de trazer uma criança ao mundo, você pensa muito sobre isso. A gente escolheu ser pais e a parte que historicamente quem cuida é a mulher lá em casa fui eu mesmo que assumi. Cuidei de todas as funções e geralmente todas me dão muito prazer, mas é claro que tenho uma rede de apoio incrível, então tudo se torna muito mais fácil.
Como é a personalidade do Pedro? Parece mais com você ou com o João? Você e Pedro nasceram no mesmo dia, né?
Nascemos no mesmo dia. Acho que plasmei isso com tanta força… Tem que tomar cuidado com as palavras que a gente fala. Não programamos, mas aconteceu. Acho que o Pedro se parece com os dois. Isso é meio assustador e ao mesmo tempo engraçado, sabe? Porque ele é solar, expansivo e seguro. Contagia tudo que está na pauta dele. Odeia foto e ama comida. Exatamente como o João, conhece já desde cedo tudo que é comida e tem suas escolhas. É bastante exigente e, ao mesmo tempo, ama atividades externas como eu. Então acho que é uma mistura muito misturadinha de nós dois.
Educar é um desafio e tanto. Como vocês têm se saído?
Acho que bem! Não espero muito que essa função seja da escola, então a educação dele é feita em casa, a escola apenas apoia. Focamos em ser extremamente respeitosos com ele.
Que valores querem passar para o Pedro para que ele carregue durante a vida?
Me lembro que desde que o Pedro nasceu, meu maior desejo era que ele fosse um homem bom. Desejo que ele respeite as diferenças, desejo que tenha uma escuta aberta para o mundo, que se comunique com o mundo à sua volta de uma maneira positiva, alegre. Acho que eu e João somos assim também.
Voltando às redes. Você costuma dizer que é o “viado da família brasileira”. Você enfrenta preconceito, críticas, haters? Como lida com isso?
Na verdade, não tenho muitos haters nem recebo tantas críticas. Pelo menos não chegam até mim. Acho que por ser tão explícito assim quanto à minha orientação, fica difícil alguém querer me xingar daquilo que eu mesmo falo que eu sou. Ou implicar com um cara que levou tanto tempo para falar mas que, quando resolveu falar, fez isso de uma maneira tão direta como eu faço.
Por outro lado, ganhou milhares de novos fãs.
É, ganhei. Ganhei e não paro de ganhar. Muitas mães vêm me agradecer pela ajuda, através do exemplo que dou pros filhos delas, e principalmente por elas aceitarem melhor os filhos por me verem como sou. Isso acontece muito. Muitas pessoas já me pararam na rua, já recebi muitas mensagens de mães. Muitas mães vêm agradecer a minha mãe e ela vem me falar o quanto o se orgulha de mim.
Você costuma trazer para as redes assuntos delicados. O que te faz querer se posicionar publicamente?
Injustiça, né? Preconceito que eu sempre sofri. É mais fácil se calar. Eu resolvi não me calar.
Você usa o humor para deixar o assunto mais leve. É uma tática para chegar a mais pessoas? Como decide sobre os temas dos vídeos?
Gosto de rir. Acho que esse caminho pode conduzir algumas ideias mais facilmente, sim. E crio os vídeos pelos exemplos que tenho no meu dia a dia, que envolvem a minha comunidade. É uma maneira de me divertir, de fazer uma crítica ao mundo que a gente vive, ao mundo homofóbico, pois muitas vezes ele é. E às vezes uma crítica a nós mesmos. Para dar risada comigo mesmo.
O que você pretende com essa sua atuação nas redes? João te ajuda com ideias?
Representatividade, me divertir, pertencer, ser eu mesmo. Acho que já faço bastante para levantar a bandeira LGBTQIAP+ apenas sendo eu mesmo. João não ajuda, faço tudo sozinho, ele não tem nem curte muito redes sociais.
Tem outros projetos para internet?
Ainda não, mas às vezes penso que alguns temas seriam mais adequados a um canal no YouTube do que ao Instagram, até porque às vezes tenho ideias de vídeos que precisam de mais tempo e o Instagram é algo muito rápido. Tem alguns assuntos que eu gostaria de desenvolver mais.
A carreira de ator é sua prioridade?
Não, meu filho é minha prioridade. Mas acontece uma coisa interessante: atualmente as pessoas me reconhecem muito mais pelos vídeos do Insta do que pela minha carreira de ator. Isso é uma novidade.
Como foi trabalhar na novela “Amor Perfeito”?
Foi lindo, especial e ao mesmo tempo difícil, porque me remontou ao preconceito que já sofri na vida, assim como o Érico sofreu na trama. Nasci na década de 1970 no Rio Grande do Sul, um estado bastante tradicional, então entendo perfeitamente o que é você se calar, porque as pessoas ao seu redor aparentemente são muito diferentes de você e você se sente equivocado, se sente errado, e não pertencente. Você se sente inadequado ao local que vive. No caso do meu personagem, não é só o lugar mas também a década em que a história se passou. É gostoso poder falar sobre essa representatividade, ter a chance através do Érico de mostrar isso. Mas também é dolorido.
Agora que a novela acabou, o que você pretende fazer?
Emendei duas novelas e uma peça. E vou emendar com um filme. Depois vou descansar.
Fotos: Vinícius Mochizuki
Edição de moda: Ale Duprat
Produção: Kadu Nunnes