“Boa noite, minha família. Obrigado por hoje. Oito músicas no top 100 do Spotify Brasil. Uma no top 30 do Spotify global. Tocou som do disco no BBB. Tô realizado demais e sei que devo a vocês tudo isso. Obrigado, minha tropa.”
O tuíte acima, escrito por Diogo Moncorvo, conhecido como Baco Exu do Blues, no fim de fevereiro, celebrava os resultados de “Quantas Vezes Você Já Foi Amado?”. Poucos dias depois do lançamento, o álbum alcançou o quinto lugar entre os mais ouvidos no mundo, segundo o Spotify.
Aos 26 anos, o rapper baiano se consolida no gênero musical. Foi ainda na adolescência, quando ganhou o apelido de Baco por ser festeiro, que o artista começou a transformar sua criatividade e vivências em arte – o complemento ao seu nome artístico vem de uma música que ele escreveu nessa fase. A persistência levou ao primeiro EP, “Oldmonkey”, em 2015, e, dois anos depois, ao álbum “Esú”, sucesso estrondoso que o alçou à fama e rendeu prêmios.
No começo da pandemia, o artista tinha mais um álbum pronto, “Bacanal”, mas achou que não entrava em sintonia com o momento que vivíamos globalmente. A saída? Começou do zero, gravou faixas inéditas e produziu o EP “Não Tem Bacanal na Quarentena”, feito todo virtualmente.
Baco é reconhecido por suas letras contundentes, sinceras e que escancaram situações de racismo e desigualdade, além de falar de saúde mental. “Não acho errado brancos se identificarem com a minha música, porque as experiências possíveis são muitas. Claro que é importante a pessoa saber por que eu falei aquilo e de onde vem, que isso faz parte da minha vivência negra”, conta na entrevista à J.P.
Já Diogo é tranquilo e gosta da vida calma, de perder contato com o mundo e de se dedicar aos seus hobbies. Até agora, os dois coexistem em harmonia e constroem, juntos, um legado brilhante para a música nacional.
J.P: Como um cara tão introspectivo faz shows para milhares de pessoas e lida com o grau de exposição que você ganhou durante a carreira?
Baco: Eu, Diogo, gosto de jogar dominó, treinar, correr. Também curto viajar, mas a lazer tem sido raro. A turnê virou a prioridade. Quando dá, pego um lugar tranquilo para perder o contato com tudo, ficar sem pensar. Eu sou muito na minha. No palco, sinto que me torno uma bandeira, eu represento o que eu falo, as coisas pelas quais luto. Existe certo poder em estar diante de pessoas que querem ouvir o que tenho a falar.
J.P: Você já contou, nas músicas, sobre sua depressão, assunto que, por muito tempo, foi um tabu. Por que resolveu expor essa dor?
Baco: Falo de depressão para as pessoas não se sentirem sozinhas. Elas veem que alguém que elas admiram passou pelas mesmas coisas que elas estão encarando. Pensar nisso me deu mais firmeza para entrar no assunto. Se depressão já é um tabu na sociedade branca, imagina na negra. Terapia e psicanálise são possibilidades muito distantes para nós, há uma barreira bem maior. Mas quando eu me pronuncio, divido a minha experiência, as pessoas entendem que não é uma besteira, é um problema que deve ser tratado.
“Falo de depressão para as pessoas não se sentirem sozinhas. Elas veem que alguém que elas admiram passou pelas mesmas coisas que elas”
J.P: Como é sua relação com as pessoas que escutam sua música? Você se sente, de alguma maneira, responsável pelo que canta, se cobra por isso?
Baco: Falo sempre pensando na mensagem que precisa ser dita e em como vai chegar. Entendo que isso cria uma identificação com as pessoas que passam por algo semelhante. Mas me cobro para ter cuidado mesmo. Penso se algo que falo vai tocar a pessoa de um modo triste. Ao mesmo tempo, a identificação aproxima. Eu mostro como funciona a minha cabeça, minha vida. Não quero ser inalcançável. Às vezes, estou falando sobre um episódio específico que uma pessoa negra sofre, mas tem uma partícula pequena daquilo que pode tocar uma pessoa branca em um ponto completamente diferente. Não acho errado brancos se identificarem com a minha música, porque as experiências possíveis são muitas. Claro que é importante a pessoa saber por que eu falei aquilo e de onde vem, que isso faz parte da minha vivência negra. É a minha visão, minha perspectiva, é importante ter essa noção.
J.P: Você canta “Foram vinte e cinco anos para eu me achar lindo” em “Autoestima”. Essa frase deu o que falar. O que impactou na construção da sua autoestima e como você mudou esse jogo?
Baco: É um processo muito cruel. Nunca vou conseguir me transformar no príncipe de cavalo branco, até porque, hoje em dia, nem tenho mais interesse em ser essa pessoa, mas isso é o que acaba sendo imposto, o que vem de fora. Estou bem com quem sou, satisfeito. Tenho minhas vivências, cicatrizes e marcas. Sei de onde veio isso, esses traumas, estou lidando com eles. Esse processo acabou me dando força para entender que não sou só isso, que não preciso ter a vivência perfeita para me achar uma pessoa bela. O que geralmente acontece é que você pode até se achar bonito, mas não o suficiente para os próximos ou para o mundo. E, na verdade, tem muito mais a ver com ser o suficiente para você mesmo.
“Muitos não estão acostumados com pessoas negras tendo autoestima. Não tenho culpa nem controle do olhar do outro sobre mim”
J.P: Esse conforto maior se reflete nas selfies e nas postagens das redes sociais. Mas já teve gente julgando e acusando você por se expor demais. Incomoda sofrer esse julgamento até quando você está se sentindo bem consigo mesmo?
Baco: Vejo que muitos não estão acostumados com pessoas negras tendo autoestima. Não tenho culpa nem controle do olhar do outro sobre mim. Se estou me sentindo bem postando um vídeo malhando, como uma pessoa enxerga isso é uma questão dela. Li esses dias que as pessoas estavam amando minha fase biscoitero e eu apenas apareci fumando, usando uma camisa aberta. Tanta gente posta foto de cueca e ninguém fala nada, pelo amor de Deus.
J.P: Quantas Vezes Você Já Foi Amado? consolidou seu público, aumentou sua legião de fãs e despertou atenção internacional. Em outro álbum, você chegou a se nomear de Kanye West da Bahia. Tem vontade de levar sua música para fora do país? Quais os próximos passos na carreira?
Baco: Ainda tem muita coisa a ser feita no Brasil. Nos meus dois primeiros discos, já havia surgido o convite de ir para fora, mas eu não tinha documentação na época. Agora tenho, mas estou focado em divulgar o álbum novo aqui primeiro. É uma construção. Quando for lá para fora, quero ter um momento grande, chegar de um modo diferente.
Reportagem: Baárbara Martinez
Fotos: Roncca / Divulgação
A íntegra da entrevista você confere na edição de abril da Revista J.P, nas bancas.