Por Chico Felitti para a revista Poder
A sala de reunião está coalhada de executivos dos dois lados da mesa de madeira escura. O CMO da empresa fala sobre o conceito da nova campanha. A diretora de marketing para América Latina, num terninho sisudo cor de chumbo, fala de como os comerciais têm de comunicar a felicidade do novo produto. Assessores que ninguém sabe ao certo o que fazem anotam e balançam a cabeça. Um executivo fala em dinheiro. “Por esse valor não vai dar. Vamos aumentar isso aí, gente.” A voz não é de um homem engravatado. É um sotaque carioca conhecido do rádio, da TV e da internet: a própria Anitta negocia sua participação em um comercial que já está sendo veiculado. O negócio foi fechado pelo valor que ela pediu.
A cantora mais ouvida em “streaming” hoje no Brasil é também sua própria empresária. Anitta, 25 anos, administra seus negócios, coisa de R$ 50 milhões anuais, desde que tem 22. Foi em 2015 que a artista acusou publicamente a então empresária, Kamilla Fialho, de ter desviado R$ 2,5 milhões da sua receita em um ano. Após o rompimento, que ainda se arrasta na Justiça com as últimas decisões a favor de Kamilla, Anitta abriu seu próprio escritório. Pendengas à parte, foi quando sua carreira deu um salto internacional, com músicas em inglês e espanhol. Tudo por decisão dela e só dela.
Nas últimas semanas de abril, foi a vez de Luan Santana pedir alforria. Ele rompeu com os empresários e centralizou as decisões de sua carreira num pequeno conselho que inclui seu pai e sua mãe. Com show na casa dos R$ 300 mil, sua receita supera os R$ 4 milhões mensais.
Pablo, o rei da sofrência e um dos criadores do ritmo arrocha, também virou “empresartista”, como alguns colegas gostam de chamar. Ele, que movimenta dezenas de milhões por ano e com faturamento que se enquadraria na categoria empresa de grande porte, segundo a Lei 10.165, tomou a decisão dois anos atrás, aos 20 anos de carreira. “A importância, para mim, é ter a autonomia para gerir a própria carreira. Tomar decisões.”
E não se arrepende um segundo da independência conquistada. “Eu acredito muito nisso do artista ser o gestor, ser livre para tomar decisões de seu negócio, de sua carreira.” Pablo ainda conta com uma equipe que inclui assessor de imprensa, responsável pela agenda, marketing, produção de estrada, pré-produção, produção executiva, músicos, banda em geral… Mas o executivo é ele. “Quando se tem uma boa equipe, empresário não faz falta.”
Aos 35 anos de idade e com 18 de carreira, Wanessa Camargo é outra que hoje negocia o próprio som. “Acho que ninguém quer mais o bem para o negócio do que nós mesmos. Eu aprendi que estar cercada de pessoas capacitadas em suas áreas me permitiria poder gerenciar a minha própria carreira. Assim, posso ter mais liberdade de escolha e, principalmente, liberdade criativa.”
A cantora, que lançou a música “Mulher Gato” em abril, afirma que, mais do que saber negociar, ser o próprio empresário exige confiança. “Há sempre muitas pessoas que¬rendo opinar, você precisa estar bastante sóbria e segura para absorver o que for correto e ouvir as pessoas certas. É um desafio, mas um grande aprendizado.”
Ela conta que quando começou na música, aos 17 anos, era assistida por uma equipe maior do que a de 2018. “Mas hoje tenho meus profissionais administrativos e financeiros que fazem sempre tudo junto comigo”, diz Wanessa. Só que uma coisa mudou: “Nos dias de hoje, tudo passa por mim antes”.
FATOR BOCA ABERTA
Além de permitir certas ousadias artísticas sem muitas discussões de relacionamento, como o investimento de Anitta na carreira internacional, ser dono da própria voz pode também ajudar nas negociações, por mais improvável que pareça. “Tem o fator boca aberta”, explica um gerente de uma multinacional alimentícia que fala em sigilo. “Você fica de boca aberta por estar conversando com um artista muito famoso, tipo o Luan, e acaba cedendo um pouco mais. A secretária pede para fazer selfie, o prédio todo acaba parando quando ele entra. É mais fácil fazer negócio com gente não tão conhecida”, admite.
A alforria dos artistas pode parecer centralização, ou capricho, mas é um novo meio de fazer negócios. Foi um salto parecido ao de empresas que passaram a operar “on demand”. “As mudanças da administração são as mudanças da lógica do mercado”, diz Susan Edwards, professora de gestão de carreira musical na universidade de Berklee, nos EUA. “Antes, o artista organizava sua agenda com um semestre de antecedência. Se fosse fazer um comercial, tinha meses entre começar a negociação e assinar o contrato. A figura do empresário permitia que ele se focasse só no caráter artístico, na música. Agora, as coisas são para depois de amanhã, é preciso lançar hits a cada três meses. Centralizar pequenas decisões faz mais sentido nesse contexto.”
Até porque as redes sociais trouxeram micro-oportunidades de negócios para artistas. Hoje, é possível contratar uma cantora de fama nacional para fazer um post na internet para um produto por cerca de R$ 100 mil – o que uma agência grande considera um troco –, se o projeto estiver ligado a seu dia a dia, numa decisão que passaria longe do controle de um agente ou de um empresário.
Pabllo Vittar, por exemplo, buscava em meados de maio uma empresa que apoiasse sua viagem à Europa para assistir a um show de Beyoncé – outra artista que conseguiu centralizar sua carreira ao redor da mesa de jantar da família. A cantora de “K.O.” e “Corpo Sensual” prometia, em troca de quem bancasse passagens e hospedagem dela e da equipe, postagens da marca no seu Instagram.
ESPAÇO VAI TER
“Olha, espaço para empresário sempre vai ter”, diz Silvio Dias, que já cuidou da carreira de camafeus da MPB e tem 30 anos de estrada. “Porque tem artista que negocia mal, ou que não quer nem lidar com isso, quer ficar quietinho compondo e ensaiando.” Mas o veterano admite que sua categoria passa por um momento difícil. “Essa nova geração já nasce com o celular na mão, com o aplicativo de planilha aberto”, ele ri.
Dias conta que recentemente ouviu de um rapper novato, agora seu ex-cliente, que não ia precisar mais dos seus préstimos. Na hora do rompimento, o rimador usou uma frase de um colega seu, Emicida, para definir sua escolha pela liberdade profissional: “Irmão, você não percebeu que você é o único representante do seu sonho na face da Terra? Se isso não fizer você correr, chapa, eu não sei o que vai”. “É preciso lançar hits a cada três meses. Centralizar decisões faz mais sentido nesse contexto”