Caco Ciocler lança doc político e solta o verbo sobre o governo brasileiro: “Conservadorismo é o desespero de quem tem medo da mudança”

Caco Ciocler // DivulgaçãoAos 48 anos, Caco Ciocler é um veterano. Em seu currículo, uma longa lista de filmes, novelas e peças de teatro, e, de uns tempos para cá, vem se dedicando a dirigir documentários. O último longa não ficcional assinado pelo ator, ‘A Partida’, estreou na 43ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, foi exibido no 21º Festival do Rio, e conquistou quatro prêmios no 14º Fest Aruanda, em João Pessoa.

O doc mostra a construção do pensamento político da atriz Georgette Fadel que, após a vitória de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil, decide se candidatar ao cargo. Em um ônibus viajando rumo ao Uruguai para tentar encontrar com José Mujica, icônico ex-presidente do país, os envolvidos no projeto debatem assuntos muito importantes como minorias, preconceito, racismo, mulheres na sociedade e política brasileira. “O documentário foi gravado em seis dias. Saímos no dia 26 de dezembro e chegamos no Uruguai no dia 31, que era o nosso objetivo”, conta Caco.

‘A Partida’ demorou um ano para ficar pronto e, a parte mais difícil segundo Caco, foi a edição. “Foi um trabalho de muita exposição. Todos nós temos cenas ali em que não nos orgulhamos da nossa reação ou do que dissemos”, revela. A produção, que estrearia no cinema, precisou ser adiada, mas o documentário independente já está disponível nas plataformas Now, Vivo Play, Oi Play, Petra Belas Artes à la Carte, Filme Filme e Looke. Posteriormente, entrará em cartaz também no Itunes e no GooglePlay.

Durante a pandemia, Caco tem se dedicado ao projeto Lista Fortes, que divulga empresas que doaram 1% do rendimento líquido de 2019 para ajudar funcionários e consumidores afetados. Confira o nosso bate-papo completo!

Glamurama: ‘A Partida’ já começa falando sobre as eleições de 2018 que colocaramJair Bolsonaro na presidência. Como foi a sua reação quando isso aconteceu?
Caco Ciocler: Tristeza. Já esperava que isso fosse acontecer, mas existia uma esperança, mesmo que pequena. Nessa época, fiz parte de algumas campanhas ‘vira voto’, em que as pessoas iam nas ruas convencer os eleitores indecisos a não votarem no Bolsonaro. Mas, mesmo assim, sabíamos que as chances dele vencer eram grandes. Foi um momento triste e de muita apreensão. Não tivemos a chance de ver ele sendo confrontado em debates públicos, então não sabíamos se as ideias perigosas dele eram realmente verdadeiras, ou só estavam sendo usadas nas campanhas por estratégia. A sensação era de estar diante de um abismo. Mas estávamos em um país tão dividido, que não sabíamos como a população iria reagir se o PT ganhasse.

Glamurama: Outro assunto no doc é sobre minorias (LGBTs, mulhers, negros). Como foi trabalhar assuntos tão delicados? Quais cuidados você tomou?
CC: Não tomei cuidado nenhum e deixei todo mundo muito livre. Esses assuntos foram surgindo espontaneamente e estava claro desde o começo que não existia um roteiro. Todos estavam ali muito expostos e não houve nenhum tipo de filtro na hora da montagem. As coisas foram acontecendo naturalmente. Acho que o único cuidado foi na edição quando tivemos que expor não só o nosso lado bom, mas trazer também as coisas ruins. Foi um trabalho de muita exposição. Todos nós temos cenas ali em que não nos orgulhamos da nossa reação ou do que dissemos.

Glamurama: Quanto tempo demorou para que o documentário ficasse pronto?
CC: O documentário foi gravado em seis dias. Saímos no dia 26 de dezembro e chegamos no Uruguai no dia 31, que era o nosso objetivo. Na volta eu até tentei filmar alguma coisa, mas não tínhamos mais energia para isso. Depois passamos para a montagem. Esse é um filme sem patrocínio, então tive que esperar nosso editor que havia pegado outro trabalho remunerado nesse tempo. Acredito que o processo todo demorou um ano.

Glamurama: Como foi a escolha das pessoas que participaram do documentário?
CC: Não houve uma escolha. Dessa vez, foi o contrário. A ideia inicial era eu ir sozinho com a Georgette Fadel, ela dirigindo o carro e eu filmando a construção do pensamento político de uma artista que resolve se candidatar à presidência. Mas depois vimos que isso não seria possível e liguei para o Vasco, que mora em Portugal, e ele topou. Então fui chamando mais pessoas para a filmagem, e as coisas foram se encaminhando. O time foi sendo formado a partir da necessidade.

Glamurama: Os discursos da Georgette Fadel são o foco do filme. Isso já era previsto ou foi acontecendo naturalmente?
CC: Acredito que o centro do filme é uma trupe que tem dois representantes, de duas vertentes diferentes, com um objetivo em comum, e o que acontece durante essa viagem é o que mais importa. É claro que o filme fala mais da construção do pensamento político de uma atriz que resolve se candidatar à presidência, então não tem como a Georgette não estar no centro.

Glamurama: Em algum momento sentiu medo de ter a sua obra censurada?
CC
: Sim, esse receio apareceu à medida que não sabíamos exatamente o que aconteceria durante o governo, principalmente porque a cultura ficou muito ameaçada. Também fiquei com medo de apanharmos ideologicamente, inclusive da esquerda, já que a Gerogette faz críticas ao PT também. Mas, por ser um filme independente, não tinha como ser censurado. Fiquei feliz que, no fim das contas, fomos acolhidos por ambos os lados.

Glamurama: – Muito se fala hoje em dia sobre desconstrução, algo necessário para enxergar a sociedade fora da nossa bolha. Como você, enquanto homem branco, se desconstruiu ao longo desses anos?
CC
: Não tem outra maneira de se desconstruir a não ser se abrindo para a desconstrução. E, para isso, você tem que entrar em contato com a sua própria construção. Sempre tive sorte de me relacionar com pessoas conectadas com esses assuntos todos, até mesmo no meu próprio coletivo de teatro. Essas questões sempre vêm à tona e foi um privilégio trabalhar com figuras que me confrontavam tanto.

Glamurama: Como vê o Brasil no futuro? Acha possível desconstruir o conservadorismo atual?
CC: É muito difícil responder isso. Acho que o Brasil está vivendo uma fase terrível, mas o conservadorismo é o desespero de gente que tem medo da mudança. Estamos mexendo com questões muito enraizadas. Mas sou otimista em relação a isso, acho que estamos vivendo o último suspiro desse conservadorismo. A mudança já ocorreu.

Glamurama: Explica pra gente o que é a Lista Fortes Brasil?
CC
: A Lista Fortes é um projeto que criei fazendo uma alusão à Lista Forbes, que mostra as pessoas mais ricas do mundo. Nesse projeto, propus que empresários mudassem sua finalidade diante da pandemia que pegou a todos de surpresa. A intenção era que eles deixassem de querer estar na Forbes como os mais ricos, para estar em uma lista que mostra as empresas que mais ajudaram seus funcionários e consumidores durante esse período tão difícil para todos. Então, toda a empresa que aceitasse usar ao menos 1% do lucro líquido de 2019 para socorrer seus funcionários e consumidores, entrariam para a Lista Fortes Brasil, que acabou virando uma referência. Em troca, formei um time de atores, pensadores, atletas, escritores, músicos, que juntos reuniam mais de 50 milhões de seguidores nas redes sociais, para divulgar cada empresa participante e, assim, retribuir o esforço.

Glamurama: Quais outros projetos você têm em vista?
CC
: Tenho vários. Antes da pandemia ia estrear uma peça e provavelmente vamos voltar assim que for possível. Também tem um próximo documentário, que brinca com ficção, e está em pré-produção. Além disso, tem uma série da Globoplay, estou fazendo faculdade de biologia…

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