Conhecer os anseios e desejos dos novos profissionais que chegam ao mercado, que não aceitam mais trocar tempo e força de trabalho só por dinheiro, é estratégico para as empresas – e para a consultora de gestão de RH Sofia Esteves, que há quase três décadas identifica o mood dos executivos do amanhã
Por Paulo Vieira para a Revista PODER de julho|| Fotos Paulo Freitas
O mundo em transformação assusta as empresas, ao menos aquelas que não compreendem bem quem não aceita mais trabalhar apenas pelo vil metal. Trata-se de um problema, já que para muitos jovens profissionais da atual geração, a dos millennials, e possivelmente das próximas, é preciso que haja uma identificação, um alinhamento entre os próprios propósitos e os da companhia em que irão colocar diariamente os pés.
Engajamento, propósito, significado – essas palavras não faziam parte do léxico corporativo há 29 anos, quando a paulistana crescida em Itaquera Sofia Esteves abriu sua consultoria de recrutamento e seleção, a Decision Making, hoje chamada Grupo DMRH, com presença no Brasil, México e Argentina. Vistas em retrospecto, as relações de trabalho pareciam mais simples. Trocavam-se nacos das vidas dos funcionários (nomenclatura hoje: colaboradores) por quantidades determinadas de dinheiros. O que as empresas fariam com toda a mais-valia gerada, assim como a maneira de se conduzir em relação a seu entorno (hoje: stakeholders) não dizia respeito a quem lhes davam aqueles nacos de vida. Como enxadristas bem treinados, Sofia e seus liderados foram percebendo esses movimentos antes de acontecerem. Captar tendências e antecipar-se às mudanças do mercado, eis um muito valorizado ativo para qualquer empresa.
Por meio de sua subsidiária Cia de Talentos, há 16 anos o Grupo DMRH publica anualmente uma pesquisa de enorme capilaridade que detecta o “mood” de quem chega e também de quem já está no mercado de trabalho. O trabalho se chama “Carreira dos Sonhos”. No fim de junho foram apresentados os resultados da edição 2017, tabulados a partir de entrevistas com 113 mil pessoas em nove países da América Latina. No Brasil, onde foram feitas cerca de 70% dessas entrevistas, responderam ao questionário 65.833 estagiários e recém-formados, 11.804 profissionais de nível gerencial (média liderança) e 4.536 trabalhadores de carreiras mais consolidadas, de gerentes sêniores a presidentes (alta liderança).
Como em 2016, a pesquisa detectou uma grande vontade de mudança. Enquanto no ano passado de 73% a 83% dos respondentes disseram que “fariam algo diferente se dinheiro não fosse uma preocupação”, em 2017 “experimentariam novos modelos de trabalho” 66% dos recém-formados, 68% dos profissionais de média liderança e 77% dos de alta liderança. Paradoxalmente, o grau de satisfação com o trabalho atual é grande, variando de 54% (média liderança) e 56% (estagiários e recém-formados) a 64% (alta liderança). Uma das conclusões da pesquisa é que os profissionais querem que o trabalho lhes legue, lhes deixe um aprendizado. E são os mais velhos, os que estão em cargos de alta liderança, que atingiram o maior percentual de respostas afirmativas à pergunta: “Tem uma pessoa com quem gostaria de aprender algo?”. O “guru” mais citado por eles é o empresário Jorge Paulo Lemann. Para os mais novos, essa pessoa é Bill Gates, apenas o quarto mais lembrado pelos sêniores. A pesquisa também identifica o que a consultoria chama de “empresa dos sonhos”. Para os três grupos de entrevistados é o Google. A Nestlé é a segunda mais citada pelos profissionais de média e alta liderança; já para os jovens, apesar dos pesares, a combalida Petrobras vem em segundo, logo após o Google.
PICANHA
Para participar deste Almoço de PODER, Sofia chegou pontualmente ao tradicional restaurante Rodeio, nos Jardins, em São Paulo, e fechou com a maioria, pedindo o prato de “assinatura” da casa, a famosa picanha fatiada acompanhada de arroz biro-biro. Falante e motivada, ele explicou que agora se tornou CSO (Chief Spiritual Officer), do Grupo DMRH, a executiva responsável por inspirar os liderados, para usar o acróstico popularizado pelo prolífico autor empresarial americano Ken Blanchard.
Sofia tem de inspirar cerca de 200 colaboradores, e para fazer a inspiração e todo o resto chegar à base há, segundo ela, “lideranças não impositivas”. A estrutura do Grupo DMRH é vertical, diferentemente de algumas empresas contemporâneas que começaram a abolir as chefias. De qualquer forma, a confiança, item obrigatório nas companhias horizontais, é fundamental também aqui. “Nosso ambiente não pode ter melindre. A ideia é que sempre se busque o melhor para o escritório, convergindo ou divergindo.”
Se os executivos do Grupo DMRH enxergam de posição privilegiada o que acontece com as relações de trabalho, é de se esperar que lá os talentos tenham espaço e incentivo para aparecer e evoluir. De fato, a atual CEO da Cia de Talentos, Maíra Habimorad, fez carreira na empresa, começando de baixo. Líderes e liderados passam por avaliações 360 graus, sendo analisados assim por pares, chefes, chefiados e até mesmo por clientes. Atualmente fora das decisões executivas, Sofia se obriga a uma vez por mês passar o dia a ouvir no escritório qualquer colaborador que tenha algo a lhe falar – sejam reclamações, confissões, sugestões ou mesmo conversa fiada. Curiosamente, embora a felicidade no trabalho seja um valor associado aos novos tempos, algo definitivamente a se perseguir, Sofia acredita que “só os mortos são felizes o tempo todo”. “O importante é ter clareza do que se quer”, diz. “Sou extremamente realizada no trabalho, mas em 20% ou 30% do tempo faço o que não gosto. Como ler balanços, por exemplo.”
E que as empresas se cuidem: a maneira como os millennials verificam se estão felizes é à quente, entrando e saindo das companhias. “Hoje há uma lógica diferente no mercado. Antes o jovem planejava primeiro para depois colocar suas ideias em prática. Agora vão por acerto e erro, como num videogame. Buscam a felicidade até achar.”
MÃO TRÊMULA
Se a cabeça de quem se inicia na vida profissional mudou muito em três décadas, nada mais justo que a lógica da seleção de emprego também mudasse. “Antes havia a mentalidade de que bastava pegar os melhores alunos de não mais do que seis faculdades. Há 15 anos começaram a ser discutidas as chamadas competências comportamentais, em que iniciativa, trabalho em equipe e boa comunicação passaram a ser mais importantes do que as habilidades técnicas. Agora o mercado deu mais uma girada, e é preciso que os valores do candidato coincidam com os da empresa. Um jovem que adora ousar, tomar risco e colocar projetos em beta não vai se realizar numa fabricante de turbinas de avião, que não pode fazer testes a todo momento”, explica Sofia.
Mas na hora da seleção, uma velha regra parece seguir em vigência. “Se na entrevista o candidato não estiver com a mão trêmula ou com a garganta seca certamente há algum problema. É nosso dever acalmá-lo, dizer a ele que já estivemos naquela cadeira e lembrá-lo que ninguém gosta de ser avaliado.”
Felizmente, as seleções não se assemelham a gincanas, e os candidatos não precisam convencer seus examinadores com piadas espirituosas ou outras habilidades artísticas. Sofia explica que nas novas dinâmicas os avaliados já são colocados em ambientes que não apenas simulam o dia a dia de trabalho: esses ambientes são, de alguma forma, o dia a dia de trabalho. E cita como exemplo um processo ocorrido numa feira orgânica, com os candidatos tendo de lidar com os colegas de equipe, claro, mas também com fornecedores e clientes de verdade.
Estudos indicam que nos Estados Unidos, apenas para usar um único caso, metade dos empregos hoje conhecidos estará em risco com o avanço da capacidade computacional nas próximas duas décadas. Assim, por extensão, prever o que vai acontecer com o mercado de trabalho no Brasil deve ficar cada vez mais difícil. Para Sofia, boas respostas podem vir dos setores hoje mais impactados pela tecnologia, como os bancos, que, por sobrevivência, têm de reagir rápido ao avanço da concorrência – no caso, as fintechs.
Para ela o Bradesco e principalmente o Itaú, com seu centro de empreendedorismo Cubo, lideram o processo. Além disso, sempre se deve olhar as soluções que as grandes empresas disruptivas, como as do mercado digital adotam no dia a dia. O Google é uma referência natural, e ofertar 20% do tempo da jornada de trabalho para que o colaborador faça o que bem entenda, famosa política de gestão de pessoas adotada lá, talvez não devesse mais ser visto pelos empregadores como uma extravagância.
Nenhuma consultoria acerta todas suas previsões, mesmo aquelas que recebem gordos honorários justamente para fazê-las. Numa conversa com um sobrinho médico, Sofia também mostrou que seus chutes podem passar bem longe do gol. Ela disse a ele que, com aquele emprego, ele jamais teria de se preocupar. Logo viu que estava enganada. “Ele me contou que agora já há chips para se colocar sob a pele que monitoram todos os indicadores do nosso corpo, apontam inclusive o que fazer, o que tomar”, revelou.
O sobrinho também falou-lhe de cirurgiões robôs que já começam a aparecer em alguns países, impactando o segmento. “Não existe um único setor que se possa dizer que esteja confortável, que esteja imune ao que vivemos hoje.”
FILANTROPIA
Filha de imigrantes crescida em Itaquera, tendo estudado em escolas públicas, Sofia conhece a realidade que insiste em nos rodear, para adaptar o verso de Lulu Santos. Por isso se engajou no surgimento do Instituto Ser +, que hoje preside, e que capacita jovens de 15 a 24 anos em vulnerabilidade social para atuar em áreas como informática, mídias digitais e farmácia, entre outras. Foram 1.114 formados em 2016 e perto de 6 mil desde a criação da entidade, então ligada à Nextel, em 2008. O Ser + está no Rio e em São Paulo – na capital paulista ocupa o campus da Universidade São Judas; no Rio, o da Faculdade São Judas Tadeu. Curiosamente, as escolas não têm relação entre elas.