As escolas bilíngues de SP que cobram grandes mensalidades e querem mudar o ensino

ELAS QUEREM O SEU FILHO

Escolas bilíngues com mensalidades que começam em R$ 6 mil estreiam em São Paulo e se movimentam para atrair alunos das famílias abastadas da cidade. As armas? Promessas de valorizar as habilidades socioemocionais dos estudantes, projetos interdisciplinares e até palestra de um ex-presidente do país para divulgar a instituição

Por Paulo Vieira para a Revista Poder de Outubro 

O Brasil é um país curioso. Enquanto a Fiesp tira seu pato gigante da garagem ao primeiro sinal de aumento de impostos (ou ameaça de reoneração da folha salarial) e o PIBinho não sai do lugar, colégios de ensino bilíngue com mensalidades que partem de  R$ 6 mil vivem um momento áureo em São Paulo e em algumas outras cidades do Brasil. Em 2018, nada menos do que três novas instituições, todas de ensino bilíngue já a partir do ciclo infantil e com pretensões de desenvolver as habilidades “socioemocionais” de seus alunos, começam a funcionar em bairros nobres da capital paulista.

Numa travessa da marginal Pinheiros, vizinha ao Shopping Cidade Jardim, a Avenues abre sua primeira unidade longe de Nova York. Com a ideia de formar “cidadãos globais”, a escola anuncia que logo terá mais unidades não só dos Estados Unidos, mas também no Catar, na China e na Inglaterra – de qualquer forma é São Paulo sua primeira cabeça-de-praia longe dos EUA. Para justificar a deferência, Alan Greenberg, um dos fundadores, homem que migrou para o setor de ensino depois de trabalhar em empresas de mídia, menciona a demanda aquecida. “Todas as boas escolas internacionais de São Paulo têm listas de espera de alunos”, disse, em entrevista a PODER. “A cidade é o coração da América do Sul, uma metrópole dinâmica que certamente seria escolhida para receber uma Avenues.” Com assinatura do escritório de arquitetura Aflalo/Gasperini, o campus paulistano deverá ser imponente, com capacidade para 2.100 alunos em uma área de 40 mil metros quadrados onde antes funcionou a companhia de seguros SulAmérica. Com a chegada desses novos players, o enfoque conteudístico que fez a reputação de colégios queridos da elite paulistana como Bandeirantes, Palmares e Santa Cruz sai um pouco de cena. No lugar entram ensinamentos multidisciplinares, montagem e consecução de projetos e o tal desenvolvimento socioemocional. Na Avenues há ainda a possibilidade de interagir com alunos de outras partes do mundo e, mais do que isso, de estudar nos outros campi: todos poderão cursar um semestre no exterior ou se transferir automaticamente para outra unidade caso a família se mude para uma cidade onde a Avenues está.

No bairro de Higienópolis, no imóvel tombado pelo patrimônio histórico do município que pertenceu à decana Casa Pia São Vicente de Paulo, outra escola bilíngue, a Internacional de São Paulo, também inicia seus cursos ano que vem. Uma das estratégias de divulgação foi chamar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para falar sobre “educação no Brasil” num evento no elegante Buffet França, em maio. No encontro com ares de debate desinteressado, FHC falou palavras maviosas aos ouvidos dos proprietários da Internacional, o casal Raquel e Moisés Lam, que tem no currículo fundação, expansão e venda da rede de escolas de inglês Red Balloon. “Ter um ensino multicultural é fundamental hoje em dia. Aprender diferentes visões de mundo sob outros aspectos culturais é enriquecedor. A escola tem de transmitir humanidade aos alunos”, disse o ex-presidente, que tem “aparições” como aquela estimadas em R$ 300 mil.

LARGADA

Outro player que promete competir pelos milhares de reais dos pais que querem os filhos em escolas bilíngues – se não para se tornarem cidadãos globais, ao menos para ter acesso às melhores faculdades – é a Concept, escola de Chaim Zaher, presidente do grupo SEB, que congrega as redes de ensino Pueri Domus e Dom Bosco. Zaher foi fundador do sistema COC de ensino e se tornou o maior acionista individual do Grupo Estácio, da faculdade Estácio de Sá. Em associação com a filha Thamila, Zaher deu o input à Concept com investimento anunciado de R$ 150 milhões. A escola debutou este ano em Salvador e em Ribeirão Preto, no interior paulista, onde fica a sede do grupo. Num almoço em São Paulo com Thamila, PODER conheceu os features da Concept, que na capital paulista vai ocupar o histórico imóvel dos Jardins onde funcionou o tradicionalíssimo Colégio Sacré-Coeur. “A multiculturalidade é chave no nosso projeto”, disse Thamila. Nos vídeos promocionais que divulga, representantes da Concept entrevistam educadores de vários lugares do mundo como Cingapura, Genebra e Finlândia. Para Thamila, o “professor é a peça-chave, o agente da mudança”. Projetos interdisciplinares estão no cerne da metodologia de ensino – este ano, na unidade de Ribeirão Preto, alunos dos oitavo e nono anos foram entender como é viver numa nação em guerra, a Síria. “Os estudantes estão plugados em tudo o que acontece ao redor deles, e decidiram saber qual é o impacto que uma guerra tem na vida das pessoas”, disse por telefone a PODER a diretora-geral da Concept de Ribeirão, Monica Nogueira. O resultado de dois trimestres dedicados ao tema foi a criação de um canal no YouTube com (duas) entrevistas, um livro de receitas culinárias e um site com algumas crônicas.

Para Michel Lam, CEO da Escola Internacional e filho do casal Moisés e Raquel Lam, tanta preocupação em buscar exemplos internacionais reflete as deficiências da educação brasileira. “Na média, os cursos de pedagogia são  ruins por aqui. Se já é difícil para quem se forma em medicina, imagine o estímulo que o sujeito tem para ser professor? É preciso ser muito idealista, querer muito exercer essa profissão.” E, sobre fazer um investimento de porte em tempos difíceis, Michel é lapidar: “Nosso negócio é resistente, pois a última coisa em que os pais mexem é na escola. Com a Red Balloon enfrentamos uma época crítica na crise da gripe aviária. Mas só porque os pais não queriam mandar seus filhos para ambientes fechados”.

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