À frente do Laboratório Sabin, que fatura R$ 700 milhões anuais e deve crescer 28% neste crítico 2016, Janete Vaz conseguiu quebrar um paradigma universal: fazer seus 3.700 funcionários felizes sem premiá-los necessariamente com dinheiro. Além de um bom ambiente de trabalho, vale bolsas de estudo, descontos em eletrodomésticos, check-up gratuito para parentes e, sim, participação nos lucros e resultados da empresa
Por Paulo Vieira para a Revista PODER de dezembro
Fotos: Roberto Setton
O que destaca um empresário e faz dele um líder? Intuição, empatia, vontade, visão de futuro, ousadia, conhecimento de seu setor? Tudo isso certamente entra na lista, mas é difícil saber qual dessas características pesa mais. Da mesma forma, para ser um bom, um ótimo gestor de pessoas – o que talvez seja o tema dos temas em administração de empresas –, não há uma fórmula única a ser seguida. Pois a goiana Janete Vaz, 62 anos, sócia-fundadora do Laboratório Sabin, empresa com matriz em Brasília e mais de 220 unidades espalhadas por nove estados do país, pode dar boas pistas de como chegar lá.
Em outubro do ano passado, a revista Valor Carreira, do jornal Valor Econômico, elegeu o Sabin pela segunda vez a “melhor empresa na gestão de pessoas”, e seria incorreto dizer que Janete, hoje com uma cadeira no conselho de administração da empresa, tenha ficado surpresa com a deferência. O Sabin tem um programa de participação nos lucros e resultados (PPLR) que vale para todos os funcionários das unidades de Brasília (DF), Uberlândia (MG), Manaus (AM) e Barreiras (BA). Outras cidades vão entrando no programa assim que o investimento na aquisição das unidades é recuperado. Há ainda subsídios de até 80% em cursos de graduação e de pós-graduação para os colaboradores. Por fim, não há ninguém fora do regime CLT e, depois de 90 dias na empresa, qualquer um pode usar uma ferramenta interna para fazer uma simulação de crescimento na carreira. Segundo dados do Sabin, hoje, 99% dos postos de liderança são ocupados por gente formada lá dentro. Com tudo isso, soam naturais certos indicadores muito positivos que a empresa ostenta. Entre eles, a rotatividade (turnover) de 7%, bem abaixo da média do setor – que é de 30%, segundo Janete – e o baixo absenteísmo, de 1,5%.
Ter um excelente pacote de benefícios e estender bonificações a diversos cargos está longe de ser algo revolucionário em gestão empresarial, mas o Sabin, além de fazer muita fé nisso, vem adotando um cardápio ainda mais original, que inclui programas de bem-estar e até demandas mais urgentes, verificadas em pesquisas periódicas. Em 2010, por exemplo, a empresa fez um levantamento interno – utilizou para isso parte do questionário do censo nacional do IBGE – para conhecer em detalhe a vida de seus funcionários. Como resultado, percebeu que 1 em cada 7 não tinha máquina de lavar em casa. A resposta veio rápida: um convênio firmado com a Brastemp garantiu descontos de 30% a 40% para o aparelho, e os funcionários ainda tiveram a opção de quitá-lo em 36 prestações. E há mais: na festa de confraternização de fim de ano, diversas unidades vão sortear notebooks. Essa preocupação em criar e manter um bom ambiente de trabalho vem sendo reconhecida por institutos como o Great Place to Work (GPTW), que tem sua finalidade expressa no nome e desde 2005 premia ininterruptamente o Sabin. Para Daniela Diniz, diretora de conteúdo e eventos do GPTW, o Sabin mantém forte preocupação em ouvir seus funcionários. “Ao identificar o perfil do time, suas diferenças e suas necessidades, a liderança consegue corresponder às expectativas e manter alto o nível de confiança da equipe.” E completa: “Isso faz com que a empresa, hoje grande e espalhada, mantenha a cultura familiar, traço extremamente valorizado pelos colaboradores”.
PRATA DA CASA
Entender as demandas dos funcionários é fundamental no Sabin, que coleciona alguns números peculiares. Lá, a média etária é baixa, de 31 anos, e a proporção de mulheres, muito alta: 73%. “As mulheres veem a floresta, enxergam tudo ao mesmo tempo, enquanto os homens são mais direcionados, enxergam a árvore”, disse Janete a PODER num encontro em São Paulo. Apesar do predomínio feminino, mais de duas mulheres para cada homem, Janete diz que não há parti pris de gênero no Sabin. “Questões de gênero não contam, mas, sim, a competência.” As mulheres ocupam 70% dos postos de liderança da empresa, espelhando a distribuição feminina entre todos os funcionários.
No primeiro dia útil de 2014, Janete e sua sócia, Sandra Costa, enfrentaram uma situação inédita, que pôs à prova a filosofia máxima da companhia, de valorizar a prata da casa. As duas se retiravam do dia a dia em prol de um novo presidente-executivo, e, dentre os cenários possíveis, cogitou-se um desdobramento sucessório tradicional, com a cadeira passando para algum dos filhos das sócias. Mas Janete reconhece que “eles não estavam preparados”, e a solução foi promover Lídia Abdalla, uma das três superintendentes do Sabin, que começou como trainee e contava então 15 anos de casa. “Nossa cultura é desenvolver e valorizar o que temos aqui, não seria justo buscar fora, no último momento, um presidente.” Mesmo assim o processo foi sofrido. “Entregar (o comando) depois de 30 anos não foi fácil. A gente acha que não tem ninguém preparado para assumir o lugar”, confessa Janete.
VENTO A FAVOR
O Sabin vive um período bastante favorável. A taxa de crescimento anual média na última década é de 30% e o número de funcionários foi duplicado de 2014 para cá. Se até 2010 a empresa concentrava seus negócios no Distrito Federal, em que opera atendendo principalmente convênios de saúde de boa parte do funcionalismo público da cidade, hoje conta com unidades em nove estados. Nas diretrizes estratégicas, a meta é estar em 70% das unidades federativas do Brasil até 2020 e se tornar referência no segmento na América Latina – eventualmente abraçando a internacionalização.
O recentíssimo movimento de expansão do Sabin se deu principalmente por aquisições de laboratórios em capitais e cidades distantes do eixo Rio-São Paulo. Mas se dependesse de alguns consultores da Fundação Dom Cabral, com quem Janete e Sandra se reuniram em 2010, o alvo poderia ser bem outro. São Paulo era uma das praças indicadas pelos especialistas, algo que segue fora do escopo do Sabin, e não exatamente pela concorrência acirrada. “Quando pensamos numa cidade, olhamos para seu PIB, o número de hospitais, os convênios de saúde dominantes e a logística”, diz Janete. A logística é fundamental, pois quase todos os exames são enviados para análise em Brasília. Assim, ter unidades nas capitais do norte é estratégico. “Se eu tivesse de enviar exames de Manaus para São Paulo, por exemplo, seriam sete dias de trâmite. De lá para Brasília são dois”, comenta.
A conversa com os experts da Fundação Dom Cabral poderia ter selado um destino muito diferente para o Sabin e suas sócias. Janete e Sandra bateram em Belo Horizonte, onde fica a sede da instituição, sem saber, como no ditado popular, se casavam ou se compravam uma bicicleta. Acossadas pelos concorrentes de um segmento concentrado (o líder do setor, o Grupo Dasa, tem 24 marcas, entre elas as conhecidas Lavoisier, Delboni e Pasteur), chegaram a cogitar deixar o negócio – especularam com os consultores inclusive o que fariam com o butim. Por fim, vingou a ideia de ganhar o país. Em 2010, o Sabin tinha cerca de um quarto do tamanho que tem hoje em número de funcionários, de unidades pelo país e também de faturamento bruto.
Adquirir pequenos laboratórios pelo Brasil é uma tendência clara do segmento. Com a crise econômica, 1,6 milhão de pessoas deixaram os convênios particulares entre 2015 e 2016, impactando todo o setor. Isso tem acelerado aquisições e consolidações, já que as grandes empresas têm acesso fácil a aportes de capital; já os pequenos, que normalmente atendem a quem procura a rede pública do SUS, sofrem com tabelas de reembolso defasadas e custos de fornecedores não raro em dólar. Em entrevista a PODER, Claudia Cohn, presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), detalhou sua preocupação com esse cenário. “O setor depende de incorporação tecnológica e, no caso dos pequenos, que também atendem o SUS, o valor de reembolso há tempos não é reajustado. Temos alertado o governo do risco de fechamentos.”
Pode parecer apenas metalinguagem de ocasião, mas Janete diz que, dada a natureza do seu negócio, para ser uma empresa saudável o Sabin “tem de cuidar da saúde das pessoas, a começar por quem trabalha lá”. Nesse sentido, ter oferecido certa vez check-ups gratuitos para os pais dos colaboradores não deve ser entendido como ato de bonomia. “O atendimento humanizado é um diferencial nosso. A gente mexe com dor e constrangimento, nosso serviço tem um impacto negativo na vida do cliente. Por isso, todos têm de entender seu papel na entrega de excelência dos exames. Não adianta investir no doutorado de um funcionário se eu posso perder um cliente no cafezinho.”
Janete define por dor e constrangimento o que o Sabin impinge a quem lhe garante o faturamento: picadas para colher sangue e potinhos coletores de fluidos corporais. De fato, um editor de mídias sociais de uma companhia de medicina diagnóstica teria certa dificuldade de engajar os fãs se tivesse de mencionar essas ações.
A vida desse profissional do Sabin, contudo, deve melhorar, já que em 2017 o diagnóstico por imagem, setor pouco expressivo no Sabin, deve ganhar relevo. E é mais fácil dar “likes” quando se fala do ultrassom de um filho que está a caminho do que de prevenção de doenças.
Boas notícias estão longe de ser commodity em Brasília, mas na matriz do Sabin não há sinal de nuvens negras. Além da expansão para novas praças, o crescimento da empresa, segundo Janete, tem a ver com a busca da vida saudável, um tema muito atual. Por esse raciocínio, há hoje bem mais gente que, espontaneamente, busca conhecer seu status médico com exames de rotina e check-ups.
Esse ciclo virtuoso que fez o Sabin crescer também tem o poder de ajudar o mundo corporativo, que navega em mar tenebroso neste século 21. Afinal, quanto mais empresas tratarem melhor seus funcionários, mais fácil será contar com eles para manter o sistema operante.