O jornalista que “inventou” a coluna eletrônica – formato que não existe em nenhum outro lugar do mundo –, sabe bem a mensagem que quer passar e garante: as festas não são mais como antes
Por Fábio Dutra para a revista PODER de setembro
Fotos Paulo Freitas e Maria Antonia Anicetto
Quando nossa equipe chegou ao Parigi, em São Paulo, para o almoço com Amaury Jr., encontrou a mesa cheia. Além de Amaury, sua assessora de imprensa, Márcia Dadamos, e seu genro e diretor da Callme Comunicações, que produz o “Programa Amaury Jr.”, Rubens Comini, estavam a postos em uma espaçosa mesa na varanda, o que deixou claro que ele não estava disposto a ser colocado em qualquer saia justa. Não que precisasse: ao longo da conversa, mostrou que é craque em comunicação e sabe bem a mensagem que quer passar. Amaury conversava tranquilamente com seu entourage enquanto levava um objeto de plástico à boca: parecia alguém tentando tocar flauta em uma caneta. Ele logo explicou: “Isso é um cigarro eletrônico descartável, tem umas 400 tragadas. Na minha última viagem aos Estados Unidos trouxe uns 200. Aqui, a Anvisa não liberou”. Então, ele parou de fumar? Quase. “Estou num híbrido, fumo o eletrônico a maior parte do tempo e o cigarro de papel de vez em quando. Já fiz de tudo: fui dos primeiros a tomar remédio, mas não me adaptei – me dava enjoo –, usei adesivo – fiz até propaganda –, chiclete, inalação, e nada funcionou. Agora, sim. Já fumei minha cota, comecei aos 14 anos”, explica o jornalista Amaury de Assis Ferreira Júnior, que completa 65 anos no fim deste mês.
O COMEÇO DE TUDO
Não foi só no tabagismo que ele enveredou cedo. O colunismo social entrou em sua vida ainda na escola, quando era comum a prática do jornal-mural (seleção de notícias feita pelos alunos e pregada em um quadro de cortiça nos pátios dos colégios). Amaury logo editou o seu e ficava escondido para ver se alguém lia. Pois virou best-seller juvenil e logo estava na imprensa local da sua São José do Rio Preto, no interior paulista. Daí ao Amaury Jr. da TV foi um caminho longo, mas contínuo.
Mesmo jovem, já fazia o maior sucesso entre impresso, rádio, organização de festas e até na televisão local, estava ganhando dinheiro e, de olho no que de melhor a imprensa do Brasil e do mundo fazia, teve a ideia de montar um jornal. “Chamei para sócio um amigo, fazendeiro rico, sobrinho de José Nabantino Ramos, dono da ‘Folha de S.Paulo’ naquela época. Fizemos o ‘Dia e Noite’, que revolucionou a região. Montamos o primeiro sistema de off-set e de telefoto do país. Dava fila de crianças em excursão para ver a foto chegar, demorava uma hora, um pontinho de cada vez”, lembra. Ele faz uma digressão antes de seguir: “O Luis Roberto Ramos, meu sócio, era filho do Luisão Ramos, o grande amor de Hebe Camargo – foi ele, inclusive, quem tirou a virgindade dela. No dia do ‘Hino da Televisão’, Hebe mandou Lolita Rodrigues em seu lugar porque estava com ele. Pode publicar, já publiquei anos atrás, ela que me contou”. Risadas generalizadas.
Amaury retoma o fio da meada, não sem antes pedir outro suco de tomate ao garçom, que se solidarizou com seu copo vazio. Quando o projeto do periódico surgiu, José Hamilton Ribeiro, o célebre repórter da não menos célebre revista Realidade, estava em Ribeirão Preto se recuperando do acidente que sofreu no Vietnã (era correspondente de guerra e perdeu uma perna ao pisar em uma mina. Narrou a experiência em primeira pessoa em uma reportagem épica, até hoje reverenciada por jornalistas e entusiastas do ofício). Amaury e seu sócio decidiram, então, convidá-lo para tocar a empreitada. “Ele tinha liberdade para fazer as maiores loucuras. Pôs repórteres para revirar o lixo dos ricos e ver o que jogavam fora. Um sucesso! Era um tempo criativo, cansativo, sem dinheiro, mas gostoso”, lembra Amaury, que, na época, dirigia um Willys Interlagos conversível.
Na televisão, ele também inventava. Organizava gincanas em que as pessoas tinham de comprovar suas tarefas no estúdio. Em uma delas, a missão era procurar na cidade a mulher mais parecida com Brigitte Bardot. Trouxeram a Ana Maria Braga. “Ela era lindíssima, foi um estrondo e a convidamos para ser assistente de palco.” Tudo estava ótimo, mas a área comercial não cobria as extravagâncias do jornal – e sem ele nem o impresso nem o rádio nem as festas fariam sentido para Amaury. O primeiro a sair foi José Hamilton Ribeiro, o maior salário, rumo à TV Tupi da capital. Convidou Amaury para ir. “Não tinha mais o que fazer na cidade e resolvi aceitar”, conta ele, que gerou insatisfações no mercado local por ter obrigado os concorrentes a se modernizar.
REI DA TELINHA
Na Tupi, Amaury ia ser repórter geral – “cobrir enchente e tudo o mais” –, mas já tinha há muito tempo a ideia de fazer uma coluna social eletrônica. Ainda em Rio Preto, acompanhava a coluna de Tavares de Miranda, que, entre uma foto e outra, exibia uma tripa de texto detalhando a festa. Como estavam vestidos os convidados, o que foi servido e até o estado dos toaletes. “A televisão mostraria tudo. Eu só precisava conversar com as pessoas”, acredita ele, humilde apesar de ter popularizado um formato que não existe em nenhum lugar do mundo. Sem preocupação com a linearidade e com a cronologia, e sempre sem tocar no couvert, volta à telinha: “Brinquei na Tupi, mas ela logo fechou. Fui para o sindicato, como todos faziam, passar os dias à busca de emprego. Acabei de volta ao impresso, na revista Fiesta, de Giacomo Laselva”, lembra o colunista.
Animado com a história, o hiperativo – e workaholic – jornalista, que só dorme quatro horas por noite, avança. Lembra que a Fiesta, revista anterior à Playboy, à Status e a outras publicações de mulheres nuas, colocava na capa fotos nada artísticas. “Era uma mulherada cheia de celulite… Fui ganhando a confiança do Laselva, vendia anúncio e logo virei redator-chefe. Coloquei na cabeça dele que deveríamos comprar cromos suecos, com aquelas mulheres lindíssimas. Foi um fracasso! As vendas em banca, enormes, despencaram. Os caras queriam a mulher acessível, a balconista do Mappin. Aprendi uma lição.” E a TV também deve seguir essa cartilha? “Cada país tem o povo que merece. O Brasil tem uma população que não leu, que foi abandonada pelo Estado, e isso gera um público que gosta de porcaria. Mas não se pode desprezá-lo. Televisão é faturamento, audiência e repercussão”, garante, após três bem sucedidas décadas de carreira.
PERSONA GRATA
Mas e a Globo? Amaury, que passou por todas as emissoras nacionais, menos a mais famosa, não se incomoda com a pergunta: “Bem antes do Jô, o Boni queria fazer um late show e me chamou. Mas, antes, queria que fosse repórter do Fantástico. Achei incerto, tinha dois filhos, tinha de me mudar para o Rio… Mas disse sim, claro! Mas o Boni acabou saindo da emissora e minha vida seguiu”, ri, aliviado. Apesar de não fazer parte do elenco da vênus platinada, ele é seguramente do primeiro time no quesito popularidade. E isso envolve a capacidade de fazer grandes entrevistas. Paulo Maluf, recém-libertado da prisão, falou com ele. Roberto Carlos, seu amigo desde o tempo em que ele organizava eventos e shows no interior paulista, falou-lhe em primeira mão que tem Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Bernardo Cabral assumiu sua veia dom-juan, que não perdoava nem as mais importantes ministras da nação. “Não sei se pareço confiável, se é persistência, sorte ou minha maneira não inquisidora de conduzir a entrevista, mas arranco o que as pessoas querem saber”, orgulha-se. E dá uma dica: “Gosto de entrevistar as pessoas depois do primeiro drinque”, conta com um sorriso maroto.
Amaury Jr. já foi visto na Record, na Gazeta, na Bandeirantes e na RedeTV!. “O Faustão foi me levando. Ele saiu da Gazeta e disse na Record: ‘Tem um cara lá…’, depois, disse o mesmo na Band, onde fiquei quase 20 anos”, lembra ele, rindo e dando crédito ao amigo. Aliás, ele é mesmo amigo dos amigos e não se furta a falar sobre eles ainda que estejam envolvidos em escândalos, polêmicas ou ingressando no jogo político. De João Doria Jr., que pretende ser prefeito de São Paulo e está dando a cara à tapa em um momento de acirramento dos ânimos ideológicos, diz que seria um “p… prefeito se fizer na administração o que faz em suas empresas”. Diz que não falou com J. Hawilla, conterrâneo e colega no início da carreira, desde a divulgação do imbróglio FBI/Fifa, mas que ouviu dizer que ele anda depressivo. “Sem hipocrisia, quem, dono de uma empresa de marketing esportivo, não pegaria um contrato por se recusar a pagar pedágio aos cartolas?”, provoca. O genro, desesperado, faz questão de pontuar: “Desse jeito, fica parecendo outra coisa. O Amaury é ‘mulher de César’, não só é honesto como tem de parecer honesto. Ele apenas está dizendo que sabe como algumas coisas acontecem por aí”.
O jeito espontâneo já, claro, rendeu-lhe alguns desafetos, como diretores de televisão que o perseguiam e editavam suas reportagens e até patrocinadores que cortaram verbas polpudas imediatamente, causando-lhe problemas nas emissoras. E completa, satisfeito, após pedir um espaguete ao vôngole: “O fato é que quem me perseguiu na vida acabou se estrepando”. Amaury, geralmente alegre como no vídeo, com músicas animadas ao fundo que costuma compilar em disco (foram sete, que venderam 350 mil cópias), sempre fala com certa aspereza sobre os detratores. Até hoje lembra da primeira matéria sobre seu inovador formato televisivo na “Folha de S.Paulo” que falava em “Amaury e seus ternos patrocinados”, uma alegada injustiça. Nesse ponto, KC and the Sunshine Band – que já foi a seu programa agradecê-lo pela celebrização do seu sucesso e autorizar no ar, como o apresentador espertamente pediu, o uso irrestrito da canção – cantaria “Keep It Comin’ Love” para restabelecer seu alto-astral.
TÚNEL DO TEMPO
Acostumado a mostrar festas badaladas, o apresentador muitas vezes consegue imagens e declarações que podem ser vexatórias ou problemáticas para alguns. Garante que tira tudo na hora da edição. Se o sujeito é um homem público e sua caneta define nossa vida, quero saber tudo. Se é empresário, não tem por que”, explica. Mas isso não dá um grande poder de barganha? Nunca pediram para tirar ou ofereceram dinheiro? “Dinheiro, nunca. Até deviam ter oferecido, considerando o que eu tinha na mão. Mas já pediram para tirar. Há uns meses, um famoso empresário amanheceu na porta da minha casa, desesperado porque tinha sido filmado com uma mulher que não era sua esposa. Tirei, claro”, revela, repetindo uma história que contou em várias entrevistas nos últimos anos. O colunista não titubeia na hora de cravar que as festas de antigamente eram bem melhores. Segundo ele, entre uma garfada e outra, depois de derramar tudo o que podia na roupa por conta da constante gesticulação – “acho que preciso de um babador! (risos)” –, hoje, as festas são todas comerciais, acabou a espontaneidade. “Ninguém mais pode tomar porre, o que era comum. Muito menos eu que tenho fama de bêbado, que eu sei. E nem tomo porres!”, reclama, apesar de admitir que costuma levar whisky Chivas Regal 18 para eventos quando quer tomar algo – “bebida ruim mata!”. E continua: “O bom gosto já era. Cadê figuras como Dener e Clodovil para movimentar as coisas? Não tem…”, garante. E o folclore também acabou. Carlos Imperial, seu amigo, seria um representante típico disso que não existe mais. “Ele me ligava: ‘Me paga um almoço que vou encher sua bola’. Na mesma noite estava de jurado do Troféu Imprensa comentando: ‘O Amaury tinha que estar indicado aí que o programa dele é isso e aquilo’”, lembra. Seria ele, então, um remanescente? Ele refuta, dizendo que não gosta do carimbo. O colunista pede um café e volta a falar dos detratores: “Não gosto que me folclorizem. As primeiras críticas injustas doem muito. Hoje, não, não tenho negatividade. Minha maior vingança é ser feliz: eles ficam p… da vida!”, encerra, folclórico.
TIM MAIA
O tempo todo, entre exemplos, Amaury elogia o cantor Roberto Carlos, reiterando o quanto ele é bom amigo. Perguntado sobre o que Tim Maia dizia do Rei, ele lembra que à época de seu programa na TV Gazeta, Tim foi seu ombudsman informal durante três anos. “Não três dias ou três semanas, três anos!”, ri. Segundo ele, seu produtor de plantão recebia ligações diárias: “Fala pro Amaury que o programa de ontem tava uma m…”, “Ontem até que estava bom, mas não estava booom, não” e outras afins. “Ele decupava o programa inteiro! Ele era assim…”, justifica entre risos. E aproveita para refletir: “Um grande artista que só foi reconhecido postumamente. O Brasil é assim: só reconhece seus artistas após a morte”.