A volta do grupo A Cor do Som faz lembrar os tempos heroicos dos Novos Baianos e como os artistas viviam em comunidade

Novos Baianos em antológico sítio no Rio de Janeiro // Arquivo Pessoal

por Pedro Alexandre Sanches

A volta do grupo A Cor do Som destampa um baú de relíquias da música brasileira, a começar pela história dos mitológicos Novos Baianos, que no início dos anos 1970 viveram e criaram em um sítio comunitário em Vargem Grande, no Rio de Janeiro. O baixista Dadi Carvalho é o principal elo entre as duas bandas. Ele ficou nos Novos Baianos de 1970 a 1974, de início como integrante de um subgrupo chamado… A Cor do Som. Completada por Pepeu Gomes, Jorginho Gomes e Baixinho, essa primeira versão d’A Cor foi nomeada a partir de uma canção homônima composta pelos novos baianos Moraes Moreira e Galvão. “Primeiro, todo mundo morava junto no apartamento em Botafogo”, lembra Dadi sobre a vida comunitária. “O apartamento foi uma experiência muito legal de todo mundo junto criando. Foi onde teve a visita de João Gilberto e Caetano.” A ida de João culminaria na concepção do mítico álbum Acabou Chorare (1972). O baixista lembra o começo do sítio: “Era um lugar maior, com campo de futebol. Tinha um galinheiro que virou estúdio de ensaio. Para mim, com 20, 21 anos, era diversão total. Jogava bola de manhã e ficava tocando a tarde inteira. Era perto da praia, a gente dava um mergulho”. Outros integrantes d’A Cor do Som também participaram desse caldo de cultura, embora não tenham morado no local. O guitarrista e bandolinista Armandinho Macedo revela que houve outro sítio dos Novos Baianos na capital da Bahia: “Só fui como visitante, já depois que Moraes saiu. Antes, acompanhava tudo porque morava em Salvador e, no verão, eles vinham para cá. Eu ia procurar Pepeu no sítio que eles alugavam”. Irmão de Dadi, o tecladista Mú Carvalho diz que frequentou bastante o lugar: “Ia muito porque eles tinham um time de futebol, e eu formava uma galera, pegava um ônibus, ia lá jogar contra os Novos Baianos”. No sítio, os Novos Baianos fizeram experimentos inéditos, de misturar rock com samba, baião, frevo, choro e assim por diante. Eram tempos em que se acreditava no sonho hippie da vida em comunidade, experiência que também fizeram Os Mutantes de Rita Lee e Arnaldo Baptista, em sua fase mais lisérgica, na Serra da Cantareira, em São Paulo. Nesse caso deu menos certo: Arnaldo e Sérgio Dias queriam tornar o som da banda mais progressivo, e Rita acabou expulsa – do grupo e da Cantareira.

A Cor do Som atualmente //Foto: Leo Aversa

No caso dos Novos Baianos, a saída de Moraes Moreira, em 1974, precipitou o fim do QG no campo. “Quando Moraes saiu e todo mundo foi para Bahia, eles tiveram que entregar o sítio. Em vez de voltar para o Rio, foram para São Paulo e alugaram uma casa”, diz Dadi, que foi para o Rio e não voltou mais para o grupo. “Tive que fugir, era o único jeito, eu não tinha coragem de falar que ia sair”, relembra ele, que voltou a morar com os pais. Com Moraes e Dadi fora, o grupo ainda seguiu até 1978, mantendo Pepeu, Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Paulinho Boca de Cantor e Galvão. Moraes foi o artista a dar o pontapé inicial para a (re)fundação d’A Cor do Som. Começando uma carreira solo em 1974, ele chamou para sua banda Armandinho, Dadi, o jovem Mú e o baterista Gustavo Schroeter. Essa formação, acrescida do percussionista Ary Dias, seria batizada de A Cor do Som e lançada no cenário musical em 1977, como grupo instrumental autônomo. Há mais história na origem d’A Cor do Som além dos No vos Baianos. Em 1968, com 15 anos, Armandinho foi lançado como garoto prodígio do bandolim, participando com o instrumento do programa televisivo A Grande Chance, de Flávio Cavalcanti. Ele era filho de Osmar Macedo, um metalúrgico que, ao lado do amigo eletrotécnico Dodô, inventara nada menos que o trio elétrico, nos anos 1940. Armandinho retomou o projeto do pai (que estava parado desde 1961) e fundou o Trio Elétrico Dodô e Osmar, que passou a gravar discos instrumentais anuais. Do trio sairia o quinto integrante d’A Cor, Ary Dias. Paralelamente, Armandinho começava a desenvolver o que ele batizaria de guitarra baiana, que faria a glória d’A Cor do Som e, mais adiante, da axé music. “Em 1983, todos que foram cria da gente começaram a gravar”, afirma. “Gerônimo [Santana] tocou percussão no nosso trio no começo. Luiz Caldas chegou ainda garotão querendo aprender guitarra baiana.” Ouvidas hoje, canções d’A Cor do Som como “Zanzibar (As Cores)”, de 1980, se revelam precursoras legítimas do axé. Nos dois primeiros discos, o grupo se dedicou ao instrumental. “Eu compunha músicas instrumentais misturando a música progressiva, que eu adorava, com a pegada de baião, de ritmos brasileiros”, diz Mú. Depois de dois discos, o diretor da gravadora Warner, André Midani, pressionou para que o grupo cantasse. “A sugestão do André era para a gente se abrir mais, tocar em rádio”, explica Dadi. Armandinho, Dadi e Mú aceitaram o desafio de Midani e o terceiro disco saiu com três faixas cantadas. Eram “Swingue Menina”, de Mú e Moraes, “Abri a Porta”, de Gilberto Gil e Dominguinhos, e “Beleza Pura”, oferecida por Caetano Veloso. As três foram sucessos de rádio e atiraram A Cor do Som no pop comercial.

Dadi e Mú // Arquivo Pessoal

A partir daí surgiram canções solares como “Palco” (de Gil), “Para Ser o Sol” (1980) e “Alto Astral” (1981), que antecipavam outro movimento musical prestes a explodir, o rock brasileiro dos anos 1980. “A Cor do Som abriu a porta para a turma do rock dos anos 1980. Abriu a porta e foi atropelada. A gente não aguentou o tranco, não conseguiu segurar”, avalia Mú. Armandinho saiu em 1982, mas o grupo prosseguiu até 1987. “A gente tentou muito manter, mas era a Blitz estourando nas rádios, daí vieram os Paralamas do Sucesso”, recorda Dadi. Depois de algumas reuniões esporádicas dos anos 1990 em diante, A Cor do Som volta agora à origem. O disco novo, Álbum Rosa, é 100% instrumental, com regravações de temas queridos para o grupo. Sobre a capa cor-de-rosa, Armandinho decreta: “Acho bacana para passar por cima dessas coisas de que homem não usa rosa, mulher não usa azul. Isso é um machismo que já foi há muito tempo e ficam levantando em pleno século 21.”

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