Foi dada para Caco Ciocler a missão de viver em “Segundo Sol”, Edgar, um personagem que não é o vilão e nem o mocinho, mas um cara que vive à sombra de um pai tirano, um “banana”, como o próprio ator define. E ele está brilhando, mais uma vez. Para Caco, este é um dos maiores desafios que já enfrentou na TV e olha que sua trajetória é longa. Glamurama bateu um papo com o ator divido em três momentos: “Segundo Sol” em que faz uma análise poderosa de Edgar e conta sobre a dieta power que fez com restrição total aos carboidratos para compor o personagem, além da experiência de ser, aos 46 anos, avô (Elis, sua neta, é filha de Bruno, que tem 21 anos) e também sobre os projetos no cinema e teatro. Tudo pontuado pela visão especial de ver o mundo desse cara boa pinta e espirituoso. Olho nele!
Glamurama: Quais são os desafios para interpretar o Edgar, que vive à sombra do pai e é humilhado por ele? Como conseguir destaque e entreter o público com esse personagem?
Caco Ciocler: “Edgar é um dos personagens mais difíceis que já fiz na TV. João Emanuel Carneiro me avisou logo no começo que ele seria sempre humilhado, ouviria de todo mundo em seu entorno que não prestava para nada e que, apesar de seus personagens terem sempre uma reviravolta ao longo da novela, a de Edgar seria tardia. Se eu criasse o estereótipo óbvio ele seria desinteressante, sua alma é assim. Por outro lado, Edgar veio com contradições que não eram fáceis de resolver. Apesar de toda a humilhação que sofre, tem um lado sensível, gosta de música clássica, toca piano e tem um certo sex appeal – como um cara sem auto-estima como ele consegue conquistar uma mulher? E ele consegue, a Cacau [Fabiula Nascimento]. Meu maior esforço foi construir um cara que por ser tão humilhado fingisse ter uma certa auto-estima e se demonstrasse corajoso em alguns momentos. Está cheio de gente assim por aí. Por ser tão despreparado emocionalmente ele acaba esbarrando em questões de caráter até que chega a um ponto que não dá mais pra justificar suas artimanhas!” (Risos) “Esse cara realmente não merece o melhor respeito, virou um banana.”
Glamurama: Na novela, a família se desfaz e Edgar, o último a “sair e apagar a luz”, vai viver com Cacau (Fabiula Nascimento) e acaba caindo em uma armadilha armada por Rochelle (Giovanna Lancellotti) e Roberval (Fabrício Boliveira). Podemos esperar uma reviravolta do personagem?
Caco Ciocler: “Coitado… O que me foi dito no começo da trama é que ele é um personagem que tentaria algumas vezes fazer a coisa certa, e sempre que a gente achasse que estava caminhando para o bem, ele faria alguma cagada (risos)! Agora ele está prestes a fazer uma besteira inacreditável com a Cacau. Roberval vai alimentar esse sonho dele com a construção do shopping e depois vai chantageá-lo de forma que terá que escolher entre Cacau e o emprego, e ele vai tomar a decisão errada. O Edgar tem a alma muito fraca. Espero que depois de tantos tombos aprenda alguma coisa. Não é possível que passe a novela inteira sem entender nada. Estou tentando fazer com que as pessoas voltem a sentir pena dele, transformá-lo em uma vítima desse pai.”
Glamurama: A má índole do pai incomoda o Edgar, mas ele tem a necessidade de ter a aprovação dele, o que resulta em uma admiração estranha da figura paternal. Comente isso.
Caco Ciocler: “Isso mesmo. Até certo ponto deu para perdoá-lo, ter uma certa admiração por essa figura que ele representa – um cara que nunca trabalhou, um fraco que até teve momentos de revolta mas sempre acaba no mesmo lugar. Como ator não sei explicar porque esse cara faz o que faz. A justificativa que dou é: no fundo o Edgar tem uma boa índole, mas não tem estofo e preparo emocional. Nunca precisou decidir nada na vida e aceitou essa condição. Depois de anos, essa falta de preparo vaza para o caráter. Ele se tornou um mentiroso, envolvendo todo mundo com a maluquice dele. É um despreparado.”
Glamurama: Você mudou bastante seu físico para o papel, está mais forte e magro. Como foi este processo?
Caco Ciocler: “Cheguei na primeira leitura da novela com a energia para interpretar o tal “banana” que me passaram. Foi aí que a Fabíula me chamou de canto depois da leitura e falou: vou ter que me apaixonar por você, então você vai ter que mudar essa energia. E eu falei: o cara é um bundão, o que vou fazer? E foi graças a ela que me veio o insight de buscar em mim esse cara de 30 anos, que não trabalha e vive em uma mansão com piscina, até que cheguei no perfil de um playboy que deve malhar, até para suprir a falta de auto-estima. Para isso tive que modificar meu corpo. Fui ao médico e, com poucas semanas para a mudança, tive que cortar todo o carboidrato, açúcar e álcool – inclusive frutas. Só comia proteína: ovo, carne, peixe e frango. Nos primeiros dez dias tive uma espécie de abstinência fortíssima, mudou meu humor e tudo mais, e tive uma desidratação por não ter bebido a quantidade de água que deveria. Passado esse período foi só alegria. Perdi cerca de 5 kg na balança, mas ganhei muita massa muscular e eliminei gordura, de 18% passei a ter 11%.”
Glamurama: Você segue fazendo a dieta?
Caco Ciocler: “Estamos partindo para uma segunda fase. Voltei a comer alguns carboidratos, mas apenas os complexos como batata doce, e tenho um dia por semana liberado para sair um pouco da dieta. Tudo começou por estética mas a melhora que vi na minha saúde, nos exames, me deixou muito feliz.”
Glamurama: Você enxerga coincidência entre os papéis que lhe são atribuídos em novelas?
Caco Ciocler: “Coincidência entre os papéis acho que não, o que as vezes acontece no nosso meio são ‘gavetas’. Pessoas começam a te enxergar de um jeito para fazer tal personagem, o que acho uma besteira. Procuro quebrar essa expectativa.”
Glamurama: Acha que o papel do galã está extinto?
Caco Ciocler: “Acho que sim. Antigamente as tramas eram centradas na história de um casal protagonista, tanto é que até o nome da novela era voltado à figura central, como ‘O Rei do Gado’, e isso não acontece mais. É uma tendência pulverizar, pois o telespectador hoje tem uma outra velocidade, então como sustentar uma novela que dura nove meses centrada em apenas um casal? Atualmente as pessoas não tem mais essa paciência e foi preciso intercalar os relatos, senão ninguém aguenta.”
Glamurama: Você tem um filho de 21 anos, o Bruno, que foi pai recentemente. Como ele está lidando com essa nova fase? Como foi ter sido avô tão novo?
Caco Ciocler: “Bruno acaba de comprar uma terreno em Minas Gerais com um amigo e eles vão começar um negócio de agrofloresta, plantando café, pimenta e palmito. Ter me tornado avô foi louco. Eu tinha acabado de escrever um livro chamado ‘Zeide’ maneira como eu chamava meu avô, então estava muito próximo dessa questão paternal. Foi justamente no dia do lançamento que ele me contou a novidade. Foi muito forte e assustador no primeiro momento, mas assim como aconteceu comigo quando tive o Bruno, a vida dele ficou bem resolvida quando se tornou pai. Sinto um amor inexplicável por Elis e ficaria olhando para ela dormindo durante dias seguidos, mas para mim o mais bonito foi ver ele nesse exercício, descobrindo como é ser pai e como se relacionar com o filho.”
Glamurama: Qual a dica para quem passa por essa situação? Apoio ao filho, orientação…
Caco Ciocler: “O mais difícil para os pais é educar os filhos para serem pessoas. Meu grande esforço sempre foi ajudá-lo a se desenvolver como ser humano para que faça as escolhas dele e possa ser feliz com elas. Muitas vezes ficamos entupindo nossos filhos de expectativas que são nossas e isso é cruel. São seres independentes e nossa função é ajudá-los a construir uma personalidade independente. Se a paternidade chega é preciso primeiro entender se aquilo é desejo dele e também um momento de fragilidade, onde a gente precisa apoiar – o que não significa passar a mão na cabeça – mais do que pressionar. É uma etapa nova da vida e vou ajudar da melhor maneira possível.”
Glamurama: As séries têm ganhado cada vez mais espaço na TV brasileira, e você vive isso na pele com “Unidade Básica” (Universal), que protagoniza e que ganha segunda temporada em breve…
Caco Ciocler: “Estamos passando por um momento muito claro de transição. A lógica da TV aberta, com uma grade fixa de programação, não faz mais sentido para as novas gerações. Isso funcionava no passado, quando famílias se reuniam para ver a novela juntos e a TV ditava nossos horários. Hoje, as pessoas veem o que querem e quando querem e ficou difícil prender a atenção de telespectadores às novelas, tramas extensas e cotidianas. As pessoas não têm mais paciência para isso, e é aí que as séries entram. Há uma demanda por produções mais curtas e mais intensas e a Globo já entendeu isso, tanto é que criou o Globo Play. Para o ator esse formato mais curto também é melhor, porque se sente com personagens mais complexos.”
Glamurama: A série narra os dilemas vividos em um posto de saúde na periferia de São Paulo e contou com a ajuda de médicos para desenvolvimento da história. Qual foi sua compreensão sobre os problemas enfrentados na cidade?
Caco Ciocler: “Fiquei surpreso com a qualidade do atendimento da UBS porque ela ‘desafoga’ os hospitais e propõe uma volta aos médicos de família – uma questão discutida mundialmente. Pacientes incapacitados de irem até a unidade são atendidos em casa, com toda estrutura necessária. Sem fazer uma denúncia, a série propõe uma discussão sobre até que ponto especializações são um ganho na medicina, já que estamos vendo muitos médicos iludidos com uma profissão que garanta qualidade financeira e cada vez menos preparados e incapazes de fazer um diagnóstico.”
Glamurama: Você está com seis longas para serem lançados ainda este ano. Pode nos contar um pouco sobre eles?
Caco Ciocler: “‘Simonal” e “O Banquete” serão lançados agora no Festival de Gramado e “Fica mais Escuro antes do Amanhecer” chega este mês aos cinemas. ‘Bonie e Bonita’ é uma co-produção com a Argentina que conta com uma passagem interessante de tempo. Filmamos dois trechos dele com espaço de seis meses para respeitar as fases do personagem. Em ‘Olho e Faca’ eu participo da cena final. “O Banquete” é um filmaço, feito em apenas uma locação que tem a duração de um jantar e filmado como se estivéssemos em uma peça de teatro. Meu personagem passa toda a trama bebado. O mais genial dele é a forma como Daniela [Thomas] consegue manter a atenção quase que insuportável durante 1h30.”
Glamurama: Soubemos que você está preparando um monólogo sobre Moisés para estrear depois da novela. Conte-nos sobre o projeto.
Caco Ciocler: “É um projeto embrionário, ainda em fase de pesquisa, mas que pretendo emendar com o fim da novela. A ideia partiu de algo engraçado que vem desse movimento de ‘lugar de fala’, que se discute porque apenas trans podem interpretar trans, só negros podem interpretar negros e etc. Conversando sobre isso com um amigo, eu disse: “Poxa, sou branco, judeu e heterossexual, qual é o meu lugar de fala, então? Posso fazer Cristo e Moisés!” (Risos) “Partiu de uma brincadeira, mas fui entender que Moisés foi um personagem muito emblemático para a nossa civilização. Uma figura cheia de peculiaridades que tem a ver com tudo o que vivemos hoje, que trouxe leis para a humanidade e popularizou o monoteísmo na civilização.” (Por Julia Moura)