PODER revela os desafios que Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras Azaleia, tem superado para recolocar a empresa na pista

Pedro Bartelle || Créditos: Roberto Setton

Os desafios que Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras Azaleia, vem superando para recolocar a empresa na pista e fazer de seu principal produto, o tênis Olympikus, vencedor numa luta contra gigantes

Por Paulo Vieira para a revista PODER de novembro

A imagem da luta bíblica de Davi contra Golias voltou com tudo nestas eleições. Muitos políticos conhecidos, de siglas com direito a bons nacos de fundo partidário e tempo de propaganda eleitoral, foram derrotados pelos azarões, qual Golias por Davi no livro de Samuel. Um fenômeno que não se restringiu às campanhas majoritárias: para ficar num exemplo emblemático, o sempre governista Romero Jucá, do MDB, perdeu sua vaga cativa de senador por Roraima para o deputado estadual Mecias de Jesus, do PRB, por 426 votos.

Em outro plano, o empresário gaúcho Pedro Bartelle, de 42 anos, CEO e sócio da Vulcabras Azaleia, encarna um Davi à brasileira a enfrentar os filisteus globais. Sua Olympikus, a marca esportiva que responde por 80% do faturamento da Vulcabras, disputa mercado com Nike, Adidas, Mizuno, Asics, Fila e Puma, que, com suas estruturas mundiais e escalas planetárias de produção, marketing e vendas, tem as tais condições objetivas para asfixiar a concorrência local onde bem entenderem.

Mas no Brasil as coisas ao menos aí andaram contrariando a estatística, e a Olympikus tornou-se protagonista no segmento de calçados esportivos: é a que mais vende pares de tênis no Brasil, segundo estudo da consultoria Kantar Worldpanel. “As concorrentes mundiais são muito maiores, sem dúvida, e a gente tem bastante orgulho de poder dizer que só há três marcas nacionais líderes em seus países. A Nike, nos Estados Unidos, a Adidas, na Alemanha, e a Olympikus, no Brasil. Isso é tema de nossas reuniões motivacionais”, disse Bartelle à PODER no 31º andar de um prédio contíguo ao Shopping Eldorado, uma das bases da Vulcabras em São Paulo.

No automobilismo, que Bartelle conhece tão bem, costuma-se dizer que o pior lugar para estar é justamente a primeira posição, pois todos passam a persegui-lo. Liderar, assim, não é uma tarefa simples, e não dá para fazê-lo por inércia. Se o postulado vale para o mundo empresarial, a Vulcabras vem sendo pilotada com a destreza de vencedores. Seu último grande movimento foi fazer uma aquisição de peso, numa estratégia clara de reforçar sua posição perante os adversários. Por R$ 97,5 milhões, a empresa assumiu pelos próximos dez anos a operação brasileira da americana Under Armour, que já esteve entre as três maiores marcas esportivas do mundo e que chegou ao Brasil em 2014. No pacote veio toda a estrutura física, os 120 funcionários e os contratos adrede celebrados pelos gringos, como os patrocínios dos times de futebol Fluminense e Sport Recife. Um garoto-propaganda involuntário da marca é Jair Bolsonaro, que fez seu famoso “live” da avenida Paulista no domingo anterior àquele que se consagrou presidente eleito usando uma camiseta verde Under Armour. “Chegamos à conclusão de que as empresas se complementam, são marcas inovadoras que se apoiam na tecnologia. A Under Armour precisava de um parceiro que entendesse o mercado brasileiro.”

Antes mesmo de anexar a Under Armour, a Olympikus já empunhava três ou quatro armas que a ajudavam a ter vantagens competitivas no Brasil. Preço é a principal delas. Seus tênis são o que Bartelle chama de “smart choice” (escolha inteligente), pois entregam “conforto, performance e resistência” por R$ 250 a R$ 300. Nike, Adidas, Mizuno e Asics cobram até R$ 800, em média, por um lançamento, valor bastante impactado pelo câmbio. A outra arma é a rapidez na reposição de estoques, que pode vir a ser mensal, o que permite à marca aumentar rapidamente a disponibilidade de um produto caso ele “bombe”. Também por essa razão a companhia não inunda seus pontos de venda com o mesmo modelo, evitando lançar mão de liquidações para seduzir o comprador em fuga, expediente comum no setor. Conhecer bem as preferências do brasileiro é um terceiro trunfo, um dos motivos, na opinião do CEO, de ter fechado o acordo com a Under Armour, cujos executivos talvez não dominassem bem o wishful thinking nacional. “O brasileiro gosta de cor e de ter a tecnologia visível no tênis, já que o considera um produto de inclusão social”, informa Bartelle. Por fim, a Vulcabras acumulou experiência em gestão de marcas esportivas estrangeiras no Brasil, pois produziu e comercializou aqui Adidas e Reebok. Mais um fator de atração para os americanos.

Quem vê a Vulcabras indo às compras talvez não imagine o brutal movimento de contração iniciado em 2011 e que ceifou 30 mil dos 45 mil empregos que havia na companhia. No processo, 29 das 32 fábricas – ainda que “satélites”, como diz o CEO – fecharam as portas. Bartelle ainda não era o principal executivo da empresa, e foi preciso chamar gente da pesada, a consultoria Galeazzi, de Claudio Galeazzi, famoso por suas reestruturações x-rated (Grupo Pão de Açúcar, Estadão), para assumir o processo. O cavalo de pau foi precipitado, segundo Bartelle, pela crise mundial da década passada e pelo “excedente de produção” que as Grandes Irmãs do mate¬rial esportivo destinaram aos países emergentes com preços “agressivos ao extremo”. Ele ainda acha que as marcas “reforçaram posição no Brasil no momento em que se aproximavam os grandes eventos, a Copa e a Olimpíada”, quando então “colocaram grande força na publicidade”. A reestruturação foi violenta, sangrenta, mas trouxe de volta a Vulcabras ao jogo. Para o CEO, naquele momento a empresa abandonou seu forte “viés industrial” para abraçar a cultura de uma “gestora de marcas”, mesmo que tenha de fabricá-las. Depois de cinco anos amargando prejuízos, em 2016 a Vulcabras reencontrou o azul. Em 2017, mais boas notícias: um IPO feito no segmento Novo Mercado da BM&FBovespa – foi a segunda vez que a empresa fez sua abertura de capital – captou cerca de R$ 747 milhões. No primeiro semestre de 2018, impactado pela paralisação dos caminhoneiros, o lucro bruto da empresa ficou em R$ 197 milhões, 13,2% abaixo do mesmo período do ano anterior.

Pedro Bartelle || Créditos: Roberto Setton

TALENTO NAS PISTAS

Um piloto talentoso, melhor que o pai na pista e que seria campeão da Fórmula 3 Sul-americana caso ficas¬se mais um ano na categoria. É assim que Augusto Cesário, da Cesário Fórmula, define o pupilo Pedro Bartelle. O atual CEO da Vulcabras correu por sua equipe em 1996, sagrando-se vice-campeão naquele ano. “Perdeu por detalhes”, lembra. Para Cesário, o piloto era dotado de técnica, disciplina, determinação e muita “força física e psicológica”. “Lamento que tenha decidido parar.” Vitorioso em três das 11 provas daquela temporada, Bartelle tentaria fazer a passagem para a F3 britânica logo em seguida, mas encontrou a escuderia Stewart, pela qual pretendia correr, com as duas vagas ocupadas. Cesário, que segue com sua escuderia na F3, fórmula agora exclusivamente brasileira por conta da crise argentina, diz que o custo de se manter um carro na categoria hoje é de US$ 250 mil. Segundo ele, nos anos 1990 era mais caro. A Grendene, por meio de um de seus mais famosos produtos, a sandália Rider, apoiava o jovem piloto.

‘‘Só há três marcas nacionais líderes em seus países, a Nike, a Adidas e a Olympikus. Isso é tema de nossas reuniões motivacionais”

COCKPIT
A cadeira de CEO de uma empresa que passa por um downsizing dessa magnitude não deve ser o lugar mais agradável para sentar, mas Bartelle foi forjado em espaços que não se caracterizam, digamos, pela ergonomia. Antes de chegar à Vulcabras o executivo precisou aprender a domar o caos dentro de um trepidante cockpit. Sua principal escola de negócios foram as pistas, onde ele fez carreira dos 8 aos 22 anos, sucedendo o pai, também Pedro, que fundou a Grendene e adquiriu a Vulcabras nos anos 1970, como o piloto da família. O júnior começou no kart, passou pelas fórmulas Ford e Chevrolet e pendurou a balaclava na F3 Sul-americana. Ele chegou a iniciar conversas para correr na Europa, na escuderia de Paul Stewart, filho da lenda da Fórmula 1 Jackie Stewart, mas os negócios da família acabaram falando mais alto. “O automobilismo é uma escola fantástica, o piloto tem de cuidar de patrocínio, imagem, logística da equipe. Ainda aprende muito de estatística, métricas, interpreta gráficos”, diz. “É um esporte de risco, por isso é preciso desenvolver disciplina e concentração. Quando as pessoas me convidam para correr [recreativamente], digo que não é bem assim, é preciso muito preparo”. Para coach de sua carreira no automobilismo, Bartelle seguiu o exemplo de Ayrton Senna, contratando a “chez” Nuno Cobra. “Ele era um aluno determinado e atencioso, que aprendia rápido as coisas”, disse a PODER Nuno Cobra Jr., que segue o método do pai.
A entrée no mundo corporativo do CEO se deu por uma empresa de varejo e, mais tarde, em 2003, no comando dos negócios da filial argentina da Vulcabras, que havia sido montada com a aquisição do cliente argentino para quem ela exportava seus calçados. Bartelle mudou-se para o país vizinho no momento em que a Argentina se afundava numa de suas enésimas crises e assistia à chegada ao poder de um desconhecido político do interior, Nestor Kirchner. País notório por suas idiossincrasias, Bartelle não considera a experiência particularmente “tri-cky”. Lá liderou 80 pessoas e chegou a montar uma fábrica. Da mesma maneira como faria no Brasil, também tentou levar a marca Olympikus às massas hermanas, tornando-se fornecedor oficial de material esportivo para times de futebol, casos do Racing, Lanús e Argentinos Juniors, este famoso por revelar para o mundo Diego Maradona.

Pedro Bartelle || Créditos: Roberto Setton

LUSCO-FUSCO
Quem observou a enorme exposição da Olympikus em tantos esportes nos anos 2000 e hoje não consegue ver o logotipo dos anéis olímpicos nas roupas dos jogadores de tantos campos e quadras deve desconfiar que a época de ouro da marca passou. A Olympikus já patrocinou delegações brasileiras inteiras e atletas vencedores como Guga Kuerten, Maurren Maggi e Gustavo Borges, sem falar de alguns dos times de futebol mais populares do Brasil como Flamengo, Cruzeiro, São Paulo e Internacional, este o clube do coração de Bartelle. Hoje, a marca apenas se destaca pelo patrocínio à Maratona do Rio, principal evento de corrida amadora do Brasil, com perto de 9 mil “finishers” (os corredores que concluem os 42 quilômetros da prova), número crescente, mas ainda muito modesto diante dos das maratonas de Nova York ou de Londres, que chegam a reunir 50 mil participantes. Mas é bom reafirmar que as cicatrizes da terapia de choque que tirou a marca dos campos e da mídia pouco a pouco estão a se dissipar. Em 2018, antes mesmo de anunciar o acordo com a Under Armour, a Vulcabras divulgou a contratação do estilista Alexandre Herchcovitch, que já havia colaborado com a Olympikus em 2004, ajudando a desenhar os uniformes dos atletas brasileiros convocados para a Olimpíada de Atenas, quando a marca era patrocinadora oficial do COB (Comitê Olímpico do Brasil). Com o novo “head de estilo”, a ideia é aumentar a presença da Olympikus em vestuário e acessórios, segmento conhecido por “athleisure”. “Esse é o negócio que mais tem crescido no setor. Como o esporte influencia muito o comportamento e o lifestyle e a Olympikus é a maior marca esportiva brasileira, tem ainda mais autoridade para participar desse movimento”, diz Bartelle. A primeira coleção com o dedo do estilista chega ao mercado em 2019, mesmo ano em que começa a produção dos tênis da Under Armour na fábrica de Parobé, no Rio Grande do Sul.
Os tênis Olympikus vêm gerando parte esmagadora da receita da Vulcabras, o que fez com que as duas marcas femininas famosas do portfólio da empresa, a Azaleia e a Dijean, ficassem bastante à sombra no período pós-reestruturação, momento em que se pedia ainda mais foco na atividade principal. Bartelle admite que “calçado feminino não é sua especialidade”, mas acha que agora as duas linhas, que são geridas em unidade própria, “vêm sendo bem cuidadas”. “Espero que elas nos deem alegrias rapidamente”, diz. Considerando que seu pai, Pedro Grendene Bartelle, e seu tio, Alexandre, entraram para o panteão da indústria nacional com uma marca feminina de fama mundial, a sandália Melissa, da Grendene, é de se esperar que o sucessor na linhagem logo encontre um bom caminho.

ENTRANDO DE SOLA
O que Paulo Maluf, Leonel Brizola e Vicente Matheus têm em comum? Além do inegável carisma, o trio foi protagonista, no começo dos anos 1990, de campanhas publicitárias do mais famoso produto da história da Vulcabras, o 752, sapato conhecido pela sola de borracha vulcanizada e pela durabilidade. A empresa foi fundada em julho de 1952 – daí o nome de seu sapato –, e teve na figura do suíço Josef Pfulg seu “pai”. Numa entrevista a O Estado de S. Paulo ele conta com enorme pesar como passou a empresa para os irmãos Pedro e Alexandre Grendene em 1988, que a compraram depois de movimentos agressivos na bolsa – a Vulcabras abriu o capital em 1977. “Eu estava vendo meu filho morrer e caí em desespero. Ou praticava a eutanásia, entregando minha própria cria à falência, ou a passava para alguém que tivesse dinheiro.” A Vulcabras havia desenvolvido clara vocação esportiva, pois, desde 1973, era licenciada da Adidas, Puma e Reebok para produzir e comercializar seus tênis aqui. Em 2007, com a fusão com a Azaleia, detentora da marca Olympikus, o negócio foi reformatado. A Vulcabras voltaria à bolsa, já como Vulcabras Azaleia S.A. em outubro do ano passado, para um novo IPO. Pedro Grendene Bartelle, seus filhos e a ex-mulher Maria Cristina Nunes de Camargo detêm hoje cerca de 49% dos papéis da empresa.

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