Por Luís Costa para a revista PODER
Literário, mundano, boêmio e acima de tudo personalíssimo, o Rio de Janeiro dos anos 1920 vivia também verdadeira efervescência cultural, como mostra Ruy Castro em nova biografia
O jornalista e escritor Ruy Castro achava que os anos 1920 haviam sido feitos para (e por) cidades como Nova York, Paris ou São Paulo. Quando decidiu pensar nos brasileiros notáveis da época – o pintor Di Cavalcanti, os poetas Gilka Machado e Manuel Bandeira, os músicos Bidu Sayão e Villa-Lobos, entre outros –, ele se deu conta de que todos estavam no Rio. A então capital da República, ficou claro, vivia na mais efervescente modernidade. “Daí surgiu a ideia para Metrópole à Beira-Mar (ed. Companhia das Letras), um livro para apresentar um lado da história que sempre foi escondido”, diz o escritor.
No Rio de Janeiro de um século atrás, respirava-se modernidade. Era uma cidade da palavra: a vida literária se dividia entre a Academia e as muitas livrarias que se espalhavam pelo centro. Cidade da prosa cheia de pompa de um Coelho Neto e da crítica social ácida de um Lima Barreto. Cidade dos bondes e dos automóveis, da movimentada avenida Central (hoje Rio Branco), do lufa-lufa dos teatros e dos cafés, do Carnaval e do banho de mar, do samba e da ópera.
Todos acorriam à então capital da República. Com uma vasta oferta de jornais e revistas, intelectuais chegavam ao Rio de todo o país, trazendo com eles um livro publicado ou uma carta de recomendação. Todos se tornariam cariocas. “Ser carioca nos anos 1920 era estar habituado a conviver com os estrangeiros, com os poderosos, e a não levá-los a sério nem ter muito respeito por eles. No Rio nunca existiria um bairro italiano, um bairro japonês, um bairro lituano, um bairro nordestino. Todos os bairros do Rio sempre foram cariocas”, afirma Ruy.
No Brasil, a ideia de modernidade nos anos 1920 sempre esteve historicamente ligada a São Paulo, palco da Semana de Arte Moderna e então candidata ao posto de “locomotiva do país”. Como contraponto, Ruy mostra um Rio de Janeiro já pujante com seu 1,2 milhão de habitantes, prédios de dez andares com elevador, mais de 30 representações diplomáticas, telefone e luz elétrica para muitos, 15 jornais diários e um grande mercado para livros, teatro e artes plásticas. “Tinha também moças de perna de fora, grande consumo de drogas e a cidade estava começando a ocupar as praias”, diz. “Procurei mostrar uma realidade urbana, gigantesca, metropolitana, dinâmica e moderna que estava sendo ignorada.”
Passados exatos 100 anos, o Rio que tinha gosto pela literatura desbotou, apesar de sua arquitetura conservar quase bairros inteiros daquela década. Mas o carioquismo, esse ainda resiste. “O carioca continua crítico, irônico e perspicaz. A cidade é que, como muitas outras, sofre há décadas com crises, corrupção, péssimas administrações e uma sistemática rixa com o governo federal, rixa esta que já valeu grandes prejuízos ao Rio, como a fusão promovida maldosamente por Ernesto Geisel [em 1975], para esvaziar a Guanabara política e economicamente, e sem consultar a população”, afirma Ruy. “Mas um lugar que teve a desgraça de ser governado por Brizola (duas vezes), Moreira Franco, os Garotinhos, Benedita da Silva, Sérgio Cabral e Pezão, e continua de pé, nunca será vencido.”