Com 65 anos de carreira, uma das cantoras brasileiras mais importantes da história segue esbanjando sua voz suave, aderiu às lives musicais e prepara dois discos novos
por Carol Sganzerla fotos Maurício Nahas
Sentada ao piano que pertenceu a Vinicius de Moraes, Alaíde Costa repousa os dedos sobre as teclas e põe-se a tocar antes do início das fotos. O encontro aconteceu no apartamento do amigo e antiquário Rafael Moraes, local onde abriga o instrumento. As lembranças vêm à tona. “Vinicius gostou de me ouvir cantar na Rádio Nacional e pediu ao Baden [Powell] para me conhecer. Foi então que o Baden me levou na casa dele”, conta. “Antes mesmo de ter aulas [de piano] com Moacyr Santos, eu ensaiava algumas melodias e o Vinicius gravava sem eu perceber”, relembra. “Sempre que ele bebia demais, se internava. Uma vez, fui visitá-lo em uma clínica e me disse: ‘Na mesa de cabeceira tem um presente para você’. Cheguei lá e vi dois papéis dobrados, o Vinicius tinha colocado letras nas minhas melodias”, revela, referindo-se às canções “Amigo Amado” e “Tudo que É Meu”. A parceria com o Poetinha foi apenas uma das tantas que Alaíde faria ao longo dos 65 anos de carreira – o compositor carioca Johnny Alf era outro par assíduo. Tanto que, no mês passado, a cantora revisitou suas canções em uma live promovida pelo Museu Afro Brasil, sua estreia nos shows virtuais. A apresentação tocou os espectadores, um em especial: o rapper Emicida, que ofereceu a ela a produção de um álbum, incluindo uma música em parceria, entre outras inéditas escritas por ele e mais artistas. Na esteira das novidades, este ano será lançado um disco com composições de José Miguel Wisnik. Foi aos 20 anos, no programa de calouros de Ary Barroso, em 1955, que Alaíde ficou conhecida, mas, desde os 11 já era levada por um irmão para se apresentar na TV. “Ao contrário de muitas famílias que proibiam seus filhos de cantar, a minha me levava sem eu querer, nem sonhava em ser cantora”, diz. Na infância, passada em uma casa no subúrbio do Rio de Janeiro, o rádio estava sempre ligado, mas Alaíde “não gostava da forma como as pessoas cantavam, achava que não era adequada para uma garota”.
Dessas surpresas do destino, a menina que não ligava para o palco, em 1958, foi descoberta por João Gilberto e passou a frequentar as reuniões da bossa nova, movimento o qual viu nascer. Sua voz suave e o jeito doce – para não dizer tímido – viraram sua marca registrada. Segundo o jornalista Ruy Castro no livro Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova (Cia. das Letras), no 1º Festival de Samba Session, realizado na PUC-SP, em 1959, “… o grande sucesso da noite foi Alaíde Costa. Ela empolgou a multidão com ‘Chora Tua Tristeza’, de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, que, meses depois, se tornaria a primeira canção ‘da bossa nova’ a estourar fora dos limites do movimento”. Cinco anos depois, aos 28, ela viveu
um dos grandes momentos da carreira, que só o compara à emoção do nascimento de seu primeiro filho. “Era mãe havia quatro meses e fui cantar no show O Fino da Bossa a música ‘Onde Está Você’. No meio da apresentação, o público ficou de pé e começou a aplaudir. Foi emocionante”, diz. “Assim nasceu o hábito de aplaudirem a música no meio, antes isso não acontecia”, conta. Apesar de sua relevância, Ruy Castro observa em Chega de Saudade que “…Alaíde era perseguida pelo estigma que iria acompanhá-la por toda sua carreira: um mito entre os músicos e respeitada por todos os cantores, mas não tinha chances nas gravadoras”. Prestes a completar 85 anos – e não ouse chamá-la de senhora –, Alaíde reflete: “Até hoje batalho a minha carreira, ainda existe preconceito. O tipo de música que escolhi cantar trouxe dificuldades. Muitas vezes, ouvi: ‘Você tem que cantar uma coisinha mais alegre, samba’. Mas não me sinto à vontade”, pontua. “Na época, não tinha consciência, só percebi anos mais tarde. Mas águas passadas não movem moinhos.